Educação e prevenção: quais as alternativas para solucionar problemas em presídios de SC

Em 2023, o  MNCPT (Mecanismo Nacional de Prevenção e Combate à Tortura) realizou uma série de denúncias sobre presídios de SC. Uma delas é em relação à unidade socioeducacional CASE de Joinville, sobre a infraestrutura, casos de tortura contra os jovens, e várias outras violações que vão contra os Direitos Humanos e do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA).

Internos fazem prova de nivelamento de conhecimentos como parte da iniciativa da Secretaria de Administração Prisional para erradicar o analfabetismo no sistema prisional

Internos fazem prova de nivelamento de conhecimentos como parte da iniciativa da Secretaria de Administração Prisional para erradicar o analfabetismo em presídios de SC – Foto: Marco Favero/ND

Atualmente, a unidade é gerenciada pela SAP (Secretaria de Estado de Administração Prisional e Socioeducativa), o que, segundo a perita do MNCPT, Viviane Martins Ribeiro, vai totalmente contra o ECA, uma vez que o sistema prisional e socioeducativo tem objetivos distintos.

Na unidade de Joinville, por exemplo, os menores acabam recebendo um tratamento semelhante ou ainda pior do que no sistema prisional para adultos. “As unidades de socioeducação devem ser um espaço de acolhimento dos adolescentes em conflito com a lei, com um intuito pedagógico e não punitivo”, explica a perita.

Mas diversas práticas e violações observadas em unidades prisionais para adultos foram mapeadas nas unidades socioeducacionais:

  • isolamento dos jovens (proibido pelas Regras das Nações Unidas para a Proteção dos Menores Privados de Liberdade);
  • privação do banho de sol, a violação do direito de personalidade (com o uso abusivo de câmeras nos banheiros e templo ecumênico, por exemplo);
  • aplicação de práticas de tortura denominada ‘pacote”, em que os adolescentes são algemados no chão enquanto são agredidos fisicamente pelos agentes; e
  • limitação de atividades por conta da ocupação da quadra de esportes.

“Não é apenas um caso isolado. Se eu tenho uma prática de tortura disseminada pelos agentes da socioeducação, vai acontecer em mais de uma unidade”, afirma a perita responsável pela visita.

Na visita à unidade em 2023, foi constatado que apenas 26% dos internos realizavam atividades formativas.

De acordo com a SAP, desde o final do ano passado, foram realizados 550 cursos, 2213 oficinas e 253 palestras em unidades socioeducativas do Estado.

Projetos de Ressocialização catarinenses são destaque nacional

Atualmente, cerca de 35% dos presos catarinenses realizam atividades laborais, com 8.090 homens e 845 mulheres que trabalham em diferentes setores, como a montagem de móveis, peças eletrônicas, produção de roupas, estofados, peças de carro, entre outros.

A realização das atividades acontece tanto dentro dos presídios, quanto externamente (para os presos com regime semi-aberto).Mais de 100 empresas e 35 Prefeituras dos municípios catarinenses possuem parcerias com as unidades prisionais do Estado para realização de atividades laborais.

Em relação à remuneração, 98,53% dos presos recebem remuneração em SC, que pode ser inferior a 3/4 de um salário mínimo, ou dependendo da atividade, até 1 a 2 salários, sem outros direitos trabalhistas.

Um dos objetivos de oferecer opções de trabalho e formação técnica aos presos é a ressocialização, “a ideia é não apenas ocupar o tempo do preso, mas garantir a profissionalização e certificação, para que ao cumprir a pena e voltar ao mercado de trabalho, ele possa ter oportunidades reais de realocação e não reincida no sistema prisional”, destaca a secretária adjunta Joana Mahfuz Vicini.

Em 2024, serão lançadas 17 chamadas públicas para novas parcerias com empresas e oferta de trabalho para os presos. O objetivo é alcançar a taxa de 50% de presos trabalhando no Estado — o dobro do índice nacional, que no segundo semestre de 2023 era de 24,70%.

Em algumas unidades, essas taxas são ainda maiores, como em São Cristóvão do Sul, em que mais de 60% dos presos trabalham, por conta da própria estrutura do presídio que possui canteiros e outros espaços para atividades.

