Quando a Comida Vira Moda: Por Que Sua Próxima Roupa Pode Ser Feita de Milho, e Não de Petróleo

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A indústria da moda deu grandes passos para lidar com seu impacto ambiental, mas o foco da mídia tradicional tem sido, muitas vezes, a fast fashion, a fabricação de roupas e os direitos humanos. Enquanto campanhas sofisticadas promovem coleções conscientes e tons terrosos, o desafio menos conhecido é um problema com as fibras. A maioria das roupas ainda é feita de materiais sintéticos derivados de combustíveis fósseis ou de culturas intensivas, como o algodão. Nos últimos anos, o tecido básico não mudou muito.

Mas recentemente, a Pangaia, empresa de ciência de materiais que também é marca de moda, com sede em Londres, na Inglaterra, lançou sua linha de roupas esportivas plant-based mais avançada até agora: a coleção 365 Seamless Activewear. Ela marca a estreia comercial de um novo elastano de base biológica chamado regen Bio Max, uma inovação feita majoritariamente a partir de matérias-primas agrícolas, como milho industrial, desenvolvida pelos especialistas em fibras da Hyosung, um grande conglomerado sul-coreano.

Combinada ao Evo Nylon, um derivado da mamona, a linha recebe ainda o tratamento característico da marca com óleo de hortelã-pimenta, que ajuda a reduzir odores e a frequência de lavagens. A nova coleção mostra que a moda sustentável está amadurecendo não apenas em valores, mas também em engenharia.

Ainda assim, levou décadas para que esse tipo de material chegasse ao mercado. Mas por quê?

O tecido da moda não foi feito para mudar

Apesar da fama da moda por reinvenção, a cadeia de suprimentos do setor é notoriamente rígida. A maioria das roupas ainda depende de algodão convencional, poliéster e elastano, que são materiais baratos, escaláveis e amplamente disponíveis em redes de fabricação globais.

O poliéster, sozinho, representa mais de 50% da produção global de fibras. É verdade que é durável, mas é derivado do petróleo. O elastano tradicional (também conhecido como Spandex) também consome muita energia para ser produzido e não é biodegradável. Esses materiais permanecem nos aterros sanitários muito tempo depois que o ciclo de vida das roupas esportivas chega ao fim.

Já o algodão, embora natural, também não é uma solução mágica. É uma cultura que exige muita água, uso intensivo de produtos químicos e na maior parte dos países produtores da fibra ela ainda é cultivada no sistema tradicional. (nota da redação Brasil: são poucos os países com programas como  Algodão Brasileiro Responsável, ABR, destinado à certificação socioambiental da fibra)

Mais importante ainda: todos esses materiais estão profundamente enraizados na indústria e em todos os seus principais atores. Esse é o cenário no qual os materiais alternativos têm lutado para ganhar tração. Como muitos negócios jovens, inovações promissoras muitas vezes empacaram no cruzamento entre custo, consistência e escala. Muitas foram relegadas ao campo dos experimentos de moda ou de editoriais futuristas, sendo meramente campanhas de marketing para algumas marcas que tentavam disfarçar seu impacto ambiental.

O ponto de inflexão da inovação

Então, por que estamos vendo uma mudança agora? O ponto de virada talvez tenha menos a ver com avanços tecnológicos e mais com mudanças de mentalidade. À medida que os riscos climáticos se tornam mais urgentes e a fiscalização regulatória mais rigorosa, as marcas estão sob pressão para pensar além de um único produto ecológico e enfrentar seu impacto na cadeia produtiva. Os consumidores também estão fazendo perguntas mais inteligentes: não apenas onde uma peça foi feita, mas do que ela é feita e como.

“Estamos vendo uma mudança real no mercado. As marcas não estão mais buscando apenas alternativas ao couro, mas biomateriais que possam substituir os sintéticos de forma mais ampla. Com o destacando os danos dos microplásticos à nossa saúde, cresce a urgência por soluções melhores”, diz Patrick Baptista Pinto. Ele é integrante da lista Forbes Under 30 e cofundador da Really Clever, no Reino Unido, uma empresa que desenvolve biomateriais sustentáveis a partir de fungos e uma das primeiras no mundo a construir uma fábrica piloto.

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A Really Clever, no Reino Unido, desenvolve biomateriais sustentáveis a partir de fungos

A demanda vinda de consumidores e marcas é uma coisa, mas talvez a mudança mais crucial seja que os inovadores de materiais finalmente estão entregando funcionalidade sem comprometer o desempenho. Eles têm a mesma aparência, toque e performance dos materiais tradicionais não apenas para o consumidor, mas também do ponto de vista comercial.

