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A Apple Worldwide Developers Conference (WWDC) começa nesta segunda-feira (9), em Cupertino, na Califórnia. Durante o evento anual, a empresa anuncia os principais lançamentos de software — com atualizações para o ecossistema iOS, macOS, watchOS, tvOS e visionOS. Espera-se que Tim Cook, CEO da companhia, apresente os destaques da semana às 14h (horário de Brasília) diretamente do Apple Park, com transmissão ao vivo no YouTube [acesse aqui].
As expectativas para a WWDC deste ano estão mais altas do que nunca. Após sucessivos deslizes, a Apple precisa mostrar ao público, investidores e parceiros que não perdeu a janela de oportunidade da inteligência artificial e se mantém líder em termos de tecnologia e inovação. No entanto, analistas preveem o contrário, com mais um “ano sabático” para a fabricante.
Apple Intelligence: o tiro que saiu pela culatra
Na conferência do ano passado (2024), Tim Cook exibia com entusiasmo o “Apple Intelligence”, software de inteligência artificial da Apple. Com foco na privacidade dos usuários (o slogan “inteligência pessoal” foi dito por diversas vezes), uma interface altamente personalizável e integração com a Siri, a companhia prometia entrar de vez na corrida da IA — e com foco no pódio. Não foi o que aconteceu.
Tendo em vista o atraso em relação à concorrência, que já havia levado aos aparelhos assistentes inteligentes (como o Galaxy AI), a Siri alimentada por IA seria o grande diferencial da Apple. Nos anúncios, a ferramenta poderia, por exemplo, “agendar reuniões” a partir da leitura de mensagens e “enviar convites” para os membros envolvidos. Tudo sozinha.
Para analistas, a proposta estava aquém das expectativas, justamente se comparada a outras ferramentas disponíveis. Todavia, o pior aconteceu três meses depois, quando a linha do iPhone 16 foi apresentada sem o Apple Intelligence, que só seria disponibilizado no fim do ano (de forma parcial). Até o momento, a Siri não foi integrada ao software e grande parte dos recursos não estão disponíveis para línguas além do inglês.
Wall Street não reagiu bem ao fracasso da IA da Apple. Principalmente após outras decepções, como as vendas do Apple Vision Pro, o fim do programa para a criação de um veículo elétrico e a evasão de talentos. Na ocasião, as ações da multinacional caíram em Nova York.
“Quando se trata de uma das maiores empresas de tecnologia do mundo em termos de capitalização de mercado, esperamos que ela esteja à frente das principais tendências. De forma resumida, a falta do lançamento de algo mais expressivo por parte da Apple, principalmente quando comparamos com a IA conversacional de concorrentes, como o ChatGPT, da OpenAI, e o Gemini, da Alphabet (Google), decepcionou o mercado em um primeiro momento. Ainda assim, a parceria com a OpenAI traz novas esperanças”, avalia Bruno Yamashita, analista de alocação e inteligência da Avenue.
Alem dos desafios mencionados por Bruno, a Apple ainda enfrenta obstáculos legais. No dia 20 de março de 2025, a fabricante foi processada por propaganda enganosa devido aos anúncios relacionados ao Apple Intelligence, com uma ação registrada na Corte Distrital de San Jose, Califórnia. O ano que começou com o “pé esquerdo” para a Big Tech, degringolou em abril, com a escalada da “guerra comercial” entre China e Estados Unidos.
Trump vs China: como a Apple virou o foco do embate
“A Apple poderia existir sem seus laços com a China? Provavelmente não”, esse é o título de uma matéria do The New York Times publicada no início de maio. O texto de mais de mil palavras pode ser resumido em uma estimativa de Gene Munster, sócio-gerente da Deepwater Asset Management, à publicação: “Um colapso total entre os Estados Unidos e a China reduziria o valor da Apple pela metade ou mais.”
O motivo? O país asiático é o maior fabricante de dispositivos da empresa (a estimativa chega a 80%) e um dos principais mercados para a comercialização de iPhones. Segundo o The Wall Street Journal, a cadeia de suprimentos da Apple na China é a maior “conquista” de Tim Cook, tendo em vista o baixo custo e a alta disponibilidade de mão de obra qualificada no país.

Presidente dos EUA, Donald Trump, fala enquanto assina decretos no Salão Oval da Casa Branca, em Washington
O assunto que parecia resolvido voltou à tona com as tarifas do presidente Donald Trump. “Há muito tempo informei Tim Cook, da Apple, que espero que seus iPhones sejam fabricados e montados nos Estados Unidos, não na Índia ou em qualquer outro lugar”, escreveu o presidente em uma publicação no Truth Social. A produção na Índia corresponde aos 20% restantes do total.
