No silêncio encontramos Deus, diz religiosa carmelita

A princípio, silêncio pode causar medo, mas monja carmelita destaca seus benefícios para a vida espiritual e dá dicas para aprender a praticá-lo

Kelen Galvan
Da Redação

Foto: Canva Pro

É comum pensar que o silêncio seja simplesmente a ausência de barulho. Isso é verdade, mas não só. Em meio ao dia a dia, com tantos ruídos, silenciar parece impossível, mas os que buscam crescer em sua espiritualidade entendem que ele tem um valor fundamental. Silenciar é um aprendizado ao alcance de todos, especialmente nesse tempo litúrgico da Quaresma vivido pela Igreja.

A monja carmelita Irmã Amanda Teresa, do Carmelo de Santa Teresinha Do Menino Jesus, de Aparecida (SP), explica que, ao pensar no homem como imagem e semelhança de Deus (cf. Gênesis 1ss), seria natural para o ser humano silenciar, porque Deus se comunica no silêncio. Porém, o pecado distorceu tudo isso e tirou a harmonia que havia na natureza humana. Por isso, hoje não é natural silenciar, mas é um processo que se aprende aos poucos a cada dia.

A religiosa destaca que há muitos graus do silêncio e tudo começa no silêncio exterior. Caminhar sem bater os pés, fechar as portas e janelas com mais calma, ou mesmo desligar a televisão ou celular são algumas ações. 

“Esse processo de silenciar-se interiormente e exteriormente vai se tornando cada vez mais profundo e frutífero em nossa vida. Vai nos fazendo entrar em contato com aquelas realidades mais essenciais e nos faz conhecer melhor quem nós somos verdadeiramente e quem é Deus”, afirma.

O medo do silêncio

Irmã Amanda Teresa / Foto: Arquivo Pessoal

Apesar do silêncio ser benéfico e necessário em tantas situações – em sala de aula, no estudo, em uma cirurgia, por exemplo –  muitas pessoas podem ter medo do silêncio ou se incomodarem com ele. 

De acordo com a monja carmelita, essa sensação se deve, primeiramente, ao fato de que o silêncio faz a pessoa prestar atenção em coisas que antes eram despercebidas. “Se fazemos um silêncio exterior, começaremos a ouvir nossos barulhos interiores. E às vezes, esses barulhos não são agradáveis. Entraremos em contato com lembranças, histórias, feridas, mas também com alegrias e boas lembranças. Mas todo barulho interior, que estava sendo ‘tampado’ pelo barulho exterior, de repente vem para fora, ou seja, para nossa consciência”, explica.

Ela diz que lidar com isso não é simples, mas faz parte do processo. E lembra que as religiosas de vida contemplativa experimentam isso em uma fase de seu período de formação. “Nos deparamos com um mundo interior que antes não conhecíamos, porque o barulho exterior era tanto que não era possível perceber que havia tanta coisa dentro de nós mesmas. E isso pode nos assustar, nos dar medo, mas é só uma parte do processo”, esclarece.

Três vozes interiores

A carmelita explica que, ao entrar em contato com os barulhos interiores, é possível ouvir três vozes: a própria voz (que são os pensamentos, lembranças, feridas, alegrias, etc), a voz do inimigo (que tenta desviar a pessoa da vontade de Deus) e uma terceira voz, “belíssima”, que é a voz do próprio Deus. O silêncio ajudará a pessoa a discernir entre essas vozes. 

“Deus fala num órgão espiritual que chamamos ‘consciência’. Como diz São João da Cruz: ‘nosso mais profundo centro’. Santa Teresa de Jesus diz que ‘Deus está no centro do nosso castelo interior’, nos esperando, nos aguardando para ter intimidade, para ser nosso amigo, ser nosso companheiro de caminhada. Deus nos acompanha exteriormente? Sim, mas olha que lindo: Deus está dentro de nós! ‘Nós temos o Céu dentro de nós’, como diz Santa Elisabete da Trindade”, aponta a religiosa.

Ela afirma que, ao silenciar e se deparar com essas vozes, a pessoa tem a graça de entrar em contato sua versão mais completa. “Podemos ouvirmo-nos plenamente e diante do próprio Deus, que habita em nós, podemos nos confrontar, nos perdoar, perdoar as pessoas, nos amar, nos conhecer, deixarmo-nos amar por Deus. Quantas coisas lindas vêm desse silêncio, que a princípio causa medo e incomoda, mas que é necessário para todos nós. Ali encontramos Deus”.

O silêncio simplifica a vida

Irmã Amanda Teresa enfatiza que o silêncio na vida espiritual faz com que a pessoa aprenda a simplificar sua vida e focar no essencial. “Esse processo de entrar em contato consigo e com Deus faz com que, sabendo-nos amados por Deus, do jeito que nós somos, busquemos ser melhores. Aos poucos vamos mudando nosso jeito de agir no mundo”.

Ela cita que São João da Cruz dizia: “já não tenho outro ofício, só amar é o exercício”, ou seja, tudo o que ele fazia se tornou amor, a vida dele se simplificou.

“Essa é uma grande graça que o processo de silêncio, na vida de oração, faz conosco. E pode chegar a tal situação de tudo estar convergindo para um único ponto: estar a todo tempo amando. Aí sim estará refeita a imagem de semelhança de Deus em nós, pois Deus é amor”.

Dicas para aprender a silenciar

Para aprender a silenciar, a monja carmelita dá algumas dicas para começar a praticar já nesta Quaresma.

O primeiro passo é começar a fazer o silêncio exterior. “Fechar a porta do carro com mais calma, não bater a porta ao entrar em casa, fechar a janela devagar, andar mais silenciosamente”. E, em um nível um pouco mais profundo, ela indica “todos os dias ficar dez minutos sem televisão, sem o celular, sem rádio, e entrar no quarto, como diz o Evangelho, fechar a porta e ficar ali consigo mesma e com Deus”.

O próximo passo é o processo de silêncio interior. Um dos níveis desse silêncio é focar os pensamentos. “A cada dia, nesses dez minutos que comecei a praticar de ficar em silêncio no meu quarto, vou fazer o silêncio interior. Vou procurar concentrar-me em um único ponto, por exemplo, Deus é amor. Vou pensar sobre isso, vou meditar, nós dizemos na vida espiritual que isso seria uma meditação. Vou pegar a passagem da carta de São João (cf. 1 João 4:8) e vou refletir sobre isso. Assim eu vou fazendo os meus pensamentos, as minhas emoções convergirem para uma única direção, e deixarem de vaguear para todos os lados”.

Outra sugestão para iniciar o silêncio interior é rezar diante de uma imagem. A monja sugere pegar a imagem de São José, celebrado neste mês, que foi um grande mestre de vida interior. Sentar-se diante desta imagem e ficar aqueles dez minutos conversando com São José, com os pensamentos focados ali nesta conversa.

Não existe idade certa, mas disciplina

A religiosa acrescenta que, durante este processo de aprender a silenciar, é possível que volte à mente algumas situações vivenciadas pela pessoa. “E aí é o momento da graça, é a hora de rezar sobre essa situação. Procurar focar os pensamentos nessa situação, conversando com Deus, entregando a Ele, pedindo luzes ao Espírito Santo de como agir, de como perdoar, de como me relacionar. Tudo isso ajuda a aprender a fazer um silêncio interior”.

Para esse aprendizado não existe idade certa, explica a religiosa. “Existe, sim, uma educação, uma disciplina para aprender a ter uma vida mais profunda, com sentido, uma vida de relacionamento com Deus”, ressalta a carmelita.

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