Se não for sob medida, eu não quero. Por Vivian Ritter

Vivian Ritter reflete sobre como os algoritmos moldam nossa experiência digital sob medida, filtrando conteúdos que reforçam nossas preferências e crenças.

Vivian Ritter escreve artigo sobre a era da personalização digital. Foto: Arquivo Pessoal

Estamos vivendo a era sob medida?

Os algoritmos prestam atenção e captam exatamente aquilo que serve sob medida para nós, aquilo que se encaixa “como uma luva” na nossa vida. Sim, isso mesmo! Você já reparou nisso? Se gosta de motos, receberás propagandas, reels, promoções e toda a sorte de produtos e assuntos relacionados ao tema que te atrai, ao tema que mais chama a sua atenção, afinal, até o tempo que permanecemos olhando para uma postagem informa que gostamos, que aquele tema é do nosso interesse.

A personalização gerada por algoritmos, no entanto, tem sua contrapartida e precisa receber a devida atenção especialmente no que toca à realidade, a vida fora do digital. Exatamente essa vida que não permite edição, não permite selecionar quem pode nos contatar, não permite silenciar, não permiti restringir, não permite bloquear, tampouco excluir. Embora, confesso, se possível fosse, talvez pensássemos em aderir a tais recursos para uso no cotidiano da vida, que nos demanda tremenda habilidade emocional, comportamental e social.

Com tudo isso, sinto que estamos mais propícios a comportamentos de intolerância ao diferente, intolerância a tudo aquilo que não vem sob medida. A dificuldade de lidar com a diversidade de opiniões e perspectivas pode ser um desdobramento desse mundo personalizado que mostra apenas o que confirma nossas crenças e opiniões.

É fato que gostamos quando é personalizado, desde como somos atendidos em um estabelecimento até nos nossos relacionamentos. E por falar em relacionamentos, parece que cada vez está mais difícil nos relacionarmos, parece que não serve, não se adapta, não se encaixa, não é nosso número, tudo fora de medida.

Talvez a vida digital feita sob medida para cada um de nós tem se tornado mais interessante, mais atraente e mais recompensadora do que a vida real que, muitas vezes, se apresenta dura, desmedida, desajustada e repleta de pessoas com as quais eu preciso conviver, sem ao menos ter tido a chance de decidir sobre o pedido de aproximação.

A experiência digital se encaixa perfeitamente, é feita sob medida. A vida real requer tentativas de encaixe, reparos, recortes e ajustes. E mais ajustes, e mais ajustes até que se ajuste ou nos ajustemos a essa busca desmedida pela nossa medida certa.


Profª Drª Vivian Ritter é especialista em Neurociência, Comportamento e Desempenho com pós-doutorado em Direito e Filosofia; Psicanalista; Professora de pós-graduação, há 20 anos desenvolve pessoas, lideranças e organizações.

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