Catástrofes Climáticas Agora São Ativos na Bolsa de Valores. Conheça os ‘Cat Bonds’

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No fim da década de 1990, em uma das reuniões de acionistas da Berkshire Hathaway, o bilionário Warren Buffett queixou-se de estar tendo problemas de vista. “Ando assistindo muito o The Weather Channel”, disse ele, referindo-se à emissora americana que transmitia informações meteorológicas o tempo todo. Em se tratando de Buffett, o interesse só poderia ser financeiro. Neste caso, os “super cats”. Nada a ver com gatos ultra poderosos. O investimento era em títulos de resseguradoras ligados à proteção contra catástrofes naturais.

Uma seguradora ganha dinheiro vendendo proteções contra riscos. No Brasil, a categoria mais comum é a de seguro de automóveis. Nos Estados Unidos, uma das apólices mais vendidas é contra catástrofes naturais – inundações, nevascas e, mais frequentemente, incêndios. Diferente do seguro de automóveis, esses produtos são considerados riscos catastróficos. Veículos são furtados aleatoriamente. Mas um incêndio como o que devastou Los Angeles no início de janeiro destruiu bairros inteiros.

Poucos meses antes, dois furacões — o Helene e o Milton — também deixaram um rastro de destruição pela costa americana. Todos eles descrevem eventos com baixa previsibilidade e grande valor a ser desembolsado pelas seguradoras.

Por isso, elas também buscam proteção, comprando os chamados resseguros, que são seguros vendidos para seguradoras. As resseguradoras rentabilizam o dinheiro que recebem (as chamadas reservas técnicas) no mercado de capitais. E você pode ganhar com isso mesmo não sendo Warren Buffett — e, em poucos dias, o investimento poderá ser feito diretamente na bolsa de valores.

O que são os cat bonds?

Desde meados dos anos 1990, seguradoras e resseguradoras encontraram um jeito de minimizar as suas perdas financeiras com a emissão de títulos de renda fixa chamados de “catástrofe bonds” (apelidados de cat bonds). A lógica é simples: os investidores compram esses títulos — ofertados com juros atrativos — e fornecem capital para as seguradoras. Cada uma dessas emissões corresponde a um potencial evento catastrófico em uma região, como um terremoto de grande magnitude em uma cidade x, incêndios florestais na região y ou um furacão no estado z.

Se a “catástrofe” designada não ocorrer, os investidores recebem o valor investido mais o percentual acordado de juros. Caso contrário, é comum que parte ou todo o valor seja utilizado para financiar os pagamentos das apólices daquela região. Apesar dos ganhos atrativos, se trata de um investimento arriscado e, na maior parte do tempo, voltado para investidores institucionais ou de perfil sofisticado.

José Maria Correia da Silva, coordenador de alocação e inteligência da Avenue, explica que esses títulos são exatamente o mesmo que os resseguros, mas ao invés do intermediário ser uma empresa, estamos falando de um investidor.

Essa realidade, no entanto, está prestes a mudar. Está programado para os próximos dias a estreia de um fundo de índice (ETF, na sigla em inglês) inédito no mercado financeiro: o Brookmont Catastrophic Bond ETF na bolsa de Nova York (Nyse), a maior do mundo. Um índice de gestão ativa que acompanha 75 dos cerca de 250 títulos do tipo hoje no mercado.

A chegada do ETF pode marcar uma nova Era em um nicho pequeno, mas que ganha cada vez mais fôlego. O mercado de cat bonds é avaliado em cerca de US$ 50 bilhões globalmente, com um crescimento anual de quase US$ 10 bilhões e a expectativa de que cada vez mais títulos cheguem ao mercado.

Hoje, a estimativa é que cerca de 80% do mercado de cat bons se concentre nos Estados Unidos, mas outras regiões do mundo começam a ganhar espaço nas emissões — como o Japão e parte da Europa.

