De volta à vida: enfermeiras de SC ajudam mulheres vítimas de abuso na busca por autonomia

“Em 23 anos de profissão, não há um só dia em que eu não tenha atendido ou conversado com mulheres em situação de vulnerabilidade”, essa foi uma das frases mais marcantes ditas por Laura Castillo, enfermeira do Departamento de Integração Assistencial que atua na área técnica de saúde da mulher e da criança da Prefeitura de Florianópolis.

Foto da enfermeira mostrando o DIU que aplica nas mulheres

Enfermeira como mulheres vítimas de violência voltam a ter autonomia após consultas — Foto: Ana Schoeller/ND

Hoje, além de enfermeira, ela capacita outras profissionais para inserir DIUs (Dispositivos Intrauterinos) em mulheres ou pessoas com útero em Florianópolis.

Em meio à conversa, que se desenrolava na Policlínica da Mulher e da Criança de Florianópolis, um dispositivo repousava sobre a mesa, estrategicamente posicionado.

Poucos minutos antes, uma mulher havia optado por este método contraceptivo, dando ênfase à sua presença naquele ambiente de decisões tão importantes.

Segundo Castillo, os métodos nunca são impostos. Os profissionais são instruídos a explicar às mulheres a porcentagem de proteção de cada método, seus prós e contras, permitindo que elas, de forma autônoma, decidam se desejam ou não optar pela inserção do DIU.

Só para se ter uma ideia, antes de 2016, quando os enfermeiros começaram a colocar DIUs em Florianópolis, cerca de 60 dispositivos eram colocados por ano. Atualmente a média é de 1200.

No entanto, é crucial lembrar que tanto médicos quanto médicas estão envolvidos na inserção do dispositivo, e que o atendimento é compartilhado nos Centros de Saúde, em um sistema de organização conhecido como equipe de saúde da família.

Essa equipe é multidisciplinar e engloba diversos profissionais capacitados para auxiliar a população nas mais variadas demandas em saúde.

De volta à vida: mulheres compartilham experiência

Castillo ainda compartilha uma experiência que a marcou profundamente. Segundo ela, uma paciente de apenas 16 anos foi atendida por ela, acompanhada de sua mãe. Após alguns meses da consulta, a jovem enviou um desenho no qual aparecia com algumas flores na cabeça.

“Ela me disse: ‘sou eu depois das nossas conversas. Descobri que estava em um relacionamento abusivo e agora posso florescer’. Depois disso, ela trouxe também a avó. Saber que estamos perpetuando esse cuidado é o que me move”, conta.

Se lambuze

Ao lado de fora do consultório, camisinhas ficam espalhadas lembrando as mulheres a importância de métodos que as protege não apenas contra gravidez, mas contra as ISTs (Infecções Sexualmente Transmissíveis).

Neste ponto, é crucial lembrar que, apesar do DIU poder oferecer uma eficácia de até 98%, ele não protege contra Infecções Sexualmente Transmissíveis (ISTs).

Além das camisinhas, é possível obter gratuitamente gel lubrificante nos Centros de Saúde da cidade.

Gel lubrificante é disponibilizado de graça em Florianópolis

Gel lubrificante é disponibilizado de graça em Florianópolis –  Foto: Ana Schoeller/ND

Métodos diferentes

Para a inserção do DIU, Laura desenvolveu um método singular e o compartilha com outras profissionais. Durante o procedimento, a mulher tem a liberdade de escolher a música que deseja ouvir e decidir se prefere utilizar ou não a perneira, aquele tradicional dispositivo conhecido pelas mulheres que auxilia em exames e procedimentos ginecológicos, proporcionando maior conforto e tranquilidade durante o processo.

“Queremos sempre deixar claro para a mulher que ela é dona do próprio corpo. Além de poder optar por não usar a perneira, depois de colocarmos o DIU, sempre entregamos um espelho para a mulher poder enxergar onde fica o fio do DIU, onde fica o seu clitóris, sua vagina, e assim ela vai adquirindo mais autonomia”, conta.