Especialistas afirmam que estabelecer a produção do iPhone nos Estados Unidos demoraria anos e o valor do aparelho chegaria a US$ 3.000 — hoje, o preço de entrada varia entre US$ 799 e US$ 1.199.
Jony Ive e a falta de inovação
A OpenAI anunciou um acordo de US$ 6,5 bilhões para adquirir a io, startup de hardware fundada por Jony Ive, ex-chefe de design da Apple e um dos co-criadores do iPhone, no fim de maio. Com a fusão, Ive assumirá a liderança do desenvolvimento de dispositivos “completamente novos alimentados por IA” — projeto de longo prazo da dona do ChatGPT.
“Reunimos os melhores engenheiros de hardware e software, os melhores tecnólogos, físicos, cientistas, pesquisadores e especialistas em desenvolvimento e fabricação de produtos.” As ações da Apple caíram 2,3% após a divulgação da carta.
O The New York Times entrevistou ex-funcionários e consultores para entender o momento da instituição fundada por Steve Jobs. Sob condição de anonimato, as fontes alegaram que a Apple está sendo prejudicada por “disputas políticas internas, pela mesquinharia e pela fuga de talentos”.

Jony Ive e Tim Cook
Sobre o atraso para surfar na onda da inteligência artificial, o jornal menciona um caso específico relacionado à compra de GPUs. “No início de 2023, John Giannandrea, chefe de IA, buscou aprovação de Tim Cook para comprar mais chips de IA, conhecidos como GPUs, o Sr. Cook aprovou um plano para dobrar o orçamento da equipe, mas o diretor financeiro, Luca Maestri, reduziu o aumento para menos da metade.”
Na ocasião, a companhia possuía cerca de “50.000 GPUs com mais de cinco anos”. “Muito menos do que as centenas de milhares de chips comprados na época por líderes como Microsoft, Amazon, Google e Meta.”
Em entrevista à publicação, Michael Gartenberg, analista de tecnologia, disse que “a Apple precisa entender o que aconteceu. O Apple Intelligence é um exemplo de promessas exageradas e entregas de menos”.
Branding: o “bote salva-vidas” da Apple em meio à tempestade?
Apesar do mar revolto, a Apple permanece como uma das empresas mais valiosas do mundo, com aproximadamente US$ 3 trilhões em valor de mercado, atrás apenas da Microsoft (US$ 3,441 tri) e da atual líder Nvidia (US$ 3,446 tri), que alcançou o posto após a crescente demanda por GPUs.
“A Apple continua desenvolvendo com mérito seus próprios chips. Além disso, a infraestrutura aprimorada da App Store, principalmente para os desenvolvedores, tem sido um dos focos do negócio. O mercado estima que só em maio de 2025 a loja de aplicativos da Apple gerou US$ 6 bilhões em receita, o Google Play [principal concorrente] atingiu US$ 2,9 bilhões”, pontua Yamashita.
Para além da tecnologia, a companhia constrói com sucesso, há pelo menos 30 anos, sua reputação. Não à toa, foi a primeira instituição do mundo a atingir (e manter) a casa do “trilhão” de dólares.
“A Apple é uma marca que transcende seus produtos, ela representa status e pertencimento. Justamente por esse valor simbólico, a empresa consegue, diferentemente da concorrência, suportar melhor algumas crises”, comenta Marcos Bedendo, especialista em branding e professor da ESPM, FIA-USP e Insper.
Entretanto, a imaculada imagem da maçã mordida, que por muitos anos representou o mais alto nível de disrupção e avanço tecnológico, pode se desgastar se a estratégia não mudar. “A marca não se corrói de uma hora para outra. Mas você começa a perceber, por exemplo, que os preços não se sustentam. Esse é um dos primeiros sinais de deterioração, valores semelhantes aos praticados pela concorrência. Isso é o que a falta de inovação pode acarretar para a Apple ao longo dos anos”, diz Bedendo.
Por enquanto, no Brasil, um iPhone 16 (lançado em 2024) custa em torno de R$ 5.000, enquanto um concorrente direto do mesmo ano, como o Samsung Galaxy S24, é vendido por R$ 3.500.
O que diz a Apple?
Em entrevistas e questionamentos sobre os desafios da Apple, Tim Cook ja falou que, apesar do desempenho abaixo do esperado do iPhone 16 em alguns mercados, o modelo teve forte adesão em países que adotaram os recursos da Apple Intelligence. Ele mencionou que a integração de IA no iPhone 16 impulsionou as vendas em regiões como Estados Unidos, Alemanha e Japão, onde os consumidores demonstraram maior interesse por tecnologias avançadas. Cook enfatizou que a Apple está expandindo os recursos da Apple Intelligence, incluindo melhorias na Siri e suporte para mais idiomas, o que pode ajudar a reverter o cenário em mercados menos receptivos.
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