Publicitário, chargista e cronista Cao Hering morre aos 77 anos, em Blumenau


Por Jô Laps, jornalista

Confira a trajetória do artista e as últimas homenagens dos amigos:

Uma das mentes mais criativas do país, o publicitário, chargista e cronista Carlos (Cao) Hering morreu nesta sexta-feira (21), aos 77 anos. Ele estava internado no Hospital Santa Catarina para tratar de um problema pulmonar, contra o qual lutava há alguns anos.

Gremista ferrenho e famoso pelas análises sociais e políticas ácidas, Cao era casado com a psicóloga Maria Júlia Zimmermann Hering, pai de Carlos Hering Filho (fruto do primeiro casamento) e padrasto de Frederico Zimmermann Cigognini.

A partida do também membro do Rotary Club de Blumenau e sócio assíduo do Tabajara Tênis Clube causou uma comoção entre os que tiveram a chance de compartilhar sua companhia e genialidade, capaz de traduzir com apuro ímpar o cotidiano blumenauense através de traços, textos e ideias transformadoras.

Jornalismo na veia

Tataraneto de Friedrich Hermann Hering, um dos fundadores da empresa Hering, referência na área têxtil, Carlos Hering formou-se em Publicidade e Propaganda na Faculdade dos Meios de Comunicação Social da Pontifícia Universidade Católica (PUC) do Rio Grande do Sul/Famecos. Além da publicidade, Cao sempre atuou no jornalismo com charges marcadas por traços simples e muito humor e com crônicas sobre o cotidiano.

Ainda como universitário, iniciou a trajetória na mídia através do jornal A Cidade (Blumenau) trabalhando como ilustrador e chargista. Foi ali, como estagiário, que criou o primeiro personagem, Nix, um ingênuo e mal desenhado soldado americano da guerra do Vietnã.

Estagiou, então, por dois anos na agência Standard, Ogilvy & Mather, em Porto Alegre (RS). Na capital gaúcha, aprofundou-se na estrutura e influência social dos “comics” ao ser convidado a participar do curso A História da História em Quadrinhos.

Nos anos 1970 e 1980, durante o Regime Militar, foi convidado pelo ator e jornalista gaúcho Fausto Wolf a publicar uma série de cartuns no irreverente e combativo semanário “O Pasquim”.

Prêmios internacionais 

Cao teve participação societária nas agências Scriba Propaganda (Blumenau) e P.A.Z. Santa Catarina (matriz Curitiba-PR). Em 1983, fundou a Direcional Propaganda e firmou acordo operacional por 10 anos com a DPZ Propaganda, de São Paulo. Recebeu 25 prêmios em criação publicitária, incluindo um Prêmio Colunistas nacional.  

Como cartunista, recebeu dois prêmios internacionais e um nacional nos salões de humor de Piracicaba, Berlim e Curitiba. Foi presidente em duas gestões do Grupo de Profissionais de Comunicação e Marketing de Blumenau  

Por quase 40 anos, atuou como ilustrador, chargista e colunista do Jornal de Santa Catarina, do Grupo RBS. Foi nele que recebeu o convite para escrever crônicas semanais que marcaram o jornalismo local. Também escreveu ocasionalmente para várias revistas, com destaque para a bimestral Taba Magazine, do Tabajara Tênis Clube. Em 1994, reuniu uma retrospectiva de charges e ilustrações no livro Hai-Caos.  

Ninguém é uma ilha 

Cao Hering também colaborou com várias frases para a série dos Phrase Books, do amigo Roberto Duailibi, um dos publicitários mais respeitados do país, e assinou um roteiro para os Plim-Plins, série de cartuns animados inseridos nos intervalos de filmes da Rede Globo.

Em parceria com o astrofísico e professor Adolfo Stotz Neto, em 2022 lançou o livro Cronicidade, uma coletânea de crônicas sobre as vivências de ambos em Blumenau nos anos 50 e 60. Como artista, expôs obras em vernissages, incluindo a Galeria Açu-Açu do poeta Lindolf Bell, o estúdio da artista plástica Fraya Gross e a exposição individual CaoArt, no Shopping Neumarkt. 

A criatividade como publicitário o levou a participar da 20ª edição do Manhattan Connection, na Globo News, em Nova York. Foi ele o autor da frase vencedora alusiva aos 20 anos do programa: “Manhattan Connection: porque ninguém é uma ilha”.  

Ainda em TV, marcou presença nos programas Bate-Papo, inicialmente apresentado na TV Galega pelo jornalista Valther Ostermann e mais recentemente pelo saudoso amigo Carlos Alberto Soares; e Mesa de Bar, do jornalista Altair Carlos Pimpão, abordando temas do cotidiano.  

Também teve um quadro no programa Galera Mix (TV Galega/TV Furb), de Gustavo Siqueira, entrevistando pessoas inusitadas, e participou de vários podcasts nos quais apresentou a trajetória na publicidade e jornalismo. Além disso, recentemente contribuiu com comentários sobre política e atualidade em um programa semanal na Rádio 90 FM.  

Presente aos amigos 

O último trabalho impresso de Cao foi o livro de crônicas Meus Tipos Inesquecíveis, onde apresenta com o brilhantismo que lhe é peculiar histórias curiosas de uma galeria de personagens marcantes. Ao se dar conta de que não teria energia para uma noite de autógrafos, presenteou os amigos com um exemplar da obra – repleta de depoimentos de parceiros e admiradores. “Ele fez cada dedicatória com singularidade e carinho”, conta a esposa, Maria Júlia. 

