ESG Além das Fronteiras: O Desafio do Escopo 3 e o Futuro Sustentável das Empresas

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O choque de realidade vindo do sul do país no ano passado acendeu todos os alertas para o debate acerca da nossa relação com o meio ambiente, representado pela letra “e” da sigla ESG (environmental, social and governance – ambiental, social e governança). Empresas de todo o Brasil, dos mais diversos segmentos, sentiram aumentar ainda mais sua responsabilidade na mitigação dos efeitos de sua atividade no planeta. E agora com uma preocupação adicional importante: a atuação de todos os elos de sua cadeia segundo os preceitos ESG – o chamado Escopo 3.

Definidos pelo Protocolo de Gases de Efeito Estufa, elaborado pelo World Resources Institute e pelo World Business Council for Sustainable Development, os três escopos abrangem seis gases: dióxido de carbono, hexafluoreto de enxofre, hidrofluorocarbonetos, metano, óxido nitroso e perfluorocarbonos. O Escopo 1 diz respeito às emissões diretas da empresa, como as decorrentes do próprio processo de fabricação de seus produtos; o Escopo 2 engloba as emissões indiretas da companhia, como aquelas geradas pela fornecedora de energia.

O Escopo 3 refere-se mais especificamente às emissões de gases de efeito estufa (GEE) geradas por fontes ligadas a uma empresa, mas que não são diretamente controladas por ela, como o fornecimento de insumos, o transporte (inclusive deslocamentos e viagens de colaboradores), o uso e descarte de produtos pelo consumidor final, entre outras categorias possíveis. Trata-se do maior desafio da pauta ESG, dada a dificuldade de rastreamento, controle e disseminação de uma cultura de sustentabilidade por toda a ramificação de cada cadeia produtiva.

O Brasil tem se posicionado como um player crucial na agenda global de sustentabilidade, mostrando que a integração de práticas ESG não é uma tendência passageira, mas uma necessidade urgente para o desenvolvimento sustentável e competitivo das empresas no século 21.

Segundo o estudo Panorama da Sustentabilidade no Brasil, para o qual a consultoria global Roland Berger ouviu mais de 40 companhias nacionais e internacionais com atuação no país, 84% dos líderes empresariais consultados disseram considerar o pilar “sustentabilidade” vital para seus negócios – e 49% deles esperam aumentar os investimentos na área ainda em 2024.

Com mais de 20 mil empresas participantes (cerca de 2.500 delas no Brasil, a segunda maior rede do mundo) e engajamento em 162 países, o Pacto Global da ONU é considerado a maior iniciativa de sustentabilidade corporativa do mundo – e o Brasil, em temos de compromissos públicos assumidos pelas empresas, é hoje o grande modelo global, segundo Carlo Pereira, CEO da entidade no país.

“O Escopo 3 tomou uma proporção tão grande que, muitas vezes, extrapola a questão do clima”, explica Pereira. Isso torna o desafio para pequenas e médias empresas ainda maior – e aumenta, na mesma proporção, a responsabilidade das grandes companhias que encabeçam cada ecossistema. “O que buscamos é o aumento de competitividade das empresas brasileiras”, conclui.

BONS EXEMPLOS

A maior evolução que observamos hoje é que as ações de ESG estão permeando toda a estratégia do negócio”, diz Renata Ruggiero Moraes, diretora de sustentabilidade, inovação e responsabilidade social do Grupo CCR, maior empresa de infraestrutura de mobilidade do Brasil, com mais de 17 mil colaboradores. Segundo ela, há dimensões que se desdobram em metas claras e indicadores para mudanças climáticas, biodiversidade e uso do solo, governança, ambiente de trabalho, segurança e saúde, qualidade dos serviços e relações com a comunidade.

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Renata Moraes, diretora de sustentabilidade, inovação e responsabilidade social do Grupo CCR

Uma “estratégia de resiliência climática” foi anunciada pelo grupo em abril deste ano e incorpora o tema como variável na estratégia de negócios da companhia, mapeando os riscos climáticos (como deslizamentos, tempestades, incêndios florestais e inundações) e seus impactos (de danos à infraestrutura e aos equipamentos até riscos à integridade física de colaboradores e clientes, entre outros). O objetivo é ter 100% dos ativos com o projeto de resiliência climática até 2025.

