“O Brasil é o País em Que Crescemos Mais Depressa”, Diz CEO do Strava

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A base naval de Île Longue (literalmente “Ilha Comprida”) ao lado do porto de Brest, na Bretanha, é a mais secreta das instalações militares francesas. Há bons motivos para isso. Lá é o ancoradouro dos quatro submarinos atômicos de última geração. Cada um deles carrega 16 mísseis nucleares M45. São artefatos capazes de atingir com precisão alvos a 6 mil quilômetros de distância e com um potencial destrutivo centenas de vezes maior que o da bomba que destruiu Hiroshima em 1945.

Não por acaso, é difícil entrar em Île Longue. Os 2 mil militares e civis que lá trabalham têm de passar por mecanismos sofisticados de identificação e biometria, e precisam deixar os celulares na entrada. Porém, até o início deste ano, a proibição não incluía os relógios inteligentes, especialmente os que têm instalado o aplicativo da plataforma Strava. Em janeiro, ao compartilhar seus dados de atividades físicas, os militares inadvertidamente colocaram na rede informações secretas sobre a localização dos submarinos e as atividades da base.

O caso, apelidado “Stravagate” pela imprensa francesa, mostrou como a empresa lançada em 2009 por dois colegas da equipe de remo da universidade Harvard, Michael Horvath e Mark Gainey. A ideia dos fundadores era recuperar o espírito dos tempos de faculdade, quando o desempenho individual era estimulado pela equipe. Nascido nos Estados Unidos, mas tendo passado a infância na Suécia, Horvath denominou seu aplicativo Strava, tradução sueca do inglês “strive” ou “empenhar-se”. “O Strava trata de motivar pessoas”, diz Michael Martin, CEO global. Ele falou com a Forbes na quarta-feira (19) em sua primeira visita ao Brasil.

Forbes – Qual a relevância do Brasil para o Strava?

Michael Martin – Enorme. O Brasil é o segundo maior pais em número de usuários. São 21 milhões de pessoas usando nosso aplicativo. Essa participação só perde para a dos americanos. Mas também é um dos nossos mercados de crescimento mais rápido, o que é fascinante para mim. Um em cada dez brasileiros está no Strava. E, sendo um mercado tão importante e de crescimento tão acelerado, foi essencial para mim vir e vivenciá-lo pessoalmente. O Strava tem um escritório aqui, em São Paulo, há mais de cinco anos, e nossa CEO local, a Rosana Fortes, tem feito um trabalho incrível. Eu tinha de ver isso.

O que diferencia os usuários brasileiros do Strava dos demais?

O Strava é um produto muito único no mercado. Existem muitos aplicativos que buscam acompanhar sua atividade física. Também existem muitas redes sociais. Mas o Strava é mais do que isso. Uma rede social é algo projetado para manter as pessoas presas à plataforma pelo maior tempo possível. Nossa missão e nossa motivação são o oposto: queremos que você saia e se movimente. A conexão social da comunidade, ter o maior time do mundo te apoiando, ajuda a motivar as pessoas a se tornarem mais ativas. E, em vez de apenas registrar estatísticas, os dados que você obtém no Strava ajudam a entender sua evolução na saúde e como você pode melhorar. Isso é muito bem aceito no Brasil.

O que vocês notaram, especificamente?

Várias coisas. Até o fim de 2023 o ciclismo ainda era um dos esportes mais populares entre os usuários do Strava no Brasil. Mas, desde o início de 2024, a caminhada e a corrida aumentaram muito. Há um crescimento global, mas dois fatos sobre como os brasileiros correm chamaram a nossa atenção. Primeiro, o brasileiro é muito mais social ao correr. No ano passado, 56% dos usuários brasileiros da Geração Z que entraram no Strava disseram que o fizeram porque queriam fazer parte de uma comunidade fitness. E eles criaram clubes e grupos a uma taxa que nunca tínhamos visto antes. A criação de clubes cresceu 109% mais rápido em 2024, muito mais do que em qualquer outra parte do mundo. Além disso, os brasileiros são motivados a correr e a competir em uma escala que supera o resto do mundo. O crescimento no número de corredores brasileiros participando de maratonas no Strava no ano passado foi o dobro do que foi nos Estados Unidos.

