Oscar precisa impactar o nosso mercado e cinema

O Brasil ganhar um Oscar é algo que impacta de imediato e pode trazer resultados ainda mais significativos no médio e longo prazo para o cinema brasileiro. Não podemos entender essa vitória – e todas as outras – que o filme “Ainda Estou Aqui” obteve em várias premiações apenas como um caso isolado. Há muito mais envolvido.

A indústria cinematográfica brasileira precisa se aproveitar disso e usar tanto para reiniciar alguns projetos que estavam parados quanto como argumento para que volte a ter um prestígio e uma importância que há muito tempo não possui. Inevitavelmente, a arte é vista como algo subjetivo, e pode-se entender essas premiações como algo na linha de: “Que bonito, que legal, que excelente desempenho”. Mas está bem errado.

Os filmes, como várias outras artes, são consequências do trabalho de profissionais dedicados. Quando existe uma premiação de peso em torno de uma obra, é a consolidação de um projeto que, embora premie um artista e um profissional, na verdade, está reconhecendo esse projeto como um todo.

Desculpe, Fernanda Torres, mas é a conquista de uma Copa do Mundo. Porque além de irmos contra todas as perspectivas num Oscar tal qual num mundial em que o Brasil compete com países de infraestrutura muito superior, ainda é também a consolidação de uma geração e desse projeto. E mais: se é possível ganhar uma vez, podemos ganhar outra também.

No futebol, você precisa treinar, capacitar, garantir infraestrutura, assegurar carreira, proporcionar acompanhamento dos profissionais e trazer tecnologia o máximo possível para esse dia a dia. Exatamente a mesma lógica é aplicável ao cinema.

O mercado do cinema brasileiro será muito impactado pelo Oscar

Ganhar o Oscar de Melhor Filme Internacional representa uma oportunidade de impactar o nosso mercado do cinema, a indústria cinematográfica brasileiras, como nunca antes. Se virmos o que aconteceu apenas como uma fita bonita que foi entregue e não um potencializador que tem tudo a ver com Economia e profissionalização, tanto como plateia quanto como cidadão, entendemos tudo errado.

A própria história de origem dos Oscars, do Prêmio da Academia, não ocorre dissociada de uma indústria e do mercado de trabalho. Quando pensamos na Academia de Artes e Ciências Cinematográficas, talvez pensemos que é algo criado pelos próprios artistas para ser uma instituição que apenas debate a arte, mas não foi o caso, muito pelo contrário.

A Academia foi criada porque Louis B. Mayer, um executivo da MGM, queria construir uma casa na praia e, para isso, queria contratar designers de set, o que seria bem mais barato. Porém, essa categoria de profissionais estava prestes a se sindicalizar, o que faria com que o custo deles aumentasse significativamente. Então, ele teve que recorrer à mão de obra barata e designers caros. Conseguiu resolver o problema da sua casa de praia, mas ficou com muito medo de que diretores, atores e outros profissionais também se sindicalizassem.

Por isso, ele decidiu se antecipar, tentando burlar a criação de sindicatos ao criar ele mesmo uma instituição, que é essa Academia que continua até hoje. Ela serviria para lidar com disputas sem a necessidade do sindicato, para abafar escândalos e fazer o reconhecimento da própria categoria, porque até então o cinema não era visto como uma arte tão elevada quanto outras – considerava-se que os verdadeiros atores estavam no teatro, por exemplo, não em Hollywood.

A premiação, além de legitimar o que era produzido, também servia como um fator para esconder alguns problemas, afinal era festa, era celebração, e você acabava esquecendo de algumas questões problemáticas. Também fazia com que os diretores e outros cineastas tivessem algo para competir entre si, em vez de competir contra os executivos e contra os estúdios.

Por conta dessa questão da Academia, alguns profissionais que trabalhavam em torno dos filmes, como editores, ganharam um status de artista, e não de trabalhador comum, o que acabou representando mais um golpe na questão dos sindicatos.

Essa tentativa de enfrentar os sindicatos acabou não sendo muito bem-sucedida, porque eles surgiram e suas greves geralmente marcam muito a indústria cinematográfica, realmente causando grande impacto no planejamento dos estúdios. Mas a questão da legitimidade que a premiação traz é inegável.

Academia sem critério

Porém, claro, a Academia erra, e muito, na hora de indicar e premiar filmes. Existem muitos filmes excelentes e célebres que todos nós concordaríamos serem os melhores já feitos, mas que não foram indicados a nada.

Há também o problema de que os Oscars tentam se posicionar como um prêmio do cinema mundial, mas, na verdade, é basicamente Hollywood, o que fez com que a vitória de Melhor Filme de “Parasita” em 2020 fosse, de fato, algo surreal e sem precedentes. Historicamente falando, Hollywood tem um problema muito grande com legendas.

Cinema como indústria e o artista como trabalhador

É importante termos essa noção da origem dos Oscars porque é comum pensarmos que o artista não é um trabalhador, e isso faz com que o artista sofra.

Que conste: não quero dizer que ser artista é necessariamente mais digno ou intrinsecamente mais difícil que ter outras profissões. As pessoas fazem escolhas na vida. Mas existe uma certa falta de legitimidade no ofício de quem trabalha com arte que não ocorre com outros cargos e outras funções. Muita gente acha que artista é uma figura que acorda quando quer, trabalha quando tem inspiração, não precisa assinar carteira e por aí vai.