Outra ação da CCR é a frente de transição para uma economia de baixo carbono. Até 2033, a companhia projeta reduzir em 59% suas emissões de CO2 nos Escopos 1 e 2 (operações próprias e consumo de energia) e em 27% no Escopo 3 (emissões da cadeia de valor) em relação a 2019. Também assumiu os compromissos públicos de usar 100% de biocombustíveis nos veículos da frota leve até 2025 e de consumir 100% de energia renovável em todas as suas operações até 2025. O grupo afirma ter superado a meta fixada para 2023 de dobrar a capacidade instalada de geração de energia solar, passando de 3,1 MWp para 6,5 MWp.

Ainda na frente de fontes renováveis de energia, iniciou análises para avaliar o uso do hidrogênio verde na sua operação de VLT. Atualmente, nos modais de mobilidade urbana operados pela companhia, 95% do consumo de energia elétrica é oriundo de fontes renováveis. Por meio da gestão de VLTs, metrôs, trens e barcas, transporta diariamente 3 milhões de passageiros. Em aeroportos, com 17 unidades no Brasil e três no exterior, são transportados 43 milhões de clientes anualmente.

“Para um futuro de baixo carbono, ESG é a solução”, afirma Eduardo Figueiredo, diretor de sustentabilidade e impacto social da multinacional norueguesa Hydro, controladora das maiores operações de alumina e alumínio primário no Brasil. Ele destaca que, globalmente, a companhia estabeleceu a meta de reduzir as emissões de CO2 em cerca de 10% até 2025, 30% até 2030 (em comparação com os índices de 2018) e 100% até 2050 em todas as suas operações.

O QUE É O ESCOPO 3

As emissões de Escopo 3 referem-se a todas as emissões indiretas upstream e downstream que ocorrem na cadeia de valor de uma empresa, excluindo as emissões indiretas associadas à geração de energia (que fazem parte do Escopo 2). As emissões upstream dizem respeito às emissões indiretas de GEE relacionadas a bens e serviços comprados ou adquiridos, e as downstream são as emissões indiretas relativas a bens e serviços vendidos. Abrangem a extração e a transformação de matérias-primas, logística, distribuição, uso e fim de vida dos produtos, entre outras atividades – que incluem até o café consumido na empresa. Estudo de 2022 do Carbon Disclosure Project, organização internacional sem fins lucrativos com sedes no Reino Unido, Japão, Índia, China, Alemanha, EUA e Brasil, constatou que as emissões da cadeia de suprimentos são 11,4 vezes maiores que as emissões operacionais de uma companhia.

“Queremos entregar um produto final com a meta de neutralizar o carbono ao longo de sua cadeia produtiva, posicionando o alumínio como facilitador-chave para a transição verde, na qual importa onde e como ele é produzido”, diz o vice-presidente de operações da Hydro, Carlos Neves. Com investimento de R$ 1,3 bilhão, o conglomerado quer substituir o uso do óleo combustível por gás natural liquefeito (GNL). A transição energética é fundamental para o processo mais sustentável do beneficiamento da bauxita e o cumprimento do compromisso de tornar as operações da empresa neutras em emissões de carbono.

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Carlos Neves, vice-presidente de operações da Hydro

Os executivos chamam a atenção ainda para o Fundo de Sustentabilidade Hydro, instituído em 2019 como um compromisso conjunto das empresas Hydro, Albras e Alunorte, visando ao desenvolvimento sustentável de regiões brasileiras, especialmente no estado do Pará. Em quatro anos de atuação, foram investidos cerca de R$ 40 milhões em parcerias com instituições locais. Em 10 anos, são previstos R$ 100 milhões. Os recursos são aplicados em pesquisa, capacitações, contratação de serviços e compras de comunidades locais, entre outras ações, conectando as iniciativas que valorizam a floresta em pé às cadeias globais.

A ORIGEM DA SIGLA

Como descreve o Pacto Global da ONU – Rede Brasil, a sigla ESG (representando environmental, social and governance, e referindo-se às práticas ambientais, sociais e de governança de uma organização) surgiu em 2004 em uma publicação do Pacto Global em parceria com o Banco Mundial chamada Who Cares Wins. Nasceu de uma provocação do então secretário-geral da ONU, Kofi Annan, a 50 CEOs de grandes instituições financeiras sobre como integrar esses três fatores no mercado de capitais. Em dezembro de 2022, a Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT) lançou a Norma ABNT PR 2030 estabelecendo conceitos, diretrizes, modelo de avaliação e direcionamento sobre a agenda ESG para organizações com base nos 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) das Nações Unidas. Foi o primeiro documento do tipo no mundo.

