Opinião | Plano Diretor resolve, mas abraçar árvore garante voto: a hipocrisia de ações cosméticas para complexidade urbana

Blumenau, como boa cidade de tradições sólidas, mantém uma delas com afinco: a destruição sistemática de qualquer possibilidade de um urbanismo minimamente inteligente. Faz calor? Culpa do sol, que anda exagerado. Estamos fritando nas ruas? É normal, sempre foi assim. Discutir o trânsito, a ocupação do solo, as moradias? Isso é besteira! Melhor mesmo é postar uma foto no Instagram abraçado a uma árvore e fingir que tá tudo certo.

A cena é quase poética, se não fosse trágica. Mas quem se importa? O post já viralizou, a imagem de “defensor do verde”, que planta arvorezinhas, está garantida. Um beijo no ipê amarelo, com a hashtag #MaisVerdeParaNossaCidade e pronto, está resolvido. Agora o político e cidadão já podem dormir tranquilos.

Criamos uma narrativa de cidade verde e sustentável enquanto assistimos à verticalização desenfreada transformar nossas ruas em corredores de concreto onde o vento já não circula. Antes de pedir mais arborização, seria mais honrado que os parlamentares prestassem mais atenção ao plano diretor da cidade, hoje completamente rendida à especulação imobiliária. Afinal, é responsabilidade deles – dos legisladores – fiscalizar e aprimorar todas as leis.

A política pública de urbanismo em Blumenau se resume a um duelo eterno entre os defensores da motosserra e os órfãos da velha figueira da Prefeitura, que morreu sem deixar herdeiros. O tamarindeiro da Via Expressa caiu no mesmo buraco. No lugar das árvores que sombreavam o rio Itajaí-Açu, temos pedras, concreto e um calor de desgraçar qualquer cristão.

As temperaturas recordes que vivenciamos não são acasos ou meras consequências do aquecimento global. São, em grande parte, resultados de escolhas locais. Definimos que seria uma boa impermeabilizar vastas áreas, concentrar serviços em pontos específicos (obrigando deslocamentos diários massivos), verticalizar sem critérios que não o lucro imobiliário, e ignorar sistematicamente a necessidade de espaços verdes integrados.

Nem nas universidades que formam arquitetos e urbanistas há resquícios de ousadia para repensar a cidade. As instituições reproduzem em seus próprios campi os mesmos erros que criticam teoricamente. Porque urbanismo inteligente dá trabalho, propor uma reforma urbana exige enfrentamento, demanda um mínimo de coragem. Por isso, este negócio de abrir mais ruas para mais carros é a opção fácil, palatável e que, no que importa para político – a urna -, rende votos.

No fim, chamamos a chegada do asfalto de progresso. Porque ciclovia, transporte público eficiente e planejamento decente são luxos reservados para quem não tem medo de mexer com a especulação imobiliária, ou com a indústria automobilística.

O tema da arborização não é novo por aqui. Quem não lembra da tentativa de obrigar concessionárias a plantar árvores para cada carro emplacado? Planos de fazer com que florestas verdes disputem espaço, ocupando e transformando esta paisagem de pedras cinzentas que nos cercam. As discussões acaloradas entre defensores e detratores das árvores urbanas sempre estiveram presentes – geralmente com vitória dos segundos, não por coincidência, geralmente mais próximos do poder econômico local.

É uma incivilidade urbana esta que vivemos. Os espigões espelhados multiplicam o calor, criando ilhas térmicas que nenhuma arvorezinha solitária nas calçadas será capaz de amenizar. Ainda assim, seguimos aplaudindo essas iniciativas cosméticas.

Como eu disse anteriormente, nossa memória coletiva guarda a morte de majestosas árvores. Lamentamos, sem efetivamente agir. As propostas de proteção para os efeitos das enchentes incluem a substituição da frondosa natureza por uma estéril combinação de pedras, concreto e calçadas. Chamamos tudo isso, da construção de botecos à impermeabilização de encostas, de “urbanização”, quando na verdade é a materialização da nossa incapacidade de integrar natureza e cidade.

O pensamento urbano em Blumenau carrega algo de provinciano e conservador. Avenidas para carros, pouca sombra, menos ainda em ousadia. E isso é o que precisamos mudar. Ir além do debate simplório entre “defensores da motosserra” e “defensores das árvores”. Uma avaliação complexa e uma revisão profunda do nosso modelo urbano. Não se trata apenas de árvores isoladas, mas de um sistema integrado onde a natureza seja estruturante e não mero detalhe decorativo.

Enquanto isso, a cidade se esparrama nas periferias, empurrando para longe quem não pode pagar os preços inflacionados pelo mercado imobiliário central. Criamos um modelo urbano que exige deslocamentos diários extensos, penalizando justamente aqueles com menos recursos. O transporte público, que deveria ser solução, vira problema. Insuficiente, caro, desconfortável.

Ou seja, definitivamente os problemas climáticos que enfrentamos não serão resolvidos com medidas cosméticas ou ações pontuais para agradar o eleitorado. A cidade, como espaço público inteligente do futuro – e o futuro já chegou – não deveria opor desenvolvimento e natureza, mas integrá-los. Não segregar funções urbanas, mas misturá-las. Priorizar pessoas, valorizar o coletivo.

Então, abraçamos árvores em público e assinamos sua condenação em privado. Hipócrita? Sim. Eficiente eleitoralmente? Também. O calor aumenta, as enchentes se multiplicam, mas as fotos no Instagram continuam bonitas. E no final, parece que é só isso que importa.

Tarciso Souza, jornalista e empresário

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