Entre abril de 2024 e março de 2025, os deputados federais brasileiros publicaram mais de 299 mil conteúdos em seus perfis no Instagram. Stories, reels, carrosséis, bastidores, discursos editados e legendas de efeito. Por trás de cada publicação, há uma engrenagem cada vez mais sofisticada: roteiros pensados, vídeos gravados com luz certa, cores estrategicamente padronizadas, pautas alinhadas com o calendário da Câmara e da rua. As estruturas de comunicação dos gabinetes nunca foram tão profissionais. E os conteúdos, nunca tão constantes.
É importante destacar: todos os dados analisados neste artigo se referem exclusivamente ao desempenho orgânico das postagens — sem considerar impulsionamento. Ou seja, o que se vê nos gráficos e quadros a seguir não é resultado de mídia paga, mas de atenção espontânea.
É inegável que houve um salto. A linguagem quadrada de antes foi substituída por uma estética mais fluida, conectada com os padrões da cultura digital. Parlamentares se tornaram microinfluenciadores e passaram a disputar espaço nas mesmas timelines em que circulam celebridades, humoristas e comentaristas políticos. Tudo é conteúdo. Tudo é política. E tudo é métrica.
Mas, ao analisar os dados de performance digital dos 513 deputados federais ao longo de um ano — mês a mês, deputado por deputado — uma verdade menos confortável fica clara: apesar do avanço técnico das equipes, quem ainda decide o que engaja ou cresce não são os gabinetes. É a política. Mais do que isso: é a conversação pública, o calor da pauta, o ritmo dos acontecimentos.
Não é o feed que dita o debate. É o contrário.
As medianas mensais mostram isso com precisão quase cirúrgica. Em novembro de 2024, o engajamento médio por publicação atinge seu ápice. Coincidência ou não, esse foi o mês em que a Polícia Federal deflagrou a Operação Contragolpe, que culminou no indiciamento do ex-presidente Jair Bolsonaro por tentativa de golpe de Estado. Outubro e novembro também foram marcados pelas eleições municipais, que reacenderam disputas regionais e puxaram o debate político nacional de volta ao centro da atenção.
Já em março de 2025, outro pico: ocorreram manifestações em defesa da anistia aos presos dos atos de 8 de janeiro. A presença de Bolsonaro nos atos e a cobertura do evento reacenderam a polarização e colocaram novamente a direita em movimento. Entre os dois momentos, em janeiro, uma narrativa sobre a suposta taxação do Pix mobilizou as redes. O que começa como ruído vira pauta — e da pauta emerge um dos conteúdos mais bem-sucedidos da história política recente no Instagram: um vídeo de Nikolas Ferreira, atacando o governo e a Receita Federal, alcança patamares históricos de visualização e engajamento. É, até aqui, o conteúdo com melhor desempenho já publicado por um político brasileiro. E tudo isso nasce de um tema de agenda, não de uma editoria.
Mediana do engajamentos dos deputados por post, mês a mês.

Esses são os momentos em que a política sai do campo institucional e vira emoção coletiva. E, nesses momentos, quem sabe atuar engaja. Quem não sabe, desaparece.
Essa lógica se confirma quando olhamos para os dados anuais. Um dos maiores erros da gestão digital parlamentar é acreditar que mais posts significam mais influência. O caso de Nikolas Ferreira desmonta essa ideia com brutalidade: apenas 167 publicações no período, mas um crescimento de mais de 6 milhões de seguidores e 144 milhões de interações. Em contraste, parlamentares como Bia Kicis e Mario Frias postaram mais de mil vezes no mesmo intervalo — e cresceram menos de 150 mil seguidores cada. O que isso nos diz não é que volume não importa. Mas que, sem conexão com o momento, volume vira ruído. E ruído, na lógica das plataformas, é invisibilidade.
Número de posts no período:

Novos seguidores no período:

É preciso dizer com todas as letras: não há fórmula para viralizar sem timing. O post bem produzido, mas fora do momento, é como discurso eloquente em sala vazia. O que Nikolas Ferreira, André Janones, Erika Hilton, Eduardo Bolsonaro, Gustavo Gayer, Guilherme Boulos e outros nomes do topo do ranking digital entenderam é que o sucesso nas redes está menos ligado à estética e mais à inserção no debate. Eles não apenas comunicam. Eles interferem. Eles tensionam. Eles assumem posição. E, por isso, ocupam o centro do feed.
Mas talvez o dado mais eloquente de todos seja outro: os 35 deputados mais engajados concentram mais de 60% de todas as interações registradas no Instagram ao longo de um ano. Isso revela um Congresso digitalmente assimétrico, onde a maior parte dos parlamentares disputa o que sobra da atenção pública — muitas vezes com conteúdos genéricos, prestações de conta neutras, agendas pouco narradas. As equipes produzem mais, mas não conseguem furar o ruído. A diferença entre o topo da cadeia e o restante é brutal. E, em boa medida, estrutural.

Todos os dados apresentados neste estudo foram coletados por meio da ferramenta FanpageKarma, que permite o monitoramento detalhado de indicadores públicos de desempenho nas redes sociais. A proposta é analisar exclusivamente os dados brutos, sem qualquer tipo de juízo de valor sobre os conteúdos ou os parlamentares citados.
Porque o que está em jogo não é apenas comunicação. É posicionamento. E posicionamento exige risco, exige clareza, exige estratégia. Deputados que se limitam à institucionalidade da pauta semanal tendem a operar em uma zona de segurança nas redes — e segurança, nas redes, raramente se converte em atenção.
A essa altura, pode parecer que o argumento aqui é abandonar o planejamento e seguir o trending topic. Não é. O argumento é mais profundo: a performance digital de um mandato depende menos da grade de publicações e mais da capacidade de um gabinete funcionar como radar — sensível à temperatura do debate, à oportunidade da fala, ao timing da entrada. A forma ajuda a abrir portas, mas é o conteúdo que decide se alguém entra. E na política, ninguém entra sem ser apresentado pelo contexto.
É preciso reconhecer o esforço dos profissionais que operam essa máquina invisível nos bastidores da política. São jornalistas, criadores, estrategistas que reinventaram o modo de comunicar o Legislativo. Mas, ao final de cada mês, quando as métricas são comparadas, o que se vê é que a performance digital não recompensa apenas consistência. Ela premia relevância.
E relevância, em tempos de conflito e hiperexposição, está cada vez mais ligada à capacidade de se posicionar no momento certo, com a voz certa, sobre o tema certo.
Não basta estar presente. É preciso ser presente. O algoritmo obedece ao público. E o público, mais do que nunca, só presta atenção quando a política se torna urgência.