A ArcelorMittal, segunda maior siderúrgica do mundo, estabeleceu o compromisso global de ser um grupo carbono neutro até 2050, tendo como meta intermediária reduzir em 25% suas emissões específicas até 2030. A empresa trabalha com melhorias dos processos existentes – e cinco alavancas principais foram identificadas para alcançar as metas: transformação da produção de aço e de energia, aumento do uso de sucata e de energia renovável certificada e compensação das emissões remanescentes.

Em 2023, a empresa deu um passo decisivo na transição energética rumo à descarbonização com a formação de uma joint venture com a Casa dos Ventos para a construção do Projeto Eólico Babilônia Centro, maior contrato de fornecimento de energia renovável em andamento no país, que demandará investimento de R$ 4,2 bilhões. O empreendimento será responsável pelo abastecimento de aproximadamente 40% do consumo elétrico da ArcelorMittal no Brasil, com 123 aerogeradores e uma capacidade instalada de 553,5 MW.

“A consolidação do conceito ESG contribuiu para a racionalização dos processos e o aprimoramento dos relatórios, reports e monitoramento de indicadores. A ideia é nos anteciparmos às necessidades para a construção de um futuro sustentável de baixo carbono e conectar nossa estratégia de negócios aos desafios da sociedade”, afirma Marina Soares, diretora jurídica, de relações institucionais e sustentabilidade da ArcelorMittal Brasil.

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Marina Soares, diretora jurídica, de relações institucionais e sustentabilidade da ArcelorMittal Brasil

Na Natura&Co, que une as marcas Natura e Avon, as práticas ESG estão distribuídas em três áreas de atuação: endereçar a crise climática e proteger a biodiversidade; promover os direitos humanos e garantir igualdade, equidade e inclusão; e adotar princípios de circularidade e regeneração até 2030. Engajando clientes por meio de 6 milhões de consultoras e mais de mil lojas próprias e franqueadas e 22 mil colaboradores, o conglomerado de cosméticos, que registrou receita líquida de R$ 26,7 bilhões no ano passado, anunciou no fim de 2023 a incorporação do conceito de regeneração em sua estratégia empresarial.

Entre os compromissos, estão ter 30% dos ingredientes-chave fornecidos por comunidades e pequenos agricultores com práticas regenerativas, verificadas por terceira parte independente; assegurar que 100% do volume de pelo menos duas das principais commodities do negócio sejam produzidas com práticas regenerativas; e garantir que 100% das comunidades e pequenos agricultores fornecedores de ingredientes-chave tenham abastecimento ético e práticas regenerativas.

O primeiro passo para concretizar o conceito de regeneração foi o lançamento do produto Natura Ekos Concentrado de Castanha, com 100% de plástico retirado de regiões ribeirinhas, caráter reutilizável, 81% de economia de plástico e 55% menos resíduos, além de benefícios para 10 cooperativas e quase 200 famílias da região Norte. Também vale destacar a criação do primeiro sistema agroflorestal de cultivo de óleo de palma do mundo, conhecido como SAF Dendê. A área de plantio, que começou com 18 hectares, hoje alcança 182 hectares plantados, em um projeto que atualmente conta com mais de 20 produtores rurais com áreas em diferentes estágios.

“Em 2024, a Natura anunciou a meta de atingir 40 mil hectares do SAF Dendê até 2035, comprovando que é possível cultivar o insumo de forma sustentável, gerando renda para os produtores ao garantir insumos ao longo de todo o ano e conservação para o meio ambiente”, diz a diretora de sustentabilidade da Natura&Co América Latina, Angela Pinhati. “Os desafios socioambientais também são oportunidades de negócios. Quanto mais eu resolvo, mais trago valor para a companhia, que se fortalece e expande sua atuação”, completa.

Angela Pinhati, diretora de sustentabilidade da Natura&CO América Latina

“Garantir a saúde do planeta e das pessoas é o jeito correto de se fazer negócio”, acrescenta a gerente de sustentabilidade da Danone Brasil, Taisa Costa. Empresa líder em alimentos e bebidas, ela lançou no país, como parte da estratégia global de geração de valor Renew Danone, sua “Jornada de Impacto” em torno de três pilares com maior potencial nos próximos anos: promover saúde, regenerar a natureza e desenvolver pessoas e comunidades.