Pacientes podem escolher por usar ou não perneira — Foto: Ana Schoeller/ND

Para se ter uma ideia da importância do autoconhecimento, uma pesquisa feita em 2020 pelo Instituto OnePoll, nos Estados Unidos, mostrou que uma em cada quatro mulheres não sabe onde fica seu próprio clitóris.

Além da opção de não utilizar a perneira, nos consultórios, as enfermeiras também oferecem práticas integrativas para lidar com possíveis cólicas que surjam nos primeiros dias após a inserção do DIU de cobre, disponibilizado pelo SUS (Sistema Único de Saúde).

É importante reconhecer que cada corpo reage de maneira única ao dispositivo, e essas práticas visam proporcionar conforto e bem-estar personalizados para as pacientes.

“Hoje oferecemos desde chás em alguns locais até auriculoterapia e fitoterapia”, explica a enfermeira.

O Centro de Saúde onde ninguém chega

Ao lado de Laura, a enfermeira Eduarda Desconsi, do Centro de Saúde Agronômica, conta as experiências que já teve no Morro do Macaco, uma das comunidades mais vulneráveis de Florianópolis.

Para aproximar as mulheres e falar de saúde da mulher, o Centro de Saúde sobe, todos os sábados, o Morro e leva atendimento para o local.

As consultas são feitas em uma escola do município, também na região.

“Entendemos que é muito importante ampliarmos o acesso a esses serviços. Assim, diminuímos a gravidez na adolescência e fazemos com que as próprias mulheres se conheçam”, conta.

Segundo a profissional, a equipe do Centro de Saúde observou que quando visitam as mulheres em suas residências, as chances delas comparecerem às consultas aumentam significativamente.

 

Maca é levada e sala de aula vira consultório improvisado  - Reprodução/Arquivo Pessoal/ND

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Maca é levada e sala de aula vira consultório improvisado – Reprodução/Arquivo Pessoal/ND

Métodos contraceptivos são distribuídos  - Reprodução/Arquivo Pessoal/ND

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Métodos contraceptivos são distribuídos – Reprodução/Arquivo Pessoal/ND

Profissionais explicam sistema reprodutivo para mulheres - Reprodução/Arquivo Pessoal/ND

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Profissionais explicam sistema reprodutivo para mulheres – Reprodução/Arquivo Pessoal/ND

Consultório para atedimento - Reprodução/Arquivo Pessoal/ND

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Consultório para atedimento – Reprodução/Arquivo Pessoal/ND

Profissional conta que equipe de saúde da família vai até o Morro do Macaco levar atendimento para pacientes  - Reprodução/Arquivo Pessoal/ND

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Profissional conta que equipe de saúde da família vai até o Morro do Macaco levar atendimento para pacientes – Reprodução/Arquivo Pessoal/ND

Além de realizar a inserção de DIUs, os profissionais engajam em conversas com as mulheres sobre planejamento reprodutivo, prevenção de infecções sexualmente transmissíveis e estão disponíveis para esclarecer quaisquer dúvidas que possam surgir.

Essas interações não apenas fornecem informações cruciais, mas também promovem um ambiente de confiança e cuidado para com as necessidades individuais das mulheres.

Há ainda o trabalho de pintura da barriga de mulheres grávidas, o que, segundo a profissional, traz mais humanidade ao serviço e faz com que as mesmas sigam o pré-natal.

Conforme a OMS (Organização Mundial da Saúde), estima-se que o pré-natal de qualidade pode reduzir a mortalidade materna em até 87% e a mortalidade infantil em até 61%.

Essa redução ocorre devido ao acompanhamento regular da gestante, identificação precoce de complicações e condições de risco, tratamento adequado de problemas de saúde, orientação sobre cuidados durante a gestação, parto seguro e cuidados pós-natais tanto para a mãe quanto para o bebê.

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