Suicídio: superar o tabu do silêncio

Na semana passada, este jornal informou que as mortes por suicídio chegam quase a duas por mês, em Brusque. A notícia levou-me a uma reflexão sobre esse tipo de morte que todos nós deveríamos encarar com naturalidade e compreensão. No entanto, ainda prevalece o preconceito que precisa ser completamente afastado.

Nós, ocidentais herdeiros da cultura judaico-cristã, vivemos dois milênios de história condenando o suicida ao fogo eterno. Para a lei judaica, não somos donos do nosso corpo nem da nossa alma, porque a vida pertence ao Deus todo-poderoso. Assim, não teríamos direito a morrer pelas nossas próprias mãos. Por isso, é comum dizer que judeu não comete suicídio. No entanto, contrariando os intérpretes da lei judaica, o Velho Testamento menciona, sim, casos de suicídio.

Com o mesmo fundamento e, por muitos séculos, a Igreja Católica também condenou o suicida, visto como um pecador da última hora contra o quinto mandamento da Lei de Deus (“Não matarás”). Foi um longo e tenebroso tempo de intolerância, durante o qual o corpo do suicida não entrava na igreja. No cemitério, era enterrado num canto isolado, sem as preces da religião.

Ainda hoje, a Igreja Católica encara o suicídio com restrição, ao considerá-lo um ato contrário à perpetuação da própria vida. O seu Catecismo de 1992 prescreve que somos apenas “os administradores e não os proprietários da vida que Deus nos confiou”. No entanto, a Igreja vem mudando a sua prática acerca das ações e dos dramas existenciais vivenciados pelo ser humano.

E reconhece que “perturbações psíquicas graves, a angústia ou o temor grave duma provação, dum sofrimento, da tortura, são circunstâncias que podem diminuir a responsabilidade do suicida”. Assim, o próprio Catecismo admite que não se deve perder a esperança de salvação de um suicida, porque “a Igreja ora pelas pessoas que atentaram contra a própria vida”.

Hoje, pelo que tenho testemunhado, a Igreja não pede atestado com a causa da morte para realizar a cerimônia fúnebre e rezar as últimas preces na intenção dos seus fiéis. Na prática, já não há mais discriminação religiosa em relação à pessoa que tira a própria vida. No entanto, não basta a mudança ocorrida na igreja. É preciso que o tabu do silêncio em torno do suicídio seja superado pelos familiares e por todos nós também. Afinal, quem tira a própria vida tem o seu motivo que, em muitos casos, a Psicologia pode explicar.

Precisamos entender que o suicídio é uma morte que sempre ocorreu e continuará ocorrendo como tantas outras. E que, em certos casos, poderia ter sido evitada com o nosso abraço fraternal e solidário. Na verdade, diante do inevitável, devemos aceitar essa morte como aceitamos as demais formas de desenlace da vida, a fim de romper essa tenebrosa cortina de silêncio que cobre a história da morte por suicídio.

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