“Estamos em uma jornada para que nossas embalagens sejam mais circulares. Hoje, 100% das nossas garrafas de iogurtes já são recuperadas, e estamos entregando 80% do nosso portfólio reciclável no Brasil. Queremos oferecer embalagens com cada vez menos plástico”, afirma Taisa. Além de buscar a meta de 100% de embalagens recicláveis até 2030, a companhia tem o compromisso de reduzir pela metade o uso de embalagens virgens de origem fóssil até 2040 (com redução de 30% até 2030) e liderar o desenvolvimento de sistemas de coleta eficazes para recuperar o máximo de plástico até 2040.  Esse esforço, segundo a empresa, soma-se à meta de reduzir as emissões de gases de efeito estufa (GEE), conduzir modelos de agricultura regenerativa com pioneirismo e escala na produção leiteira, preservar e restaurar as bacias hidrográficas onde opera para impulsionar a redução da pegada hídrica em toda a cadeia e cortar desperdícios em todos os processos, inclusive junto a fornecedores e clientes.

Em relação ao Escopo 3, Rafael Segrera, presidente da Schneider Electric para a América do Sul, afirma que a companhia estabeleceu a meta de que mil de seus principais fornecedores reduzam suas emissões em 50% até 2025. “Essa iniciativa faz parte do nosso compromisso para neutralizar a emissão de carbono da nossa cadeia de fornecimento até 2040 e atingir zero emissão até 2050.” Sobre as naturais dificuldades de alguns parceiros nessa trajetória, Segrera diz que são realizadas reuniões regulares nas quais são apresentadas soluções, tecnologias e orientações ligadas a práticas mais sustentáveis em suas operações. “Também apoiamos nossos clientes a adotarem medidas semelhantes [às nossas] em suas próprias cadeias de suprimentos, com nossas tecnologias para eficiência energética e descarbonização e nossos serviços de consultoria. É o caso de empresas como Walmart, PepsiCo e as 15 principais companhias do setor farmacêutico”, afirma o executivo.

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Rafael Segrera, presidente da Schneider Electric para a América do Sul

“Em princípio, se todas as organizações zelassem pelos seus Escopos 1 e 2, o Escopo 3 estaria endereçado por definição”, diz Felipe Bottini, diretor-executivo de sustentabilidade da Accenture América Latina. Como não vivemos nesse cenário ideal, é importante que as empresas mais estruturadas assumam as rédeas da agenda ESG. “Há avanços e crescimento de adesão nos compromissos de neutralidade climática, mas apenas 37% das maiores empresas globais têm compromisso público de mitigação.” No caso da aplicação das métricas junto aos elos mais distantes da cadeia, o principal desafio, segundo Bottini, é o acesso a dados e informações de qualidade. “Quanto mais longe da operação, mais difícil é obter um dado confiável. Temos ajudado nossos clientes nesse sentido por meio do que chamamos de ‘jornada de dados para ESG’”, afirma.

“Nós fazemos tudo isso desde o início da nossa história”, afirma Artur Grynbaum, vice-presidente do Grupo Boticário. Quando entrou na empresa, em meados dos anos 1980, choveu muito em regiões do Paraná e de Santa Catarina e algumas cidades alagaram. “Nós trocávamos nossos produtos por roupas para enviar aos desabrigados”, lembra. “A cultura ESG faz parte do nosso modo de pensar, e isso inclui toda a nossa cadeia de fornecedores e de franqueados, com quem fazemos um trabalho de conscientização.” Hoje o grupo tem mais de 33 mil pessoas na rede de franquias e quase 20 mil colaboradores diretos, além de 3.100 fornecedores e 100 mil pontos de venda.

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Artur Grynbaum, vice-presidente do Grupo Boticário

“A Fundação Grupo Boticário de Proteção à Natureza, que foi criada quando a palavra sustentabilidade ainda nem era usada, já nasceu com a ideia de plantarmos uma árvore a cada produto vendido”, diz o empresário.

Com relação ao Escopo 3, Grynbaum afirma que, ao reformar suas lojas a cada cinco ou seis anos (são 4.500 lojas físicas), todos os envolvidos sabem que a madeira tem que ser certificada e qual deve ser a melhor destinação dos resíduos. “Criamos também um modelo de loja sustentável, de 25 a 30 metros quadrados, feitas com extrusão de plástico para lugares mais distantes – e usamos esse mesmo equipamento como salas de aula em regiões mais carentes do país.”

