Produtores resgatam cultivo da uva Goethe e impulsionam o turismo no Sul de Santa Catarina

Produtores resgatam cultivo da uva Goethe e impulsionam o turismo no Sul de Santa Catarina

Produtores resgatam cultivo da uva Goethe e impulsionam o turismo no Sul de Santa Catarina – Foto: Divulgação

Um terroir único entre a serra e o mar, vinhedos com raízes centenárias e uma fruta rara que só cresce em solo catarinense. Nos vales do Sul de Santa Catarina, o resgate do cultivo da uva Goethe tem transformado a economia, o turismo e a cultura local.

Ao unir tradição e inovação, produtores da região têm atraído visitantes, despertado o interesse científico e impulsionado uma cadeia produtiva que valoriza a identidade e o potencial da terra.

A jornada da uva Goethe começou há mais de cem anos no estado, com os imigrantes italianos que chegaram à região de Urussanga. No início, as variedades trazidas da Itália não se adaptaram bem ao solo e ao clima locais. Foi a partir da iniciativa de um personagem marcante que a história mudou de rumo.

“Ele chegou aqui como Giuseppe Caruso e trocou o seu nome de Giuseppe, que é José em italiano, para José em português, em homenagem à Pátria brasileira, e acrescentou o nome McDonald, que era o sobrenome da mãe dele, de origem irlandesa”, conta o engenheiro agrônomo Sérgio Maestreli, autor de livros sobre a história da cidade.

José McDonald fundou, em 1913, a primeira e maior indústria de vinhos de uva Goethe do país. “Ele apostou nele e em todos os seus companheiros para fazer com que Urussanga fosse conhecida como a capital do vinho. E realmente foi.” – completa.

A fama do vinho chegou até o Rio de Janeiro, então capital federal. “Ele era servido no Palácio do Catete, e também servido no Jockey Clube, que reunia a nata, a elite do Rio de Janeiro”, lembra Sérgio.

A notoriedade levou até mesmo o presidente Getúlio Vargas a investir na estrutura da região, com a construção de uma subestação de energia e a atual estação experimental da Epagri. Mas o sucesso durou pouco.

Com a Segunda Guerra Mundial, o carvão, já explorado na região, se tornou produto estratégico e passou a dominar a economia local. “Os agricultores saíram dessa atividade, se transformaram em mineiros, com salários altíssimos para a época. Em 15 anos estavam aposentados. Não havia proposta que segurava mais ninguém”, explica Sérgio.

Foi só em 1978, próximo ao centenário de Urussanga, que o sentimento de pertencimento reacendeu. A retomada do cultivo da uva Goethe e a valorização da tradição ganharam fôlego. Hoje, os parreirais voltaram a crescer e o vinho voltou a ser apreciado – tanto na taça, quanto como atrativo turístico.

Variedade exclusiva e rara

A uva Goethe é resultado de um cruzamento de 87% de uvas Moscato europeias e 13% da americana Isabel. O que a torna ainda mais especial é sua exclusividade: todos os 55 hectares plantados no mundo estão concentrados em apenas oito municípios catarinenses.

A uva Goethe é resultado de um cruzamento de 87% de uvas Moscato europeias e 13% da americana Isabel – Foto: Divulgação

“Você trabalhar com um produto, com um tipo de vinho que tem só na cidade que você mora, é muito bom”, diz Franklin de Noni, um dos seis proprietários de vinícolas da região.

O vinho produzido com a Goethe é descrito como refrescante, floral, levemente cítrico e com notas de frutas amarelas, mel e flor de laranjeira. “A acidez é um pouquinho elevada, que dá refrescância. Tem outros vinhos com essas características. Agora, somar tudo isso, nesse conjunto, com essas características, aí é só ele”, define Stevan Arcari, enólogo da Epagri.

Apesar de saborosa, a uva Goethe é pouco encontrada in natura, devido à sua sensibilidade ao transporte. “Ela se solta muito fácil do caule, oxida rápido”, explica Stevan. Por isso, o desafio é desenvolver um sistema logístico que permita a venda da fruta fresca sem comprometer sua qualidade.

Tradição, superação e enoturismo

A conexão entre as famílias e a uva Goethe vai além da produção agrícola. Em muitos casos, é uma herança afetiva. É o que conta a família De Pellegrin, que decidiu retomar o cultivo da fruta em 2018. “A escolha da Goethe foi exatamente por ser a nossa uva de Urussanga, a uva que é única, que é a nossa história, que carrega nossas memórias”, conta uma das filhas de João De Pellegrin, patriarca que sonhava em produzir o próprio vinho.

Pouco tempo depois, seu João foi diagnosticado com câncer incurável. Mas ele insistiu em ver o sonho se tornar realidade. “Eu comecei a fazer um sonho da minha vida, que era plantar e fazer o nosso próprio vinho. Me entregando, assim… eu digo: não vou me entregar. Eu quero ver pelo menos colher os primeiros cachos.” Ele não só colheu os primeiros, como já participou da quarta safra da família, que produziu quase 6 mil garrafas.

A força da Goethe também tem atraído pesquisas. Em Criciúma, alunas de Biomedicina estudam as propriedades da fruta para o tratamento de infecções urinárias. “Achamos componentes muito interessantes, que realmente abririam nossos olhos de que ela teria muito potencial”, explica uma das estudantes. A fase laboratorial começa este ano.

Um destino que combina natureza, cultura e sabor

Além do vinho, o cultivo da Goethe impulsionou o turismo na região. Atividades como piqueniques nos vinhedos, colheita da fruta, degustações, passeios de Maria Fumaça e até a tradicional pisa da uva fazem parte da programação oferecida pelas vinícolas locais. Cerca de 85% das pessoas que viajam nos vagões da Maria Fumaça vêm de fora da região, reforçando o potencial turístico dos vales da uva Goethe.

Hoje, apenas seis vinícolas produzem o vinho na região. Uma delas é comandada por três gerações de mulheres da família Debiasi Mazon, herdeiras de Genésio Mazon, pioneiro na retomada da cultura da Goethe nos anos 1970.

A neta, Luiza, hoje lidera a produção de espumantes da vinícola: “Me apaixonei também. Não só pela questão da tradição, mas também pela transformação do alimento. E busco também servir de exemplo para os jovens. Por que não continuar o legado das suas famílias e investir, trazendo inovação para o meio rural?”

A uva Goethe também inspira sabores. O casal Flávio Dezan e Taciana De Lorenzi, sorveteiros da região, criou um sorbet de vinho Goethe com frutas verdes. O sabor virou sucesso entre os turistas da vindima.

Mais do que uma fruta ou um vinho, a Goethe representa uma identidade. Uma conexão entre gerações, saberes e territórios. E, como dizem por lá: é uma paixão ao primeiro gole. Para saber mais sobre o cultivo da uva por Santa Catarina, assista ao episódio completo do programa Agro, Saúde e Cooperação. O projeto, desenvolvido pelo Grupo ND, tem parceria com a Ocesc, Aurora, SindArroz Santa Catarina e Sicoob.

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