Confira alguns depoimentos sobre o artista:

“Durante mais de 20 anos, eu conversava com o Cao todo dia. Juntos, a gente discutia as apostas para a próxima edição do Santa, que ele transformava em suas charges. Tive a sorte de conviver com um talento criativo, uma inteligência afiada e um humor contagiante – tudo isso num blumenauense com um espírito tão global. Cheguei a dizer isso pra ele, o que me conforta, mas não preenche a lacuna que o Cao deixa. Blumenau, sem dúvida, fica menos brilhante.” 

Edgar Gonçalves Jr., jornalista e ex-editor-chefe do Jornal de Santa Catarina 

“Cao Hering sempre foi um gênio artístico. Sabia cantar guaranias como poucos paraguaios, transformava fatos verídicos em piadas e como chargista legou algumas imagens insuperáveis. Para citar apenas uma, lembro a bandeira brasileira da qual tirou o verde e amarelo, porque as árvores foram derrubadas e o ouro roubado. Tenho guardado um exemplar da História da Oktoberfest em 30 Goles, que o publicitário Cao Hering vendeu para a Ceval, foi o criador de todas as figuras germânicas e eu fui o autor do texto. Recentemente comentei no meu blog o trabalho que ele teve para descobrir o Pasquim que publicou entrevista com o empresário Ingo Hering. Cao Hering, com todo o seu talento e toda sua simplicidade, é um blumenauense que fará muita falta.”

Altair Carlos Pimpão, ex-chefe de gabinete do prefeito Renato Vianna, ex-diretor da Fundação Municipal de cultura e fundador do primeiro canal a cabo do Brasil – TV Galega

“O Cao Hering, a quem chamo de alemão, dele eu era fã antes de conhecê-lo. Então um dia a vida me presenteou, viramos irmãos por milhões de afinidades. Meu mano Cao tem um talento que nem cabe nele. E é meu amigo! Privilégio. São poucos a quem se chama de amigo. Não largo, é ad eternum. Te amo, alemão.”

Valther Ostermann, amigo e comentarista da NSC

“Não existe outro profissional mais identificado com o Jornal de Santa Catarina do que o Cao Hering, e isso graças ao traço único, ao humor despretensioso e às décadas ininterruptas de colaboração. Como editor, a parte mais divertida do dia eram os telefonemas dele para discutirmos o tema da charge da edição seguinte. Cao sabia tornar interessante o tema paroquial mais modorrento, e era um privilégio ver as ideias dele nascendo em conversas espontâneas, sem qualquer roteiro. Um gênio!”

Evandro de Assis, jornalista e ex-editor-chefe do Jornal de Santa Catarina

“Tem pessoas que nascem com uma aura, um magnetismo irradiando bondade, alegria, felicidade, prazer, conforto em estar em sua companhia. E elas nunca deviam nos deixar… Uma dessas certamente foi o Cao. Ao nos deixar, deixou marcas, pegadas, para toda eternidade. E ninguém, nunca, haverá de usurpá-las. O nome do jornal e depois revista do Tabajara Tênis Clube (Tie Break), a logo modernizada e estilizada do TTC, a grife Die Kneipe sempre estarão comigo e com o clube que tanto amavas, meu caro irmão. Agora, nos deixas. Ali em frente, nos encontraremos de novo para dar boas risadas. Farás muita falta…”

Edson Pedro da Silva, amigo (ausente, mas presente).

“Amigo Cão, se eu morasse em Blumenau, claro que seria um dos teus melhores amigos e, com certeza, minha cabeça e minha vida seriam duzentas vezes melhores. Acredito que um dia esse sonho ainda será realizado, não importa onde. A distância posso dizer que te amo.”

Cacau Menezes, colunista do ND+

“1999 iniciei na TV! Minha primeira diretora (Bernardete Spengler) me apresentou ao Cao! Sou muito simples e ele pediu para a funcionária dele fazer a logo do programa. O programa fez tanto sucesso que empatou em audiência com o Padre João. Botamos o Cao tímido ser entrevistador. Ele surtou e foi bem. “Tá Rafeando” era o nome! Foi genial, com aquele jeitinho que só ele tem. Viramos amigos, fez obras no meu estúdio e tem um coração gigante. Fiz lançamentos e assessorias de livros dele. A gente bebeu muito, se divertiu e ousamos, Cao será sempre uma estrela. Irradia por onde passa, deixa marcas, faz legados, inspira quem está a sua volta. Mestre dos Magos ele deve ter imaginado em sonhos distantes. Cao sempre será um gênio da publicidade, do charme, da crônica e do amor. O problema de visão dele o fez enxergar o mundo com o coração! Serei eternamente grato pelos ensinamentos, lições de vida e puxões de orelha…”

Gustavo Siqueira, jornalista, colunista e apresentador de TV

“Cao! Ilustre blumenauense! Publicitário. Chargista. Articulista. Comentarista. Escritor. E fanático gremista! Culto e bom amigo! Deus o acompanhe!”

Paulinho Vieira, amigo

“Falar de Cao Hering é falar de um profissional que revolucionou o fazer da comunicação publicitária. Sua criatividade inspiradora está expressa na arte de escrever, produzir poemas e contos. Suas charges ilustram memórias, vivências e acontecimentos da cidade fazendo um humor inteligente. Sua história é uma referência e uma inspiração”.

Sueli Petry, professora e historiadora Sueli Petry, diretora do patrimônio histórico-museológico da Secretaria de Cultura

“O Cao, além de grande amigo, deixou marcas na história do Tabajara Tênis Clube. Imprimiu sua digital singular em eventos e edições das publicações do clube secular que move a história da cidade e do Estado. Culto, intelectual e à frente do seu tempo, deixa um legado único na publicidade, crônica social e jornalismo! Generoso, amoroso e imparcial fez história no nosso clube, na vida de muita gente e foi reconhecido pelo Brasil e o mundo!”

Rita Schürmann, diretora social do Tabajara Tênis Clube

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