No dia 16 de maio, o Grupo Boticário publicou seu 12º relatório anual de ESG, detalhando seus feitos em 2023 e as 30 metas assumidas para o futuro, entre elas a de reduzir em 17% as emissões de GEE em ações coordenadas com seus parceiros. Grynbaum salienta uma vitória destacada no relatório: “O Grupo Boticário subiu da sexta para a terceira posição como empresa de beleza mais sustentável do mundo, segundo o Corporate Sustainability Assessment (CSA) da S&P Global na categoria de Produtos Pessoais”. O CSA avalia anualmente as práticas de sustentabilidade das empresas e é o principal critério de elegibilidade para o Dow Jones Sustainability Index (DJSI).

A PepsiCo, por sua vez, vem acelerando sua agenda ESG com base na iniciativa PepsiCo Positive (pep+), estratégia global de transformação dividida em três eixos: agricultura, cadeia de valor e escolhas positivas. “As recentes ações da PepsiCo Brasil colocaram o país entre os mercados que impulsionam os bons resultados globais: em 2023, investimos no aumento da frota a gás e elétrica, hoje com mais de 170 veículos; em painéis solares em uma frota de 360 caminhões; e na ampliação de um projeto de baús de caminhão com plástico reciclado de embalagens de snacks e de PET na sua composição”, enumera Alexandre Carreteiro, presidente da PepsiCo Brasil Alimentos.

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Alexandre Carreteiro, presidente da Pepsico Brasil Alimentos

Uma das principais metas anunciadas para 2024 é a implantação do biometano para neutralizar emissões de GEE em sua maior fábrica no país, instalada em Itu (SP). Com isso, a multinacional prevê uma redução total de 44% em suas emissões até 2025, com a expectativa de, ao lado de outras ações semelhantes, chegar a 75% até 2030 e zerá-las em 2040.

Inserido na vertical social do Escopo 3 está um projeto-piloto implantado na única fazenda própria da PepsiCo no mundo, em Petrolina (PE), onde um mix entre as culturas de coco e cacau prevê o incremento de 60% na renda dos agricultores familiares da região.

A CORRIDA PELA INTELIGÊNCIA ARTIFICIAL NO ESG

Tecnologia é forte aliada na implantação e metrificação dos compromissos de sustentabilidade

No fim do ano passado, a Comissão de Valores Mobiliários (CVM) anunciou uma nova norma, a Resolução 193, que prevê a implementação e divulgação de ações de sustentabilidade de empresas de capital aberto e fundos de pensão. A partir de 2026, as companhias terão que tratar o ESG com o mesmo crivo com o qual endereçam dados financeiros e resultado operacional. “Deverá acontecer um efeito cascata, com impactos positivos em vários setores e tipos de empresas. E a tecnologia será uma aliada importante nesse processo”, diz Victor Lima, líder de inovação de tecnologia sustentável da Accenture para a América Latina.

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Victor Lima, líder de inovação de tecnologia sustentável da Accenture para a América Latina

Nesse processo, a inteligência artificial (IA) tem um lugar especial. A gigantesca capacidade de analisar dados, identificar padrões complexos e corrigir eventuais rotas que podem conduzir a resultados insatisfatórios são algumas de suas maiores vantagens. Já existem empresas de olho na tecnologia – não só para atingir seus próprios objetivos, mas também para auxiliar stakeholders e clientes.

O fundo BlackRock, por exemplo, que administra cerca de U$ 10,5 trilhões em ativos globalmente, utiliza a IA para analisar dados de sustentabilidade de um amplo universo de empresas. Com isso, a gestora é capaz de identificar aquelas com mais chances de conquistar patamares mais elevados de critérios ESG e atender novos requisitos de mercado, algo que vem se tornando cada vez mais importante no cenário global.

Companhias como a John Deere vêm fazendo uso da ferramenta para desenvolver tratores autônomos, capazes de otimizar o consumo de insumos agrícolas como defensivos e fertilizantes. Para a agricultura, é uma ótima notícia.

A IA também tem contribuído para a definição de modelos preventivos de desastres climáticos e riscos ambientais. Nesse sentido, um dos maiores objetivos é prever mudanças em padrões do clima e realizar uma ágil avaliação dos problemas que podem vir a ocorrer, inclusive no que diz respeito a populações potencialmente afetadas e a necessidade de ajuda emergencial.