O brasileiro não só gosta de correr, ele gosta de correr com outros brasileiros?

Sim, e gostam de correr distâncias longas e também gostam de desafios. Afinal, é preciso muito esforço para correr uma maratona. Eu corri minha primeira maratona no ano passado e sei que não é algo fácil de fazer. Então, é muito impressionante ver o Brasil abraçando isso em uma escala tão grande e com tanto entusiasmo.

Que recursos vocês têm para atender esse público?

Como todos, estamos atentos às capacidades da Inteligência Artificial (IA). Mas nossa abordagem é diferente. Não estamos tentando, por exemplo, colocar um chatbot no Strava só porque podemos usar modelos de linguagem avançados. O que me interessa na IA e no aprendizado de máquina é que eles realmente podem resolver problemas que antes pareciam impossíveis de solucionar. Para a IA ser realmente eficaz, é necessário um grande volume de dados, e o Strava é a maior fonte de dados sobre atividade física no mundo.

E o que vocês estão fazendo com a IA?

Estou animado para descobrir maneiras de usar a IA para ajudar em nossa missão, que é motivar as pessoas. No ano passado, lançamos um recurso chamado “Athlete Intelligence”, que analisa seus dados mais recentes de atividades físicas. Isso resolve um problema real: pessoas que estão começando no mundo do fitness podem ter dificuldade em entender os dados registrados. São muitos gráficos e estatísticas, e fica difícil saber se estão indo bem ou o que devem fazer a seguir.

Como funciona?

O Athlete Intelligence pega essas informações e responde aos usuários de uma maneira muito simples e incentivadora, ajudando-os a entender: veja, foi isso que você fez. Isso foi o que você conquistou, e aqui está o que você pode fazer a seguir. Vou dar um exemplo. Fiz uma corrida nesta manhã no Rio de Janeiro. Entre os participantes estava o incrível triatleta brasileiro Thiago Vinhal. Ele foi o primeiro triatleta negro a competir na categoria profissional do Mundial de Ironman. Depois de correr, fui analisar os dados. O Athlete Intelligence me informou que eu comecei muito bem. Mas quando o Thiago começou a acelerar, eu tentei acompanhar.

E você percebeu que não foi uma boa ideia?

Digamos assim, o Athlete Intelligence ficou muito impressionado com o que consegui fazer por um curto período, até que Thiago simplesmente disparou e continuou indo (risos). Mas tudo bem. Foi ótimo ter mais do que apenas os dados. Foi incrível ter essa perspectiva sobre o que eu havia conseguido. Durante aquele tempinho em que consegui acompanhá-lo um pouco, bati alguns recordes pessoais, e isso é incrível.

Além do Brasil, quais os outros países mais promissores?

Estamos em 190 países. Não divulgamos o número de usuários por país, mas os Estados Unidos são o nosso maior mercado. O interessante é que o número de usuários no resto do mundo é consideravelmente maior do que nos Estados Unidos. O Brasil não é apenas o segundo maior mercado, mas um dos países de crescimento mais rápido. Outro país com crescimento rápido é a Indonésia. Estamos observando que o fitness e as atividades físicas estão se expandindo na Ásia, em especial no Sudeste Asiático. Eu espero que isso continue fortemente por décadas.

Por esses países serem parecidos com o Brasil, onde o clima permite mais atividades ao ar livre?

Também, mas acredito que há outros motivos. Eu gosto de traçar um paralelo com a ascensão do fitness nos Estados Unidos na década de 1970. Bill Bowerman, cofundador da Nike, escreveu um livro sobre jogging e mudou a mentalidade. Antes disso, as pessoas pensavam que só havia dois caminhos possíveis: ou você era um atleta e participava de competições, ou você não fazia nada. O jogging, a aeróbica e outras atividades deixaram duas coisas claras. Primeiro, que ser ativo e ficar em forma é importante. Segundo, que é possível fazer isso sem precisar ser melhor que os outros. Claro, algumas pessoas sempre serão competitivas, e nós apoiamos isso também. Essa ascensão do fitness nos Estados Unidos e na Europa impulsionou o incrível crescimento de empresas como a Nike e outras naquela época. Sinto que estamos vendo esse crescimento acontecer agora em países como o Brasil.

