
Eu sei que é polêmico, mas o tema da coluna de hoje não é caça-cliques. Muito pelo contrário. É um tema que eu mesma relutei em tratar — até para não invadir o território do meu amigo Fred Perillo. Mas sinto o dever, como mulher que sou, de dizer: o mundo, ou pelo menos uma parte barulhenta dele, ainda não está preparado para uma primeira-dama como a Janja.
Não é difícil entender o motivo. Janja é uma mulher com trajetória própria, com opinião, com causas. Ela se destaca ao lado do marido não apenas por estar lá — mas por fazer. Participou das primeiras horas do novo governo, esteve presente em momentos críticos, empresta sua visibilidade a campanhas sociais, fala de sustentabilidade, cultura, direitos das mulheres.
Em vez de silenciar, ela fala. E isso incomoda.
A consequência está nos números. Em março de 2025, uma pesquisa da Folha mostrou que 50% dos brasileiros que conhecem Janja desaprovam sua atuação como primeira-dama. Apenas 29% aprovam. Em outubro de 2024, esse número era de 30% — ou seja, a curva é de queda. Em outra sondagem, da Atlas Intel, 58% tinham imagem negativa de Janja no início deste ano. E esse dado diz menos sobre ela — e mais sobre as lentes com que mulheres em espaços de poder ainda são vistas.
É claro que, ao longo do mandato, Janja protagonizou episódios polêmicos. Esteve no G20 da Índia em 2023, participando de reuniões que tradicionalmente não têm presença de primeiras-damas. Em 2024, virou notícia ao se manifestar sobre Elon Musk, e a polêmica mais recente foi há poucos dias, durante um jantar com Xi Jinping, quando comentou o uso nocivo do TikTok. São episódios que alimentam o noticiário — mas que, se fossem protagonizados por um homem com cargo técnico, talvez fossem tratados como “coragem diplomática” ou “assertividade estratégica”.
O que se cobra de Janja é o que, por décadas, se esperou de todas as primeiras-damas: discrição, doçura, silêncio. Janja não se encaixa nesse molde. E por isso mesmo tem enfrentado uma reação desproporcional — quase sempre revestida de um moralismo seletivo.
Claro que toda figura pública está sujeita à crítica. Mas é preciso separar o que é crítica legítima daquilo que é puro incômodo com o fato de uma mulher ocupar espaço, ter voz, aparecer ao lado (e não atrás) do presidente da República.
Não, Janja não é perfeita. Mas tampouco é a caricatura em que parte da opinião pública tenta encaixá-la. Seu erro, se é que existe, talvez seja o mesmo de tantas mulheres que ousam não seguir o script: ter opinião demais, presença demais, influência demais — para os padrões de um país que ainda não resolveu seu incômodo com o protagonismo feminino.
E isso, sinceramente, diz muito mais sobre nós do que sobre ela.