“Criatividade é inteligência se divertindo” (Albert Einstein).
Vivemos a era da automação. Inteligência artificial, machine learning, algoritmos de recomendação e dashboards infinitos nos prometem mais precisão, eficiência e personalização. Mas em algum momento do caminho, algo essencial começou a se perder: a ousadia. A originalidade. A coragem de pensar fora do slide.
Em nome da escalabilidade, abraçamos modelos replicáveis. Em nome da performance, sacrificamos a surpresa. E em nome dos dados, começamos a silenciar a intuição.
A pergunta é desconfortável, mas urgente: a tecnologia está nos ajudando a criar ou apenas nos treinando para repetir?
Criatividade sob controle: quando o algoritmo dita o briefing
Você já viu esse post antes. Sabe aquele vídeo com a música do momento, cortes rápidos, lettering amarelo em caixa alta e uma pergunta no início? Ele aparece para você no feed, e também para o seu concorrente. E para o concorrente do seu concorrente. Todo mundo criando “conteúdo estratégico” baseado no mesmo template, orientado pelo mesmo algoritmo, com os mesmos dados de tendência.
No marketing contemporâneo, o que era para ser insight virou instrução. A criatividade virou check-list.
A lógica é simples: se deu certo para outros, vai funcionar para mim. O problema é que, ao seguir apenas o que já funcionou, deixamos de criar o que nunca foi feito. E marcas que não criam o novo, apenas reproduzem o velho.
Dados sem alma, marcas sem personalidade
Não se trata de demonizar a tecnologia. Inteligência artificial, automação e analytics são ferramentas poderosas, quando usadas com consciência estratégica. O problema não está no uso, mas no abuso.
Quando tudo é otimizado para o clique, o criativo é sufocado pela conversão.
O design é testado até o último pixel. O título é decidido pelo CTR. A cor do botão vem de um A/B test com 0,8% de vantagem. E o conceito? Bem, o conceito não importa tanto assim, desde que a campanha gere tráfego.
Resultado: marcas cada vez mais eficientes, mas cada vez mais genéricas. Como destaca o estudo “The Cost of Being Boring”, da Kantar , marcas que não arriscam em diferenciação criativa têm menos chances de crescimento sustentável, mesmo com boa performance em canais digitais.
Ou seja: eficiência sem emoção não constrói legado.
O paradoxo da inteligência artificial: somos nós que estamos ficando burros?
A inteligência artificial não é burra. Mas ela depende do que alimentamos. E nós temos servido fórmulas, padrões e replicações. Estamos alimentando os sistemas com o passado e esperando que eles nos entreguem o futuro.
É como exigir inovação a partir de um banco de dados do que já foi feito. Criar o novo a partir do velho. Esperar uma revolução de um prompt mal formulado.
Mas talvez o maior risco não esteja na IA em si. Está na nossa dependência crescente dela para pensar por nós. Não se trata apenas de automação de tarefas. Estamos terceirizando decisões criativas, diagnósticos estratégicos e até mesmo posicionamentos de marca.
É o que o pensador Jaron Lanier chama de “fuga da responsabilidade criativa”. Quando há uma máquina no processo, nos sentimos menos responsáveis pelo erro e, por isso, menos exigentes com a qualidade.
Case: o looping criativo do TikTok
Pegue o TikTok como exemplo. A plataforma se tornou um laboratório global de tendências. Mas também um ambiente onde a repetição é recompensada. Um conteúdo viral gera milhares de cópias em questão de horas. O algoritmo premia o que já funciona, criando um looping de imitação.
E o que parecia democratização da criatividade virou monocultura do mesmo.
Isso impacta diretamente o marketing: marcas correm para replicar a “linguagem da plataforma”, mesmo que isso as torne irrelevantes em qualquer outro contexto. A originalidade se dissolve em busca de relevância momentânea.
Estamos treinando uma geração de criadores a seguir fórmulas, não a quebrá-las.
O que diferencia uma marca memorável de uma marca mediana?
Um estudo da IPA (Institute of Practitioners in Advertising), no Reino Unido, mostra que campanhas criativas têm o dobro de efetividade em longo prazo do que campanhas apenas orientadas por dados de performance . E isso não é coincidência.
Marcas como Apple, Nike e Dove entenderam que a criatividade não é só estética, é estratégia. Elas usam dados, sim. Mas para encontrar caminhos, não para seguir mapas prontos. E mesmo essas marcas tem que sempre estar atentas para manter o alto nível criativo a que se propuseram. É um trabalho infinito.
Enquanto isso, milhares de outras marcas estão se afogando em dashboards e se esquecendo de um ponto simples: ninguém ama um relatório. As pessoas, no mundo real, se conectam com histórias. Com ideias. Com emoção.
Intuição estratégica: o ativo mais subestimado do marketing
Intuição não é “achismo”. É o resultado de repertório, experiência e sensibilidade. Grandes decisões de marca sempre envolveram algum nível de intuição. Steve Jobs não fez um focus group para criar o iPhone. Howard Schultz não rodou testes A/B para transformar a Starbucks em um “terceiro lugar”.
Mas hoje, confiar na intuição virou quase um pecado capital em empresas que idolatram métricas. Existe um medo irracional de errar — e isso paralisa o pensamento criativo. Como se o único erro aceitável fosse o erro que vem do algoritmo.
Só que as grandes ideias nascem justamente do risco. Da quebra de padrão. Do olhar que vê o que ainda não foi visto.
Como recuperar o pensamento criativo nas marcas?
Para desafiar a burrice dos algoritmos, as marcas precisam reabilitar sua inteligência criativa. Isso exige uma mudança de cultura, não apenas de ferramentas. Aqui vão alguns princípios:
- Desobedeça o briefing padrão. Se tudo começa igual, tudo termina igual.
- Incentive erros inteligentes. Criatividade precisa de espaço para falhar e aprender.
- Use IA como extensão, não substituição. Ela pode acelerar o processo, mas não deve definir o destino.
- Valorize o incômodo. Ideias realmente criativas geram desconforto antes de gerar encantamento.
- Crie para pessoas, não para algoritmos. O feed muda. O humano permanece.
Criatividade é fundamental
Como estrategista de marcas há mais de duas décadas, acompanhei a evolução, e a involução, da criatividade no marketing. A tecnologia nos deu superpoderes. Mas muitos estão usando esses poderes apenas para repetir o que já sabem.
Para mim, o ponto mais relevante desta discussão é simples: a criatividade é o que diferencia marcas vivas de marcas descartáveis. E se quisermos criar marcas que sobrevivam a essa era de ruído, temos que voltar a pensar como artistas, não apenas como analistas.
Porque no final das contas, marcas são feitas para tocar pessoas. E nenhum algoritmo do mundo entende emoção como quem vive no mundo real.
E você, está criando para o algoritmo ou para o futuro?
Esse é o convite final. Para você, que lidera marcas, campanhas e ideias: será que sua estratégia está de fato abrindo novos caminhos, ou apenas pisando em pegadas alheias?
A criatividade nunca foi tão necessária. Nem tão ameaçada. Está na hora de defendê-la — com coragem, com ousadia e com pensamento estratégico.
O post A burrice dos algoritmos e o declínio da criatividade apareceu primeiro em Economia SC.