Em relação à diversidade, um dos pilares do ESG, a IA pode, por exemplo, mapear quais funcionários de uma organização estão mais sujeitos a pedir demissão, ao analisar indicadores como engajamento e motivação, e o quanto isso pode impactar as metas de inclusão. A partir daí, a empresa pode definir estratégias e abordagens para aumentar o grau de satisfação dos colaboradores.

A IA também já possibilita a elaboração das soluções mais adequadas para a conquista de objetivos intrincados. Um bom exemplo é a organização de sistemas de produção, envolvendo desde parâmetros como custos e a utilização de determinados tipos de matéria-prima, para atender metas de sustentabilidade. “A IA consegue determinar a logística de entrega de produtos que faça mais sentido para os objetivos de redução de emissão de carbono, em linha com a capacidade financeira da empresa”, diz Lima.

O design de produtos, desde a embalagem até a escolha de componentes químicos ou de outra natureza, é outro pilar importante do ambiente de negócios que pode se beneficiar dos avanços tecnológicos. A tecnologia pode contribuir para a transição para sistemas circulares e de baixo carbono, com foco na reciclagem e na utilização de matérias-primas sustentáveis.

A conservação do meio ambiente, considerada um dos pilares para a redução das emissões de gases do efeito estufa, também pode avançar com a evolução da IA e outras tecnologias. A Planet Labs, especializada no monitoramento de mudanças climáticas e na previsão de tendências, desenvolveu satélites com IA, sensores e telescópios de alta potência para realizar desde o mapeamento de mudanças no clima até estimativas sobre colheitas em diversos países.

Com sede na Califórnia, a empresa também tem parceria com instituições internacionais, como a Iniciativa Climática e Florestal da Noruega, para elaborar mapas de biomas em alta resolução, por meio de imagens de satélites, e colaborar em medidas para mitigar o desmatamento. “A IA e outras tecnologias serão cada vez mais importantes em questões que impactam o nosso meio ambiente e o dia a dia”, afirma Lima.

A EXPLOSÃO DAS STARTUPS

Carbontechs devem ter crescimento substancial nos próximos anos

Embora questões relativas à sustentabilidade estejam sendo discutidas há algumas décadas, os desequilíbrios que a agenda ESG tenta anular ou minimizar têm ganhado ainda mais holofote por força de eventos como a pandemia e as recentes calamidades climáticas. Nesse cenário, as startups vêm exercendo um papel fundamental.

Segundo um levantamento do hub de inovação Distrito, as startups ESG são as que mais recebem aportes – entre 2013 e 2023, eles somaram mais de US$ 2,4 bilhões em cerca de 500 rodadas de investimentos. Hoje, o país conta com 950 startups ESG, sendo que a maior parte (357) atua no setor de meio ambiente. Os novos negócios dedicados à área social vêm em seguida (306). São empresas que tratam de questões como a inclusão e redução de desigualdades, temas que têm sido tratados com um olhar especial pelas organizações. As startups voltadas à governança também são representativas, com 287 delas em atuação no Brasil.

“Estamos vivendo um momento de maturidade do impacto socioambiental das empresas, com o ESG sendo considerado um compromisso com investidores e stakeholders”, diz Eduardo Lorea, CEO e fundador da Numerik, consultoria dedicada à inovação com foco em sustentabilidade. Atendendo grandes corporações, como Sicredi, Arezzo e Fundo Vale, a empresa vem crescendo na casa de três dígitos a cada ano.

A consultoria mantém tem parceria com o Cubo Itaú, hub de inovação do banco que tem como um dos principais objetivos realizar o “match” entre grandes empresas e startups de ESG durante uma série de eventos realizados ao longo do ano. “As corporações apresentam desafios de sustentabilidade que podem ser específicos, e as startups entram como provedores de inovação e soluções”, explica Lorea.

Fora do importante ecossistema de inovação do Sudeste, os negócios nascentes focados em soluções para ESG também vão de vento em popa. Com sede em Manaus, a Tero Carbon, criada em 2022, vem atendendo produtores rurais de Minas Gerais e Pará interessados em gerar créditos de carbono, visando a um mercado que deve crescer no curto e médio prazos. A startup é especializada na certificação do estoque de carbono e nos créditos gerados a partir da auditoria realizada. O processo é feito por meio de tecnologias como blockchain e sensores de medição de carbono colocados nas plantas. A Tero Carbon também desenvolve metodologias específicas para cada imóvel rural e cultura agrícola, implementando, entre outras coisas, a forma correta de fazer relatórios sobre os avanços em sustentabilidade e de obter a certificação. “O mercado de crédito de carbono vai ser regulamentado em breve, e muitas empresas, inclusive propriedades rurais, já estão se adiantando para estarem preparadas quando o projeto for aprovado”, diz Francisco Higuchi, CEO da startup.

