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Neste mês de abril, a maioridade chegou para o projeto da farmacêutica e bioquímica Vanessa Vilela, 47 anos, que há 18 começou a construir a Kapeh. Como o próprio nome sugere, tem grãos na jogada: ela usa o café para produzir cosméticos. A longevidade no mercado é a mostra um modelo de negócios que combina o desejo da inovação, com sustentabilidade e protagonismo feminino em um dos setores mais competitivos da economia: a indústria cosmética. A proposta inédita que nasceu no sul de Minas Gerais, lá atrás, era transformar o café certificado da fazenda tocada pela família em matéria-prima para uma linha de cosméticos. Hoje, está na agenda a expansão nacional e o internacional do projeto.
“São 18 anos de muita pesquisa, desenvolvimento e resiliência em um mercado dominado por grandes grupos. O diferencial da Kapeh sempre foi oferecer algo autêntico, com raízes na cafeicultura e compromisso com a sustentabilidade”, afirma Vanessa. “A Kapeh é fruto de uma paixão pelo café, pela ciência e pelo empreendedorismo com propósito. Esses 18 anos são apenas o começo de uma jornada que ainda tem muito a conquistar.” Com a experiência, Vanessa diz quer acelerar, mas com calma e de preferência “apreciando uma xícara de café”.
O mercado brasileiro de cosméticos e cuidados pessoais está entre os maiores e mais dinâmicos do mundo. Em 2024, o setor movimentou cerca de US$ 33,14 bilhões (R$ 188 bilhões na cotação atual), com projeção de alcançar US$ 44,03 bilhões (R$ 252 bilhões) até 2029, o que significa uma taxa de crescimento anual composta (CAGR) de 5,85%, segundo a Mordor Intelligence. O país ocupa a quarta posição global, atrás apenas dos Estados Unidos, China e Japão. O desempenho local é impulsionado por diversos fatores, como a valorização do autocuidado, a busca por produtos naturais e sustentáveis, e a crescente digitalização do varejo.
Na história de Vanessa, o que começou como uma pesquisa pioneira sobre as propriedades do café verde resultou em uma operação que integra cerca de 150 produtos cosméticos, nos quais ela já investiu R$ 1,2 milhão em pesquisas, franquias em 10 estados e um modelo de negócios que une a experiência de uma cafeteria à venda de cosméticos em uma mesma loja.

Fazenda onde a Kapeh escolhe os grãos que vão para cosmético
A história da fazenda Rancho Fundo, no sul de Minas Gerais, é uma epopeia que atravessa mais de dois séculos e seis gerações dedicadas ao cultivo do café. O início foi no século 19, com Antonio Luis Azevedo, o 2º Barão do Pontal, quando a produção seguia o modelo extrativista, aproveitando apenas a fertilidade natural das terras montanhosas, sem o uso de insumos ou técnicas agrícolas.
Esse padrão foi mantido pelas gerações seguintes, lideradas por Francisco Evangelista de Araújo, o Vovô Chiquinho, e depois por seu sucessor homônimo, Francisco Evangelista de Araújo (Chico), até meados do século 20. A modernização começou na quarta geração, com Antonio Azevedo Araújo, que introduziu a adubação química e foi um dos fundadores da Cocatrel (Cooperativa dos Cafeicultores da Zona de Três Pontas), na região, que se tornaria uma das maiores do país. A partir desse momento, a produção começou a incorporar práticas agrícolas mais avançadas.
O processo se intensificou na quinta geração, sob comando de Arnaldo Santos Silva Araújo, com a mecanização das lavouras, o melhoramento genético das plantas e a expansão do cultivo para áreas de cerrado, ampliando a produtividade e a eficiência. Atualmente, na sexta geração, Juliano Mendonça Araújo, marido de Vanessa, conduz a fazenda Rancho Fundo em um modelo baseado em regras de sustentabilidade, certificações internacionais, agricultura de precisão e uso intensivo de tecnologia. A área atual é de 200 hectares, com produção média de produção média de 7.000 sacas por hectare-ano.
Foi a tradição e gosto pelo estudo levou Vanessa a um caminho de agregação de valor a um dos símbolos da economia brasileira. Ao identificar o alto teor de antioxidantes no grão cru, especialmente os ácidos clorogênicos, ela começou a fechar parcerias com universidades e institutos de pesquisa para desenvolver uma linha de cosméticos que explorasse integralmente os benefícios do café.
Não por acaso, nos cosméticos Vanessa inclui informações sobre safra, variedade e práticas sociais e ambientais. “Cada lote de cosmético conta a história de um café cultivado com responsabilidade, respeitando o meio ambiente e as pessoas envolvidas na cadeia produtiva”, diz ela.
