Trinta anos depois, incêndio no Hospital de Caridade não sai da memória de Florianópolis

O poodle Feroz, cachorro da família Santos, dona de uma oficina na rua Menino Deus, não parava de latir na noite de 5 de abril de 1994. O mecânico Sandro dos Santos mandou o animal ficar quieto, mas não adiantou. Repentinamente, Sandro ouviu um estouro de vidro. Olhou pela janela do quarto e viu as chamas consumindo o Imperial Hospital de Caridade, o mais antigo de Florianópolis e do Estado.

Trinta anos depois, incêndio no Hospital de Caridade não sai da memória de Florianópolis – Foto: Leo Munhoz/ND

O incêndio destruiu 8.400 m² do edifício, 70% da estrutura, e trouxe um prejuízo estimado em 60 milhões de dólares. Morreram nove pacientes dos 184 internados naquela noite. Para se salvar, alguns pularam as janelas, mas logo os bombeiros e a comunidade envolvida no resgate desaconselharam tal atitude, pois era perigoso demais. A causa do incêndio nunca foi revelada.

A rua Menino Deus, onde fica a oficina da família Santos e o acesso ao Caridade, parecia um corredor de hospital a céu aberto, com pacientes aglomerados, filas de ambulâncias e caminhões dos bombeiros. Os pacientes sendo levados para outros hospitais, em especial o Nereu Ramos.

Chamas consumiram grande parte da estrutura do hospital; capela ficou intacta – Foto: Reprodução/O Estado/Flavio Tin/ND

Lá se vão 30 anos, mas quem viveu o episódio não esquece. Conforme o documentário “Memórias Marcadas – Incêndio no Hospital de Caridade”, projeto de conclusão de curso do jornalista Felipe Filipini, o fogo começou na ala São Camilo, usada como depósito de materiais e, em pouco tempo, atingiu o andar de cima.

A ala Senhor dos Passos tinha cerca de 40 pacientes em tratamento de radioterapia e seis corpos carbonizados foram retirados do local. Outro da ala Sagrado Coração de Jesus. Duas vítimas nunca foram localizadas. Rita Peruchi era enfermeira do Caridade desde 1990 e atuava na ala oncológica, onde a maioria das vítimas morreu. Atualmente, é a 1ª vice-provedora da Irmandade Senhor dos Passos, que administrou o hospital até 2021, antes de ser arrendado.

“Eu trabalhava de dia. Quando saía às 6h para trabalhar, o porteiro do prédio falou: ‘Rita, teu hospital pegou fogo’. Não acreditei, mas quando cheguei perto, vi tudo destruído e fiquei em choque”, lembra. “Foi muito triste, uma dor que não passa”, completa Rita.

Segundo ela, em poucos meses foi possível tirar o hospital das cinzas, com os quase 200 leitos funcionando, além de resgatar funcionários que estavam nos hospitais públicos trabalhando. “Tivemos ajuda de todos. O povo todo. Foi bonito e emocionante. Todo mundo tirava um troquinho para ajudar e conseguimos, com ajuda das pessoas e dos governos”, salienta. “Eu tinha muito amor pelos pacientes, perdê-los foi muito triste”, descreve.

Nove pacientes, dos 184 internados, morreram naquela noite – Foto: Reprodução

Uma noite do Hospital de Caridade que quem presenciou não esquece

Para Samuel dos Santos, o mais difícil foi ouvir as pessoas gritando, porque não conseguiam sair, e que ficaram carbonizadas. “Isso foi muito triste, algo que não consigo esquecer 30 anos depois. Marcou minha família e os moradores aqui. As pessoas gritando, pedindo ajuda e a gente sem poder fazer mais nada, porque o fogo se expandiu muito rápido”, lamenta o mecânico, que também ajudou a salvar muitas vidas.

O irmão dele, Sandro, ligou para os bombeiros logo que percebeu o incêndio. “Antes, mandaram uma viatura da polícia, para ver se era verdade. Quando viram, chamaram os bombeiros”, lembra. “Uma fumaceira, fomos os primeiros a chegar. Lá em cima, um apavoro. Aí o pessoal do morro desceu para ajudar e tirar os pacientes. E o fogo consumindo. Onde tinha madeira foi pegando fogo”, recorda Sandro.

Sandro viu a oficina virar uma extensão da igreja do hospital que, na visão de alguns, não foi atingida por milagre. “Retiraram todos os santos e ficaram aqui na oficina, exceto o Senhor dos Passos, que não entrou por ser muito grande e ficou numa casa aqui do lado. Mas como o pessoal queria ficar vindo aqui, os santos foram para o Sesc (Serviço Social do Comércio)”, conta.

“Nunca vi nada como isso. Não sai da memória. Muito triste. Pessoas morreram. Eu estava perto, mas não sabia como chegar, por causa do fogo”, comenta Sandro. Para ele, outro fato marcante foi a solidariedade. “Todo mundo ajudou, a turma do morro, os enfermeiros e os moradores.”

Conselheiro da Irmandade assistiu a tudo da sacada

Valter Brasil Konell, 79 anos, foi provedor do hospital nos anos 2000. Ele estava em casa na noite do incêndio. “Eu era membro da irmandade, mas não estava lá. Vi pela sacada do meu prédio”, lembra. Ele se espantou com o barulho de sirene e foi para a sacada.

“Moro na avenida Hercílio Luz, olhei pela sacada e vi que era o hospital queimando. Acompanhei pela TV, porque não tinha como ir lá. Depois, fui convidado para participar da diretoria e participei da reconstrução”, frisa.

“Fiquei com muita pena, um patrimônio desse, aquelas chamas enormes. Sabíamos que quase a totalidade do hospital estava sendo queimada”, ressalta Konell, que atualmente é membro do conselho consultivo e consultor da Irmandade Senhor dos Passos. Segundo ele, os recursos para a reconstrução eram escassos, mas aos poucos, setor por setor, foi possível reerguer tudo.

Mais antigo de Florianópolis e do Estado, o Imperial Hospital de Caridade se reergueu após trágico incêndio há 30 anos – Foto: hospital de caridade

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