
Recentemente, as manchetes brasileiras foram tomadas por um único assunto: o lançamento, no sábado (26), da música “Borderline”, de Maraísa, da dupla Maiara & Maraísa. Ao g1, a assessoria das cantoras informou que não irá se pronunciar sobre o caso e que não há confirmação se a canção será oficialmente lançada.
No entanto, a psicofobia se fez presente — na letra, no cotidiano e na vida de quem é diagnosticado com transtornos mentais e se torna alvo de piadas em todas as redes sociais. Naturalizou-se o “recreio do CAPS”, medicou-se quem não precisava, e, mais uma vez, quem sofre é justamente quem precisa de um tratamento contínuo e humanizado.
Na letra, a música afirma: “Nem preciso de CRM [Conselho Regional de Medicina] pra diagnosticar essa loucura que cê tá vivendo / Fiquei sabendo que ele namorou outras pessoas / Pra cada uma ele foi um personagem / E esse perfil se encaixa numa personalidade borderline.”
Logo depois, um verso faz alusão às oscilações emocionais: “Você não precisa ficar se envolvendo / Com anjo e demônio ao mesmo tempo”, diz o refrão.
O vídeo chegou a ser publicado no perfil de Maraísa no sábado (26), mas acabou sendo deletado no domingo (27), depois que a repercussão nas redes sociais ganhou força. “Eu era muito fã, mas depois da música Borderline, sinceramente, não faz mais sentido”, escreveu uma jovem em um dos comentários.
“Músicas como essa atrasam diagnósticos e atrapalham tratamentos. Compartilhe esse vídeo para que ele@chegue em familiares e pessoas com o transtorno de personalidade #borderline ISSO É UTILIDADE PUBLICA”, descreveu em seu instagram a psicóloga Fernanda Landeiro.
“Falar de transtorno borderline não é brincadeira, não é só se encaixar em características aleatórias. É uma condição série que exige diagnóstico responsável, muito mais do que opinião pessoal”, escreveu o médico Fabio Schmidt em seu perfil no Instagram.
E reiterou. “Borderline não é falta de amor, é medo de perder”.
Nos comentários, uma seguidora desabafa.

À Veja Saúde, o psiquiatra Antonio Egídio Nardi, professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), explicou que o transtorno de personalidade borderline tem origem no próprio desenvolvimento do indivíduo — ou seja, a pessoa já nasce com essa predisposição. No entanto, os sintomas costumam se manifestar de forma mais clara durante a adolescência ou no início da vida adulta.
Embora as causas exatas ainda não sejam totalmente conhecidas, especialistas apontam que o transtorno pode surgir a partir de uma interação entre fatores genéticos e experiências vividas ao longo da infância e adolescência.
O que é o transtorno de personalidade borderline – e por que é possível, sim, ter um relacionamento saudável
O transtorno de personalidade borderline (TPB) é uma condição de saúde mental caracterizada por um padrão persistente de instabilidade nas relações interpessoais, na autoimagem e nos afetos, além de impulsividade acentuada. De acordo com o Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais (DSM-5-TR), indivíduos com TPB podem apresentar esforços extremos para evitar abandono real ou imaginado, oscilações emocionais intensas, episódios de raiva inadequada e uma sensação crônica de vazio.
Entre os critérios diagnósticos estão:
- medo intenso de rejeição ou abandono,
- relacionamentos instáveis marcados por idealização e desvalorização,
- impulsividade (como gastos excessivos, sexo sem proteção, uso de substâncias),
- comportamentos autolesivos ou suicidas,
- alterações bruscas de humor,
- e dificuldades com a identidade e autoimagem.
O transtorno afeta cerca de 1,6% da população geral, segundo a American Psychiatric Association, embora estudos indiquem que esse número pode ser ainda maior em determinados contextos clínicos. A Organização Mundial da Saúde (OMS) reconhece o impacto do TPB na qualidade de vida, mas também ressalta que com tratamento adequado, é possível levar uma vida funcional e desenvolver vínculos estáveis.
Relacionamentos são possíveis — e podem ser saudáveis
Existe um mito comum de que pessoas com TPB são “difíceis demais para amar”. Essa ideia é estigmatizante e não corresponde à realidade clínica. Pessoas com borderline têm emoções intensas e sofrem com padrões de apego disfuncionais, mas isso não as torna incapazes de se relacionar. Na verdade, com diagnóstico precoce, psicoterapia (como a Terapia Comportamental Dialética – DBT) e, em alguns casos, o uso de medicação, é possível construir vínculos afetivos estáveis, respeitosos e saudáveis.
Psicólogos e psiquiatras especializados na área reforçam que o apoio do parceiro, aliado a um tratamento contínuo, pode ser decisivo na melhora dos sintomas. Relacionamentos saudáveis exigem autoconhecimento, limites claros, escuta ativa e empatia — elementos que, quando trabalhados com ajuda profissional, estão ao alcance também de quem vive com TPB.
*Psicofobia é o preconceito contra as pessoas que têm transtornos e deficiências mentais.