O Brasil acima de tudo, Deus acima de todos

Familiar, né? Em 2018, essa frase virou mais do que um bordão. Foi a forma com que Jair Bolsonaro se apresentou ao país — e, mais que isso, foi como uma parte do eleitorado se reconheceu naquele momento político.

Frases como essa funcionam como atalhos emocionais. Elas condensam ideias complexas, sentimentos difusos, posicionamentos ideológicos e até promessas de campanha em poucas palavras. É a comunicação política na era das redes: rápida, direta e com forte carga simbólica.

O que chama atenção nesse caso não é só a construção da frase — é o que ela ativou nas redes. Virou bio de Instagram, virou bordão em vídeo de WhatsApp, virou legenda, camiseta, faixa em manifestação. Ganhou vida própria. E com isso, reforçou o vínculo entre candidato e eleitor.

Mas essa conexão não veio só pela repetição. Veio porque havia coerência entre a frase e o comportamento público de Bolsonaro. O jeito direto, a linguagem informal, o posicionamento sem meias-palavras — tudo reforçava o pacote. E o eleitor que se identificava com isso não via só um político, mas alguém que falava a sua língua. A frase fazia sentido porque traduzia uma postura.

Agora, anos depois, enquanto Bolsonaro enfrenta julgamentos no STF que podem determinar seu futuro político, as redes sociais continuam sendo o palco principal onde essa relação se manifesta — ou se reconfigura.

Se antes a frase era escudo e estandarte, hoje ela aparece como grito de resistência. A base digital que se formou em torno de Bolsonaro não recuou diante das denúncias. Pelo contrário: redobra a aposta. Nas redes, o julgamento é tratado como perseguição, como ataque ao “Brasil de verdade”, como tentativa de calar um líder que ainda mobiliza milhões, mesmo sem mandato.

E é aqui que o jogo fica mais interessante — e mais perigoso. Porque o vínculo construído lá atrás, por meio de mensagens simples e emocionalmente potentes, criou uma comunidade digital que interpreta os fatos a partir de um filtro afetivo. E filtros afetivos, a gente sabe, são mais difíceis de romper com argumentos racionais.

O julgamento no STF, portanto, não acontece só no tribunal. Ele acontece em tempo real nos stories, nos grupos de Telegram, nos perfis de YouTube que já têm a narrativa pronta: qualquer decisão contrária a Bolsonaro é sinal de injustiça. É narrativa contra narrativa. E quem tem comunidade engajada larga na frente.

Essa é talvez a maior lição que fica para quem trabalha com comunicação política: a mensagem certa, no tempo certo, pode criar uma fidelidade que sobrevive até à cassação, ao escândalo, ao ostracismo. E quem ignora o poder das redes — ou ainda acha que política se faz só no palanque ou na TV — está jogando um jogo de outro século.

Bolsonaro pode ser condenado. Pode ficar inelegível. Mas, na lógica das redes, ainda estará presente — como símbolo, como referência, como bandeira. Porque uma vez que uma frase entra para o imaginário coletivo, ela deixa de ser apenas do político. Passa a ser de quem acredita nela.

E é isso que torna tudo tão potente. E tão difícil de desfazer.

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