Muitos profissionais de categorias premiadas batem ponto, têm contrato, carteira assinada, precisam prestar o número de horas trabalhadas por dia, mesmo que recebam uma carga horária muito superior ao que é possível executar no tempo previsto para ser trabalhado diariamente. Tudo isso, às vezes, para escutar “Mas qual é o seu trabalho de verdade?”

Algo numa linha de: Se você é artista, contente-se com reconhecimento – provavelmente o motivo que o seu ego inflado te convenceu que merece acordar tarde ao contrário de nós. Se quer dinheiro, arrume um emprego.

Nenhuma profissão merece esse tipo de estigma. Até porque você provavelmente abriria mão de muita coisa na sua vida antes de abrir mão dos produtos culturais que consome.

O cinema brasileiro: preconceitos e realidades

Com Oscar ou em Oscar, sempre vai ter gente dizendo que cinema brasileiro não é um cinema de verdade, que nossas produções não são válidas, de que tudo que sabemos abordar é violência, um humor barato e apelativo ou “filme de pobre”. Essa é uma visão muito limitada que, honestamente, qualquer Google ou ChatGPT desmente em segundos.

Ao mesmo tempo, entendo de onde vêm essas críticas. É óbvio, o cinema brasileiro não tem o mesmo porte de Hollywood. Na verdade, nenhum no mundo tem o porte de lá. Mas se compararmos com outros, como o mercado francês ou argentino, por exemplo, são mais estruturados que o brasileiro. Por quê? Porque são países que reconhecem com incentivos e com valorização o seu cinema muito mais do que o Brasil.

O cinema nacional ser muito dependente de comédia romântica em termos de bilheteria, por exemplo, é algo que a França também enfrenta de uma maneira exatamente igual. Só que aqui não existe um “reaproveitamento” dos lucros ou estruturas para fazer mais obras de outro tipo em escala. Fazer um longa de qualquer tipo no Brasil é um trabalho hercúleo que faz com que fiquemos reféns de certos estereótipos ou expectativas.

O papo de que o cinema brasileiro tem muita violência e muita pobreza reflete nossa realidade. Somos um país de terceiro mundo. Claro, com uma economia pujante hoje em dia, mas de um histórico de luta para superar mazelas e miséria.

Caminhos para o fortalecimento do cinema nacional

A melhor forma de mudarmos isso é trazer mais vozes, mais incentivo, porque somos um povo extremamente criativo, extremamente talentoso. O Brasil é uma miscelânea de histórias e vivências, por isso é um solo muito fértil para grandes obras, mas precisa-se de uma certa estrutura.

Lei Rouanet é um artifício básico que passa por várias artes e é o mínimo que poderíamos esperar.

Para o cinema brasileiro, voltou no ano passado a lei de cotas, que obriga os cinemas pelo Brasil a exibirem filmes feitos aqui. Há uma quantidade mínima obrigatória a ser exibida dependendo do número de salas disponíveis. E depois disso?

Tornar a opção desejável no “confronto” contra grandes e explosivas produções hollywoodianas. Poderia ser fazendo com que filmes produzidos no Brasil tivessem ingressos a preços mais populares. O brasileiro gosta muito de ir ao cinema, só não vai pelo preço. Sempre quando há promoção de ingresso a dez reais, todas as salas lotam.

Garantir mais salas de cinema. Quem mora em grandes cidades não sofre com isso. Mas as pequenas tendem a não ter uma sala de cinema sequer. É necessário se deslocar até outra cidade, às vezes muito distante, para conseguir assistir a um filme.

Futebol e cinema são espetáculos

Fazendo uma comparação novamente com o futebol, claro que construir uma sala de cinema não é tão fácil quanto fazer um campinho de futebol. No país do futebol, todas as cidades têm uma estrutura necessária.

Por que não podemos garantir, ou buscar garantir, que toda cidade tenha uma sala de cinema? Se houver uma sala de cinema, fica muito mais fácil as pessoas irem, consumirem e debaterem. E isso, na criação de um mercado, é muito importante. Se ninguém assistisse, se ninguém fosse ver partidas de futebol, o futebol não seria tão grande quanto é hoje.

No futebol, existe preocupação com carreira, com infraestrutura e com o comércio muito grandes. Um time de futebol tem uma equipe de profissionais preparados, tentará ter a melhor estrutura possível sempre, buscará os melhores talentos e investirá numa base para que sempre tenha os melhores jogadores, acompanhando-os o quanto antes, desde cedo.

Há todo um comércio em torno, como o de camisas, que é o mais óbvio, mas também de qualquer produto com a logo do clube. A mesma coisa pode acontecer com o cinema.

Um elenco galáctico

O sucesso de “Ainda Estou Aqui” não é um acaso e não é fruto de sorte, mas de pessoas como o diretor Walter Salles, que já fez o brilhante “Central do Brasil”, a Fernanda Torres, que já recebeu indicações internacionais antes e é uma profissional de carreira longeva, Selton Mello, de igual jornada marcante, e outros grandes profissionais.

A melhor chance que temos de conseguir ser indicados ao Oscar novamente é vivermos num país com mais profissionais experientes, com a infraestrutura necessária para conseguir produzir mais. E para isso, precisamos investir, formar, capacitar e apoiar.

Cinema dá dinheiro, é uma indústria gigantesca. E o Brasil tem um solo fértil para isso.

Ganhamos o nosso primeiro Oscar ontem.

Agora, é trabalhar para que seja o primeiro de muitos.

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