O bolsonarismo resiste e ele está mais forte do que nunca dentro do Congresso Nacional. Mesmo com Jair Bolsonaro inelegível, os parlamentares que carregam seu nome, suas bandeiras e seu estilo continuam ditando o ritmo em Brasília. E o mais impressionante: foram eleitos democraticamente. A mesma democracia que hoje está sendo ameaçada por esse grupo é a que os colocou no poder.
É nessa contradição que o país caminha: estamos diante de um projeto de anistia para os envolvidos nos ataques golpistas de 8 de janeiro de 2023. A proposta já tem assinaturas suficientes para tramitar com urgência na Câmara. Ou seja, pode ser votada a qualquer momento. Mesmo sem passar por comissões. Mesmo atropelando o debate público.
Esse projeto quer perdoar não só quem invadiu os prédios dos Três Poderes, mas também quem financiou, incentivou ou ainda será julgado por participação direta ou indireta. É uma anistia ampla, geral e — pasme — até preventiva. Querem perdoar crimes que nem aconteceram ainda.
E a pergunta que não quer calar: como chegamos até aqui?
A resposta é simples e, ao mesmo tempo, assustadora. O bolsonarismo não precisa que Bolsonaro esteja no Palácio do Planalto. Ele sobrevive, se articula e avança por meio de seus representantes eleitos — muitos deles radicais, barulhentos e extremamente habilidosos em mobilizar opinião pública. Eles usam a democracia para enfraquecer a própria democracia. Legitimam no voto aquilo que, na prática, mina as instituições.
Mas, para além disso, há uma questão moral que precisa ser enfrentada. Muita gente tem medo de criticar com força esse movimento por causa do outro lado: o “lulismo”. E aí, vem o argumento de que “os dois lados são iguais”. Mas há uma diferença essencial: quando o PT perde uma eleição, lambe as feridas, reorganiza a base e volta a disputar dentro das regras do jogo. O bolsonarismo, ao perder, tentou um golpe. O que é crime.
Não se trata de gostar ou não do Lula, do PT, da esquerda ou da direita. Trata-se de reconhecer que há limites que uma democracia não pode tolerar serem ultrapassados. Invadir instituições, pedir intervenção militar e ameaçar ministros do Supremo não é “liberdade de expressão”. É ataque à ordem constitucional. E anistiar esse tipo de ação é abrir a porta para que tudo aconteça de novo.
Estamos diante de um teste. Um teste para o Congresso. Um teste para a sociedade. E um teste para a própria democracia. Quem ganha esse jogo não é quem grita mais alto, mas quem defende as regras — mesmo quando elas não favorecem o seu lado.
Marco Antônio André, advogado e ativista de Direitos Humanos