Como ocorre na colheita de flores. Um dos projetos mais simbólicos da marca envolve um grupo de mulheres da fazenda, responsáveis pela colheita manual das flores do cafezal, um insumo precioso utilizado na linha de perfumes e produtos de ambiente.
A flor do café desabrocha apenas uma vez por ano e permanece aberta por no máximo 48 horas. Nesse curto intervalo, é preciso realizar uma colheita delicada de uma parte das flores do pé de café, um trabalho que exige precisão para não comprometer o desenvolvimento das demais flores não colhidas e que se transformarão em grãos. “Sempre foi um universo feminino. A delicadeza desse trabalho combinava com a paciência e o cuidado das mulheres da fazenda. Então, começamos”, diz Vanessa.
O projeto rendeu à Kapeh o Prêmio Nacional de Inovação em 2011, ao criar uma matéria-prima exclusiva e inédita no mercado global de cosméticos. “Exploramos o café em sua totalidade, desde o grão até a flor, sempre com respeito ao ciclo da natureza e à comunidade que faz parte dessa história”, afirma Vanessa. “Sempre acreditei que era possível fazer diferente, colocando propósito em cada etapa do negócio.” A Kapeh tem construído uma reputação nesse sentido. O programa “Retorne, Recicle e Receba”, por exemplo, incentiva a devolução de embalagens usadas. Vanessa também foi reconhecida pela ONU e pelo Fórum Econômico Mundial como uma das líderes globais de destaque.
O conceito de lojas que combinam cafeteria e cosméticos, criando uma experiência imersiva no universo do grão veio em 2016, com a inauguração do modelo. Hoje, ele é replicado em 13 unidades próprias e franqueadas, com previsão de atingir 20 operações nos próximos meses. A meta é ousada: chegar a 100 franquias até o final de 2026 e Vanessa concorda que o desafio não é pequeno, por causa da conjuntura macroeconômica, como a taxa de juros elevada que desestimula investimentos em novos negócios. Mas não é somente isso. Para Vanessa, o perfil empreendedor do franqueados é fundamental na adoção de estratégias omnichannel.
Para 2025, o crescimento do setor de franquias é estimado entre entre 8% e 10% no faturamento, de acordo com a Associação Brasileira de Franchising (ABF). No ano passado, o setor cravou uma receita de R$ 273,08 bilhões, com cosméticos em segundo lugar no volume negociado. O crescimento geral do setor de franquias foi 13,5%, superando a projeção inicial de 10% da entidade, desempenho vindo pela recuperação do consumo e aumento da massa salarial. Atualmente, há no Brasil cerca de 3.300 marcas franqueadas.
Nas lojas da Kapeh há cerca de 200 itens, incluindo cafés especiais, chocolates, produtos gourmet, mais a linha completa de cosméticos. O faturamento é dividido entre as duas frentes, com predominância do cultivo, mas com um crescimento constante dos cosmético à medida que a operação amadurece. Atualmente, o faturamento gerado pelo grupo da fazenda é de cerca de R$ 20 milhões e o os cosméticos, R$ 5 milhões, em 2024. “O café atrai o público, mas é o efeito dos nossos produtos na pele que fideliza o cliente”, diz Vanessa.
Expandir uma marca autoral em meio a gigantes da indústria cosmética exige mais do que inovação. O desafio passa pela rentabilidade das franquias, pela apresentação de um conceito ainda pouco difundido — o uso do café na cosmetologia — e pela construção de marca em regiões onde a Kapeh ainda é desconhecida. O investimento inicial para se tornar um franqueado varia de R$ 182 mil a R$ 500 mil, dependendo do formato (quiosque, loja de rua ou shopping), com retorno previsto entre 24 e 36 meses.

Projeto contempla loja de cosméticos e uma cafeteria
Vanessa destaca que o perfil ideal de franqueado é aquele com experiência em varejo e identificação com o propósito da marca. “Negócios não funcionam no piloto automático. É preciso paixão e dedicação diária para fazer a operação prosperar”, afirma.
Nas exportações, uma ambição em curso, a Kapeh já manda para fora do país de forma pontual, mas o objetivo é estruturar uma presença internacional consistente. Ela se inspira em histórias como a da francesa Caudalie, uma marca fundada em 1995 por Mathilde Thomas e seu marido Bertrand, que introduziu o conceito de vinoterapia utilizando compostos derivados da uva e da videira. Vanessa acredita que seu projeto pode levar a brasilidade do café para além das fronteiras, por meio de seus cosméticos de alto valor agregado. “Construímos uma base sólida, com inovação, sustentabilidade e uma história autêntica. Agora é hora de expandir e mostrar ao mundo o potencial do café além da xícara.”
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