Além das oportunidades de trabalho, outras atividades educativas e culturais são realizadas nas unidades prisionais, como projetos de teatro e música. O Ensino Básico, o Ensino Médio e cursos técnicos também são ofertados nas unidades em parceria com a Secretaria de Educação e outros parceiros, e hoje, segundo a SAP, 54% dos presos estudam. Também são realizados projetos de remição de pena por leitura de livros.

Especialistas apontam 6 medidas urgentes para melhorar o sistema prisional catarinense

“Para lidar com os problemas do sistema prisional precisamos partir da premissa que a gente não consegue resolver problemas complexos com soluções simples. Problemas complexos requerem soluções igualmente complexas”, ressalta Rodrigo Sartoti, especialista na área.

Mais do que projetos de ressocialização e trabalho nas unidades, é preciso realizar uma série de medidas e investimentos na infraestrutura do sistema prisional para garantir o cumprimento das leis nacionais e internacionais, além de ampliar o número de agentes penais e outras medidas.

Ouvimos diversos especialistas na área de Direito Penal, Defensoria Pública e Direitos Humanos e elencamos a seguir, algumas medidas possíveis para enfrentar os principais problemas nas unidades prisionais de Santa Catarina:

1- Reformas dos espaços e eventual construção de novas unidades

As unidades prisionais catarinenses são antigas e com incontáveis problemas de infraestrutura.

A adaptação e reforma dos espaços é urgente, para evitar a propagação de doenças, acidentes, incêndios e outros problemas. Já a construção de unidades privadas deve ser avaliada com cautela, para não transformar a prisão de pessoas em um tipo de negócio.

No país, unidades deste formato apresentam gastos para o Governo maiores que os das unidades públicas.

2 – Adoção de medidas alternativas

O número de presos provisórios é um dos grandes fatores da superlotação nas unidades prisionais, embora há casos em que os presos poderiam aguardar o julgamento em liberdade.

Isso porque a prisão preventiva deve ocorrer apenas quando há, de fato, perigo para a sociedade ou para o processo (como situações de fuga, destruição de provas e outros riscos).

Além disso, o Código Penal apresenta inúmeras alternativas em vez da prisão, a serem avaliados conforme o tipo de crime, como o uso de tornozeleiras, prisão domiciliar, serviço comunitário e participação em programas educativos.

3 – Contratação, treinamento e valorização dos agentes prisionais

A falta de funcionários efetivos é um dos grandes problemas nas unidades prisionais. A contratação de agentes penais temporários gera insegurança e outros problemas.

O último concurso para o Sistema Penitenciário em Santa Catarina é de 2019, e até o momento da publicação desta matéria, não foram realizadas novas chamadas dos concursados.

A Associação dos Policiais Penais e Agentes de Segurança Socioeducativos (APPS), sindicato da categoria, defende a realização de um novo concurso. Junto a isso, é essencial realizar treinamentos de atualização dos agentes e programas de valorização dos profissionais.

4 – Liberação para entrega de alimentos nas visitas familiares

Santa Catarina é o único Estado brasileiro que mantém hoje a restrição da entrega de alimentos adotada durante a pandemia. Além de ser um complemento na dieta dos presos e jovens do sistema socioeducacional, que em muitos casos é insuficiente e pobre em nutrientes, a alimentação tem um caráter afetivo que mantém o vínculo familiar — aspecto essencial de ressocialização, para manter a esperança e humanidade das pessoas presas.

5 – Criação do Sistema Estadual de Prevenção e Combate à Tortura

Uma das 104 recomendações do Mecanismo Nacional de Prevenção e Combate à Tortura (MNCPT) ao estado de Santa Catarina após a última inspeção realizada em 2023, é a criação do Sistema Estadual de Prevenção e Combate à Tortura (SEPCT/SC) para o acompanhamento frequente dos direitos humanos nas unidades.

Há mais de 10 anos esses projetos são discutidos por órgãos regionais, mas que ainda não avançaram por falta de apoio do Governo do Estado.

6 – Revisão da Lei de drogas

O Tráfico de Drogas é o crime com maior incidência em Santa Catarina, com 9.720 casos, sendo mais do que o dobro de casos do segundo crime mais registrado no Estado, de roubo qualificado, com 4385 incidências.

Assim como no restante do país, o número de casos de Tráfico de Drogas foi acentuado no Estado a partir da revisão de Lei de Drogas de 2006, que não define quantidades ou critérios específicos para diferenciar traficantes de usuários.

Com isso, muitos usuários são presos por pequenas quantidades de droga, superlotando as unidades prisionais.

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