Falando um pouco do negócio. Vocês são uma empresa de capital fechado e não divulgam números. Após seu lançamento, o Strava passou alguns anos sem dar lucro. Vocês são lucrativos atualmente?

Sim, o Strava é um negócio incrível. Já é a maior comunidade fitness do mundo. E, mesmo com esse tamanho, o Strava cresceu mais rápido no ano passado do que em toda a sua história de 15 anos. Estamos crescendo mais depressa do que no auge da pandemia, que foi quando demos nosso grande salto. O Strava tem sido consistentemente lucrativo há mais de quatro anos. E os números são particularmente impressionantes.

Qual a principal fonte de receita?

Cerca de 90% do nosso faturamento vem das assinaturas. A assinatura existe para ajudar nossos usuários a alcançar seus objetivos. Com as assinaturas é possível obter mais recursos, mais ferramentas, mais análises e mais orientações.

E os 10% restantes?

A outra parte do nosso negócio é o que chamamos de negócios patrocinados. É uma forma de publicidade. As marcas vêm até o Strava e patrocinam desafios. E quando você participa desses desafios, a comunidade adora isso. É uma maneira divertida de interagir com uma marca, em vez de apenas assistir a um anúncio em vídeo ou algo assim. Porque os desafios motivam as pessoas a fazer algo incrível. E, às vezes, elas podem ganhar algo com isso.

Dê um exemplo de como isso funciona.

Nos Estados Unidos há uma rede de restaurantes mexicanos chamada Chipotle. Eles realizaram um desafio: se o cliente vencer o desafio de correr por uma estrada ou trilha mais vezes do que qualquer outra pessoa, você ganhava 52 refeições. Basicamente, uma refeição semanal no Chipotle por um ano. E eu conversei com o vencedor do desafio do Chipotle em San Francisco. Ele percorreu esse segmento 11 mil vezes.

Onze mil?

Sim, onze mil. E houve um fato interessante, que mostra o engajamento das comunidades. Algumas pessoas analisaram as regras do desafio do Chipotle e perceberam que, se houvesse um empate, todos os empatados venceriam o evento. Então, eles se organizaram para correr a mesma quantidade de vezes. Assim, muitas pessoas ganharam refeições gratuitas do Chipotle. Tanto que a rede mudou um pouco as regras na segunda edição.

Quantas pessoas vocês empregam?

Temos aproximadamente 430 funcionários. Nossa relação funcionário / cliente é excepcional. É por isso que nossa margem bruta está acima de 80%. Então, quando você observa esses fatores juntos — economia de melhor qualidade e o crescimento que estamos tendo agora — eu diria que o nosso futuro é muito, muito promissor.

O negócio do Strava está bem próximo de negócios como saúde e outros como vestuário esportivo. Como você vê isso? No futuro não tão distante, você vê expansão para outras atividades relacionadas ao fitness?

O Strava é um excelente produto e também é uma plataforma. Temos quase 200 mil desenvolvedores de dispositivos de fitness conectados e até indivíduos que acessam nossa API. Praticamente todo mundo da indústria de fitness está conectado com o Strava. Eu mencionei o Chipotle. Fazemos parcerias com muitas marcas e estamos próximos de empresas de tecnologia, como Apple, Garmin, Google e outras. Então, vejo muitas oportunidades para o Strava enquanto continuamos a crescer.

Vocês planejam abrir capital?

Não temos planos para isso neste momento.

Vocês acham que precisam abrir capital?

Não necessariamente, mas é ótimo estar em uma posição onde todas as opções estão disponíveis. Há dois dias eu estava conversando com um CEO aqui no Brasil. E ele me disse que há benefícios nos dois lados. Eu trabalhei muito em empresas abertas como Alphabet e Disney. E o rigor necessário quando você abre capital também pode melhorar seu negócio. Estou extremamente impressionado com onde o Strava está. Temos um nível sofisticado de gestão, mas também podemos melhorar. E isso torna empolgante pensar em ambas as possibilidades.

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