Ramiro Delcastanher escreve artigo sobre os desafios do novo Papa Leão XIV diante do histórico de escândalos financeiros do Vaticano.

O anúncio da fumaça branca no topo da Capela Sistina marca não apenas a chegada de um novo pontífice, mas também reacende antigos temores: conseguirá Leão XIV, sucessor de Francisco, manter o legado de reformas e transparência na Santa Sé?
Um dos grandes problemas que rodeiam o Vaticano não é de ordem religiosa ou política, mas jurídica. Isso porque o Istituto per le Opere di Religione (IOR), conhecido como o Banco do Vaticano, há décadas é sinônimo de sigilo, corrupção e má gestão – com envolvimento direto da Cosa Nostra (máfia italiana). O histórico da instituição desafia os mais mirabolantes filmes hollywoodianos, envolvendo o colapso do Banco Ambrosiano, em 1982, e o assassinato por envenenamento de Michele Sindona (conselheiro fiscal do Vaticano).
A situação complexa em que está inserido o Banco do Vaticano tem como principais motivadores a ausência de uma legislação concreta para prevenção de delitos como a lavagem de dinheiro e de organizações criminosas. No Brasil, por exemplo, o delito de Lavagem de Dinheiro está previsto na Lei 9.613/1998, prevendo penas de três a dez anos para o crime.
A referida lei foi fundamental no combate aos delitos econômicos e organizações criminosas por instituir o Conselho de Controle de Atividades Financeiras (COAF), órgão responsável por fiscalizar operações financeiras suspeitas. O COAF também é responsável por receber informações diretas de empresas potencialmente sensíveis ao delito, como: corretores de imóveis, lojas de joias, bancos privados e fintechs, todos com obrigação legal de fornecer tais comunicações. Apesar da importância do órgão, há críticas à sua atuação pelo suposto compartilhamento de informações sensíveis sem autorização judicial que podem culminar em investigações de cunho criminal.
Mesmo com as críticas, a legislação brasileira ainda possui maior estrutura que a do Estado Papal. Contudo, para corrigir esta falta de controle, o Papa Francisco implementou uma série de reformas estruturais como a suspensão do sigilo bancário, o fechamento de cerca de 5.000 contas suspeitas, o fortalecimento do órgão de controle financeiro, a adoção de um Código de Contratos Públicos e a realização de auditorias externas independentes. Tais reformas foram fundamentais para retirar o Vaticano da lista de paraísos fiscais.
Assim, o Papa Leão XIV é ponto central para prevenção de crimes financeiros e braço forte para evitar que o Banco continue sendo alvo de escândalos, tudo enquanto enfrenta a resistência interna às mudanças. Só resta rezar para que o novo Papa não faça com que as reformas implementadas por Francisco se tornem fumaça.
Ramiro Delcastanher é advogado criminalista.