“Com a conclusão de nossa fábrica piloto no início deste ano, alcançamos os principais padrões da indústria e atingimos a paridade de preços com os sintéticos em categorias selecionadas de produtos”, afirma Baptista Pinto. “Isso nos coloca em uma posição forte para impulsionar mudanças sistêmicas em toda a indústria de materiais.”

Pangaia: uma marca construída com base em materiais

A força da Pangaia está em seu modelo focado em pesquisa e desenvolvimento. Não é uma marca de moda brincando de sustentabilidade — está posicionada como uma empresa de ciência de materiais com um braço na moda. Ao trabalhar diretamente com fabricantes de fibras, ela traz mais rigor científico para um espaço frequentemente superficial.

Seu modelo também é claro: desenvolver materiais inovadores, validar seu desempenho e impacto ambiental e, então, lançá-los no mercado em formatos vestíveis e com design. Embora algumas vozes da indústria argumentem que a narrativa da Pangaia beira o marketing envernizado, essa abordagem conquistou seguidores fiéis e posicionou a marca como uma liderança discreta na inovação têxtil.

O que diferencia essa nova coleção é como ela combina de forma fluida (trocadilho intencional) desempenho e sustentabilidade, sem escorregar para os clichês da “moda ecológica”. Nada de silhuetas pesadas em cânhamo. Nada de greenwashing culpabilizador. Apenas roupas esportivas bem projetadas que eles dizem provar serem melhores para o planeta.

Devagar, o mercado tradicional está começando a acompanhar

A Pangaia pode estar liderando o movimento, mas não está sozinha. Materiais alternativos estão aparecendo em todo o cenário de consumo.

Stella McCartney foi pioneira no couro de micélio, estreando bolsas feitas de Mylo, derivado de cogumelos. A Ganni, com sede em Copenhagen, na Dinamarca, já experimentou couro de uva e até mesmo a Hermès testou discretamente materiais cultivados em laboratório. A participação dessas marcas prova que inovação não é somente para os disruptores.

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Stella McCartney lançou a primeira bolsa de luxo do mundo feita de Mylo

No setor calçadista, marcas como a Vivobarefoot, também com sede em Londres e produção em  Portugal e Vietnã, introduziram uma linha de materiais “sobrenaturais”, como microalgas, fibras de banana e resíduos de conchas do mar. Os trajes de neoprene de base biológica da Patagonia, com sede na Califórnia (EUA), e o jeans com mistura de cânhamo da Levi’s, também sinalizam mudanças importantes nas categorias de performance e tradição.

Esses exemplos mostram que a ideia de “materiais alternativos” está deixando de ser algo de nicho para se tornar fundamental na cadeia produtiva.

Na moda, ainda não chegamos lá

Apesar do potencial, a adoção ainda está longe de ser ampla. A maioria dos materiais alternativos representa menos de 1% do mercado. Os custos ainda são altos e as certificações, inconsistentes. No fim das contas, qualquer escala significativa exige o comprometimento dos maiores players e não apenas das startups disruptivas e das marcas independentes com consciência ambiental.

Há também um problema de imagem. Muitos consumidores ainda associam “à base de plantas” a baixo desempenho ou texturas ásperas. Há um trabalho a ser feito na reestruturação da marca desses materiais e em posicioná-los como melhorias e não como concessões.

É aí que entra a narrativa. Marcas como a Pangaia estão ajudando a reescrever essa história não simplificando a ciência, mas tornando-a vestível, desejável e emocionalmente impactante. Elas mostraram que não é preciso escolher entre funcionalidade e ética, ou entre aparência e impacto positivo.

A próxima revolução dos materiais

Se quisermos que a moda se torne realmente sustentável, precisamos de mais do que poliéster reciclado e algodão orgânico nas prateleiras. É preciso reinventar as próprias fibras das quais passamos a depender.

Essa reinvenção finalmente começou, mas não será rápida. Ela exige investimento de longo prazo, colaboração em toda a cadeia e disposição para repensar o que é “normal” na moda. As marcas precisam apoiar a inovação e também educar suas comunidades sobre por que isso importa. Investidores precisam apoiar marcas que estão fazendo sua parte para promover uma mudança sistêmica.

Consumidores (e as comunidades que constroem) têm mais poder do que imaginam. Cada compra é um voto para o tipo de futuro que queremos vestir. Cada voz nas redes sociais amplia o que realmente importa.

O novo lançamento da Pangaia não é apenas mais uma coleção, ele é um sinal. Um sinal de que a inovação em materiais amadureceu e que as alternativas vieram para ficar. Um sinal de que o próprio tecido da moda pode, finalmente, estar pronto para mudar.

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