O Senado deve analisar ainda neste ano o Projeto de Lei 182/2024, já aprovado na Câmara dos Deputados, que regulamenta o mercado de carbono. A expectativa é de que a iniciativa entre em vigor em um futuro próximo. “Empresas que têm dificuldade em atingir suas metas de redução de emissão poderão adquirir créditos de carbono, o que deve movimentar um grande mercado”, avalia Higuchi. “Temos uma grande riqueza na conservação de vegetação nativa feita por agricultores já interessados nessa questão, entre outros players.”

Na visão de especialistas como Marco Aurélio Chaves, sócio-executivo e cofundador do Ilmpact ESG Corporate Hub, de inovação sustentável, as chamadas carbontechs devem experimentar um crescimento substancial nos próximos anos. “Monitorar e reduzir a pegada de carbono já está se tornando algo praticamente mandatório nas grandes empresas, e isso deve chegar também às organizações de menor porte e seus fornecedores”, afirma.

Com evoluções como a regulamentação do mercado de créditos de carbono, o segmento deve ser beneficiado. Há ainda outros avanços, como o incentivo à utilização de combustíveis renováveis em diversas cadeias de produção. “As startups serão fundamentais para colaborar nesse processo e apresentar soluções inovadoras”, conclui Chaves.

HUMANIDADE E CRESCIMENTO

Especialista em governança corporativa, Alexandre di Miceli argumenta em seus livros que o fator humano tem que ser prioridade para as empresas

Formado em administração pela FEA-USP e mestre e doutor pela mesma instituição, Alexandre Di Miceli soma mais de duas décadas de trabalho, aulas e pesquisa em governança e ética nas empresas. É autor de dois livros que estão no top 30 da Amazon em governança corporativa: Governança Corporativa no Brasil e no Mundo: Teoria e Prática e Governança Corporativa – O Essencial para Líderes. Com tanta bagagem, Alexandre não titubeia ao afirmar que, mesmo com tantas tecnologias disponíveis, uma empresa só vai crescer de verdade se der real importância para o fator humano. Poucos anos atrás, ele fundou uma empresa de consultoria e educação executiva, a Virtuous Company.

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Alexandre di Miceli da Silveira

Forbes – A primeira edição de Governança Corporativa no Brasil e no Mundo: Teoria e Prática é de 2010. Como o mundo da governança mudou nesses 14 anos? 

Alexandre Di Miceli da Silveira – Para um tema dinâmico e multidisciplinar como a governança corporativa em um mundo acelerado e em constante mutação, 14 anos são uma eternidade. No mundo, a principal mudança foi a formação de um consenso cada vez maior de que as empresas precisam ampliar seu conceito de sucesso para que possam ser parte da solução dos desafios globais de nossos tempos. Em vez de se concentrar apenas no retorno para os acionistas, seus administradores devem ter como norte a criação de valor compartilhado e sustentável para todos os públicos de interesse na busca por um propósito mais amplo do que o resultado financeiro. Outro consenso é de que a boa governança para valer vai muito além de documentos. Ela diz respeito sobretudo a comportamentos.

Qual é o grande desafio para uma boa governança corporativa hoje?

O maior desafio da boa governança atualmente é construir empresas humanizadas, com propósito, orientadas à criação de valor para todos os stakeholders e com ênfase na sua resiliência em longo prazo. Ir ao encontro desse nobre ideal não é nada fácil. O modelo corporativo típico do século 20, ainda vigente na maioria das organizações, é o oposto dessa visão: empresas centradas em regras e controles, sem propósito genuíno, com uma mentalidade de trade-off centrada apenas nos acionistas e com uma verdadeira obsessão pela eficiência no curto prazo. Por isso, tenho argumentado que os debates sobre os conselhos de administração ainda estão em grande medida voltados para as empresas do século 20, não para as do século 21. Todos concordam que estamos nos primeiros dias da Quarta Revolução Industrial. O que poucos observam é que a palavra “revolução” traz a ideia de mudança generalizada em toda a sociedade – inclusive na forma como trabalhamos e as empresas funcionam.

