Opinião | Anistia já!

Então agora a moda é defender anistia. Mas, curiosamente, essa defesa tem um viés bem seletivo. Se é para passar a borracha em crimes que estão claramente descritos no Código Penal — como tentativa de golpe de Estado (art. 359-M do Código Penal) — por que não discutir também a anistia para quem cometeu crimes menores, como furtar comida ou portar pequenas quantidades de drogas para consumo próprio? Ou será que a generosidade jurídica só vale para certos grupos ideológicos?

O sistema prisional brasileiro é um reflexo das desigualdades sociais do país. Com mais de 800 mil pessoas encarceradas, o Brasil tem a terceira maior população carcerária do mundo, e a maioria desses presos é pobre, negra e condenada por crimes não violentos. Enquanto isso, a superlotação dos presídios se torna cada vez mais insustentável. Celas projetadas para seis pessoas chegam a abrigar mais de 20, em condições precárias de higiene e segurança. Segundo o Conselho Nacional de Justiça (CNJ), mais de 40% das unidades prisionais não têm estrutura mínima para funcionamento. Em vez de ressocializar, o sistema empurra os detentos ainda mais para a marginalização.

Anistia para crimes de necessidade

Diante desse cenário, é fundamental que o Congresso Nacional adote medidas que reduzam a superlotação dos presídios e promovam justiça social. Uma dessas soluções é a anistia para presos pobres que cometeram crimes como furtar comida ou portar pequenas quantidades de drogas para uso próprio. Muitos desses casos são fruto da miséria e da falta de oportunidades, e não de uma escolha criminosa.

Dados do Fórum Brasileiro de Segurança Pública indicam que mais de 30% dos presos no Brasil foram condenados por crimes ligados ao tráfico de drogas. No entanto, boa parte deles são jovens negros e periféricos, presos com pequenas quantidades e enquadrados como traficantes por uma interpretação subjetiva da lei. A chamada “guerra às drogas” tem servido, na prática, para criminalizar a pobreza.

Uma justiça que pesa mais para uns do que para outros

Enquanto jovens pobres são presos por furtos pequenos, políticos e figuras públicas envolvidos em corrupção e lavagem de dinheiro frequentemente escapam de punições severas. Essa seletividade do sistema judiciário fortalece a percepção de que as leis favorecem os poderosos e reprimem os mais vulneráveis.

Muitos presos aguardam julgamento por meses ou anos, enquanto criminosos de colarinho branco conseguem liberdade rapidamente. Para garantir que a justiça funcione para todos, é preciso combater essa desigualdade e exigir reformas no sistema.

Caminhos para um futuro mais justo

Além da anistia para casos específicos, o Brasil precisa investir em políticas públicas que combatam as causas da criminalidade. Educação, capacitação profissional e acesso a serviços básicos, como saúde e moradia, são fundamentais para impedir que pessoas vulneráveis recorram ao crime por necessidade.

A reinserção social dos ex-detentos também deve ser uma prioridade. Muitos enfrentam dificuldades para conseguir emprego após cumprir pena, perpetuando o ciclo da criminalização. Programas de capacitação dentro dos presídios e incentivos para a contratação de egressos são estratégias eficazes para mudar essa realidade.

O que podemos aprender com outros países?

Países como Portugal e Noruega adotaram políticas de descriminalização de drogas e investimentos na reinserção social, reduzindo a criminalidade e a reincidência. Em Portugal, a descriminalização do uso de drogas desde 2001 levou a uma queda significativa em problemas como overdoses e infecções por HIV, além de diminuir a população carcerária.

O Brasil precisa aprender com essas experiências e adaptar soluções eficazes à sua realidade. A descriminalização do uso pessoal de drogas, associada a políticas de saúde pública, pode ser um caminho para aliviar o sistema prisional e combater o tráfico de forma mais eficiente.

Conclusão

O sistema carcerário brasileiro precisa de mudanças urgentes. A anistia para crimes menores é um passo importante, mas não pode ser a única medida. Investir em políticas sociais, garantir oportunidades para ex-detentos e tornar a justiça menos seletiva são ações essenciais para um país mais justo.

Enquanto nada for feito, continuaremos a prender pessoas pela fome e pela miséria, enquanto os verdadeiros criminosos permanecem impunes. A justiça deve ser para todos, sem distinção de cor, classe ou condição social. O momento de agir é agora.

Fontes: Código Penal (art. 359-M), Infopen (2023), Conselho Nacional de Justiça (CNJ), Fórum Brasileiro de Segurança Pública (2022), relatórios internacionais sobre descriminalização de drogas.

Marco Antônio André, advogado e ativista de Direitos Humanos

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