o filme da vez

o filme da vezMárcio Pannunzio

Coluna de opinião da série Foto em Foco

Márcio Pannunzio, texto & fotos

Não é ainda estou aqui. Civil War sim; andava esquecido, o impacto da sua história distópica reverberando xenofobia e permeada de imagens sangrentas foi minguando, diminuindo, sumindo. Presidia um Estados Unidos em guerra civil, um presidente branco loiro coroa que surge vacilante, treinando uma fala que arrota vitória, logo nos primeiros fotogramas. Wagner Moura, transbordando adrenalina, atua lado a lado duma Kirsten Dunst amargurada, num estado de catatonia que muito contrasta com a curiosidade apaixonada de Cailee Spaeny. Completando o grupo, a presença carismática de Stephen McKinley Henderson como um repórter experiente em fim de carreira.

Essas duas atrizes lançaram luz sobre um ofício desvalorizado: o de fotojornalista. Num mundo inundado por imagens, notícias antes de serem lidas, são vistas através de fotografias e vídeos onipresentes nos impressos e nas telas. Fotojornalismo de primeira não se presta à ilustração; expressa opinião. O texto sintetiza a informação; a foto bem-feita vai além, ela a ilumina e comenta. Fotojornalistas talentosos tem grande bagagem cultural e artística que lhes possibilita exercitar um olhar fotográfico que penetra e destrincha o cerne da cena retratada. Kirsten brilha como habilidosa fotógrafa de guerra traumatizada pela profissão. Lee Miller, seu nome é uma escancarada homenagem à corajosa artista que o eternizou fotografando o horror da segunda guerra para a revista Vogue britânica que não as publicou. Foram depois estampadas sob o título de believe it na Vogue americana. Virou filme libelo contra a barbárie que, insepulta, revive e nos assombra. Feito com baixo orçamento e interpretado por Kate Winslet, – também sua produtora abnegada. Indicada ao Globo de Ouro de 2025 por melhor atuação dramática, perdeu pra Fernanda Torres do ainda estou aqui. Ao ver Hitler numa projeção caseira, Kate/Lee fala “nem todos podem acreditar nisso. Certamente podem ver o que ele é”. Pois é. Se viram, ignoraram e a Europa então ruiu. Caileen atuando como aprendiz de Kirsten, trabalha com câmera analógica, uma clássica Nikon FE 2 da década de 80. Precisa revelar as fotos, tiradas com filme preto e branco. Esse processo demora e na era da notícia instantânea, direto da câmera digital pra redação do jornal, isso é um luxo impraticável. Essa sua atitude inusitada estimula o debate do risco do primado da tecnologia na ação de fotografar reforçando o pensamento de que é o equipamento o autor da foto, não o fotógrafo. Ponto alto do filme não é o seu desfecho quase previsível, mas o encontro do grupo de jornalistas em trânsito numa terra arrasada com o miliciano ultra direitista racista assassino interpretado com grandiosidade por Jesse Plemons. Óculos vermelhos deram ao personagem com uniforme militar uma aura excêntrica que potencializa o efeito perturbador do seu comportamento belicoso:

“Que tipo de americano você é? Do Norte, Central ou Sul? De onde você é?”

Wagner Moura ficou transtornado com o desenlace dessa cena e confidenciou que

“Sou cidadão americano, mas falo com sotaque e não sou daqui. Isso me fez começar a pensar: ‘E se eu estiver dirigindo em algum lugar no interior dos EUA e parar em um posto de gasolina e alguém me perguntar de onde sou ou o que estou fazendo lá? Como eu reagiria?’”

Agora há lá um movimento de deportação em massa que torna essa preocupação muito mas muito mesmo maior; a torna um temor, um pavor, um pesadelo horrível torturando toda gente de fenótipo latino e asiático e árabe que é vista como estrangeira num local onde a mentalidade eugenista, derrotada na guerra contra o nazismo, volta à vida contaminando e adoecendo a população nativa. Nesse país chefiado pelo autocrata da extrema direita alaranjado Trump, seria descabido rever com olhar atento Civil War?

E afinal, o que tornaria esse filme britânico-estadunidense magistral, atual entre nós?

Esse cartaz panfletário circula nas redes sociais. Com a foto dum Bolsonaro de olhar altaneiro, numa pose de semblante aguerrido, conclama para revolução civil. Revolução não é a palavra adequada ao contexto da incitação. Cabe aqui a palavra guerra. Pois é isso que desejam os sectários do mito messias genocida golpista: guerra civil no Brasil. Afortunadamente, vão esperar gritando hino nacional pra pneu de caminhão ou brandindo celular no cocuruto pra atrair apoio dalgum general alienígena.

“E eles simplesmente escapam impunes”.

Fala de Kate Winslet num momento de desabafo de Lee Miller, num dos instantes mais doloridos desse filme magnífico onde a atriz e a pessoa interpretada se fundem e sentimos, olhando a tela, a sua gigantesca dor, a sua decepção de perceber a vitória da impunidade.

Quem acredita que Bolsonaro seja preso, corre o risco de se decepcionar. Se não ocorrer sua prisão preventiva e em breve, antes da sentença judicial ser proclamada, ele pode fugir pros estates trumpistas, pra argentina mileizista ou pra hungria orbanista. Destino primeiro talvez fosse junto aos brazucas foragidos da lei Alan Santos & Paulo Figueiredo e junto também aos gringos reacionários terraplanistas xenófobos, especialmente os que de bom grado se travestiriam de milicianos justiceiros feito o Jesse Plemons da Civil War. Daquele lugar que ora vira fim de mundo, se proclamaria comandante da oposição à ditadura brasileira. Essa que, felizmente, só existe na imaginação alucinada dos que querem anistiar crimes contra a democracia. Nem todos podem acreditar nisso, se diz novamente e certamente, verdadeiramente vendo, se dirá: anistia não, anistia jamais.

 

P.S.: Este artigo numa coluna que se intitula Foto em Foco sai sem foto. Mas há foto nova que vale a pena ver.

A congada de Atibaia. Passando pela cidade, estava acontecendo a sua congada. Marcando diferença em relação a de Ilhabela, existem congadas de quatro cores e mulheres congueiras. Há mais instrumentos musicais.

A exposição Emaranhadas no Museu de Arte e Cultura de Caraguatatuba que assim iniciou sua programação de 2025 em alto nível.

A Primeira Conferência Livre de Meio Ambiente de Ilhabela.

E como é carnaval, fotos dele com foco nos carros alegóricos. Arte & engenho feitos por gente que permanece anônima apesar do seu talento. Poderiam permanecer expostos nas praças, nas ruas, mantendo viva e a alegria que proporcionam pelo tempo tão pequeno do desfile.

Já terminando, Odio Insania.

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