Quais fatores humanos devem ser prioridade para uma boa governança?

É justamente o foco no fator humano que permitirá alcançar o objetivo maior da boa governança: criar um ambiente no qual as pessoas desejem, voluntariamente, cumprir as regras, agir eticamente e tomar decisões, quando acreditarem que isso levará simultaneamente ao melhor resultado para si mesmas, para sua organização e para a sociedade. Essa cultura ética – baseada em elementos como confiança, transparência, prestação de contas, motivação intrínseca, segurança psicológica, justiça organizacional, cooperação, empatia e solidariedade – será sempre a chave para prevenir condutas antiéticas em qualquer organização.

DESENVOLVIMENTO E SUSTENTABILIDADE

Uma das referências nacionais em ESG, Ricardo Ribeiro Alves fala da importância de as empresas serem social e ambientalmente proativas

As enchentes no Rio Grande do Sul não atingiram diretamente o professor e escritor gaúcho Ricardo Ribeiro Alves, mas o fez pensar bastante. Autor do livro ESG: O Presente e o Futuro das Empresas (Editora Vozes), Ricardo se graduou em administração, fez mestrado e doutorado em ciência florestal e tem um pós- -doutorado em marketing ambiental. A tragédia de maio deve servir como importante alerta para empresas, indivíduos e Estado. Ele também é professor da Universidade Federal do Pampa (Unipampa) e, ainda este ano, lançará o livro A Força do ESG.

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Ricardo Ribeiro Alves

Forbes – Quais boas práticas são as melhores em termos de ESG? 

Ricardo Ribeiro Alves – Na dimensão ambiental, é fundamental que as empresas repensem a matéria-prima de seus produtos e, para isso, é preciso ter uma equipe afiada de Pesquisa & Desenvolvimento. A matéria-prima que utilizo em meus produtos é a melhor em termos ambientais? Também é preciso que as empresas planejem estruturas de logística reversa, para reutilizarem produtos descartados, buscando, na medida do possível, reaproveitá-los em seu ciclo produtivo, o que chamamos de economia circular. Na dimensão social, elas devem estar atentas às pessoas, combatendo o trabalho análogo à escravidão e o trabalho infantil, além de questões como diversidade, inclusão e envolvimento social. Na dimensão de governança, as empresas precisam cuidar de vários aspectos: transparência, ética, combate à corrupção e prestação de contas de seus atos e de seu relacionamento com os stakeholders.

Qual é a importância da responsabilidade social corporativa hoje?

Puxando para um assunto extremamente atual, quando pensamos em mudanças climáticas, a maior responsável pelo problema são as empresas, pois são elas que atuam na extração de matéria-prima de diversas naturezas (minério, água, solo, madeira etc.), gerando diversos impactos ambientais negativos. Logo, as empresas devem ser a parte principal da solução. Mas nós, consumidores, e os governos temos a nossa parcela de “culpa”. Precisamos cobrar dos governos que atuem junto às empresas para que elas reduzam o impacto ambiental negativo em suas atividades de extração de matéria-prima e fabricação dos produtos. Tudo isso está relacionado ao desenvolvimento sustentável.

Que lições em ESG as empresas podem levar de tragédias ambientais como a do RS?

Uma das reflexões que abordo nos livros é que muitas vezes o ser humano acredita ter o controle da situação quando pensamos no planeta Terra. No entanto, a pandemia da Covid-19 nos mostrou que não temos esse controle absoluto. Vendo as cenas do Guaíba invadindo Porto Alegre, fiquei pensando: como será se realmente a previsão de aumento no nível dos oceanos se elevar e atingir as cidades litorâneas em todo o mundo? Será que estamos preparados? E o impacto do aquecimento das águas dos oceanos, visto como um dos responsáveis por toda a tragédia que vemos aqui no Rio Grande do Sul? Pensando nas empresas como as responsáveis principais pela extração de matérias-primas e geração de poluição, sem esquecer da corresponsabilidade das pessoas e governos, acredito que todos esses agentes precisam se debruçar sobre o tema com extrema responsabilidade e agilidade, pois talvez não tenhamos tanto tempo para reverter alguns efeitos adversos.

*Colaboraram Carla Zimmerman, Dafne Sampaio e Paola Carvalho

Reportagem publicada na edição 119 da revista impressa, em maio de 2024

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