Catástrofes climáticas em crescimento

Os incêndios na Califórnia e furacões na Flórida estão longe de serem os únicos desastres naturais recentes. No Brasil, as fortes chuvas que atingiram o Rio Grande do Sul em 2024 são um exemplo.

Marcela Ungaretti, chefe de ESG do research da XP Investimentos, explica que a expansão do mercado de cat bonds está sendo impulsionado pela maior preocupação com relação às mudanças climáticas e o aumento dos eventos extremos — que passaram de cerca de 100 na década de 1971 para aproximadamente 400 eventos anuais nos últimos 20 anos. Um levantamento da XP Investimentos mostra que o setor de seguros e resseguros deve ser um dos mais afetados pelo descontrole da crise climática.

Secas, inundações, furacões, ondas de calor, quebras de safras devido ao clima imprevisível… As oportunidades para as seguradoras se multiplicam. Os possíveis custos, também.

Luiza Aguiar, analista de ESG da XP Investimento, aponta que, pelo menos nos Estados Unidos, o aumento da frequência e da intensidade dos eventos climáticos extremos já faz com que muitas seguradoras se recusem a trabalhar em regiões de alto risco ou cobram preços altíssimos pela proteção. Nesses casos, Aguiar aponta que os cat bonds podem ser um mecanismo interessante para balancear o risco — e os preços.

“À medida que o cenário se torna mais alarmante, percebemos um maior senso de urgência, tanto por parte das empresas quanto do mercado como um todo”, aponta Ungaretti. “Os eventos recentes deixaram evidente a magnitude dos impactos — não apenas no Brasil, mas também no exterior. Fica cada vez mais claro que esses efeitos já estão sendo sentidos em grande escala. Com o aumento da temperatura e das emissões de gases de efeito estufa, esse cenário tende a se agravar no futuro, elevando os riscos e, consequentemente, ampliando o interesse dos investidores por instrumentos como esse”.

Na avaliação das analistas da XP, cat bonds aliam o contexto macroeconômico a estratégias de investimento, mas devem ser instrumentos utilizados principalmente por investidores mais sofisticados.

ETF: um aliado ou um problema?

José Maria Correia da Silva, coordenador de alocação e inteligência da Avenue, aponta que o lançamento do ETF deve alavancar o interesse de investidores e também possibilita uma maior diversificação de risco para os interessados em investir no segmento — já que ao invés de apostar as fichas em um único tipo de apólice, será possível comprar uma “cesta” de 75 títulos.

Se esse interesse, no entanto, for maior do que o ritmo de crescimento das emissões, pode acabar se tornando um problema. “Se o mercado decide comprar US$ 5 bilhões, é 10% do total. Com essa força compradora, você acaba mandando os preços para baixo. Por um lado pode gerar problemas de liquidez no ETF, mas por outro pode ajudar os ‘cat bonds’ a crescerem como um todo e fazer com que seja mais barato para as seguradoras acessarem essas estruturas e, consequentemente, aumentar a liquidez do mercado”, explica o especialista.

Os gestores do ETF, no entanto, não possuem sonhos tão grandes. A expectativa é que o ativo atraia cerca de US$ 15 milhões com a sua estreia.

No comparativo com outros títulos de renda fixa, os cat bonds costumam ter uma nota de crédito BB, um risco relativamente baixo. Silva, no entanto, alerta que o risco do investimento não está na habilidade de pagamento da emissora e sim na possibilidade de se perder o capital investido em caso de catástrofe.

“É um perfil de risco com potencial de alto retorno. Em outras palavras, significa estar disposto a assumir o risco de perder todo o capital em troca da possibilidade de receber uma taxa de juros elevada”, explica.

O coordenador da Avenue aponta também que um investidor que esteja interessado em adquirir cat bonds deve ter em mente que não está investindo para se proteger de catástrofes — muito pelo contrário.

Apesar de serem categorizados como ativos de renda fixa, a Avenue recomenda que, caso exista interesse em adicionar cat bonds ao portfólio, utilize como regra de alocação a mesma estabelecida para ativos alternativos.

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