Precisamos Aprender a Ouvir o Que a Vida Tem a nos Dizer

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O despertador faz o seu trabalho. Os olhos se esforçam para abrir. O corpo se espreguiça, sentindo ainda a rigidez do dia anterior. Os pés encontram o chão frio. Caminham diretamente para o banheiro. Um jato de água fria no rosto afasta qualquer resquício do sono. Como faz todas as manhãs, olha para o espelho e afirma “hoje vai ser um bom dia.”

Essa descrição poderia servir para qualquer ser humano, em qualquer parte do mundo. A não ser pelo fato de que, em poucas horas, o único som que ele ouvirá será o alarme estridente do quartel – BEEP! BEEP! BEEP!, seguido pela voz grave e firme, ecoando no alto-falante: “Incêndio devastador em Palisades. Possíveis ocupantes no interior das casas.”

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O que leva alguém a escolher a profissão de bombeiro?

No Japão, há um conceito que explica o motivo pelo qual uma pessoa se levanta todas as manhãs. Ikigai. A interseção entre o que você ama, o que você faz bem, o que o mundo precisa e aquilo pelo qual você pode ser pago. Quando esses quatro elementos se alinham, você encontra seu propósito, sua razão de existir.

Por quase duas semanas, em janeiro de 2025, acompanhamos com o coração apertado os incêndios devastadores na Califórnia. Em um desses dias, enquanto trocava mensagens com John Martin — meu ex-chefe e uma das mentes mais brilhantes que já conheci — ele compartilhou a angústia de precisar abandonar sua casa. Relatou como ele e sua família, mesmo no meio daquela desordem, faziam o possível para ajudar vizinhos que haviam perdido absolutamente tudo. Suas palavras me fizeram refletir profundamente.

Em que momento paramos de dar valor aos bombeiros, professores e enfermeiros, que dedicam suas vidas a salvar, ensinar e curar, e passamos a endeusar aqueles cujo único interesse é acumular riqueza, ganhar poder, explorar e descartar? Sem falar no ego hipertrofiado, que mal caberia em Marte.

Não me entenda mal. Dinheiro é essencial. Poder, quando usado com a intenção certa, pode transformar positivamente vidas, empresas e sociedades. Mas nosso cérebro foi programado para a sobrevivência, não para a felicidade. Medo era o que mantinha nossos ancestrais vivos. Traumas de guerras, escassez e perdas moldaram gerações. E, de alguma forma, essa dor se transformou em egoísmo.

Somos perigosos quando não temos consciência de nossa responsabilidade sobre como pensamos, sentimos e agimos.

Palavras são feitiços. Curiosamente, a palavra “feitiço” vem do inglês antigo “spellian”, que significava “falar”. Com o tempo, “spell” passou a significar “encantação mágica”, porque palavras têm poder. Elas constroem ou destroem. Libertam ou aprisionam.

O mundo precisa de bons exemplos.

Na semana passada, a escola da minha filha, Isadora, convidou alguns pais para falarem sobre suas profissões. O primeiro a se apresentar foi Douglas Khayat, pai da Helena, psicólogo humanitário. De forma remota, pois havia se mudado para o Haiti, ele compartilhou sua experiência, ajudando pessoas em zonas de conflito. Contou que, no dia anterior, havia atendido motoristas de ambulância que resgatam vítimas da guerra civil e vivem em constante estado de estresse.

Meus ouvidos não deixaram escapar uma conversa paralela, entre duas meninas: “Mas por que essas pessoas vivem assim, se elas não querem guerra?”

Dessa vida, a gente só leva o que sentiu.

Quando chegou a minha vez de contar sobre a minha carreira, senti um orgulho imenso em mostrar para aquelas crianças que, independente da profissão que você escolher, a opção de usar o seu talento e suas habilidades em prol da humanidade é sua. Só sua.

Dick Parsons foi um dos executivos negros mais proeminentes do mundo corporativo nos EUA. Ocupou o cargo de CEO na Time Warner e Chairmain no Citigroup. Ele costumava dizer que “é possível ter sucesso e fazer o bem ao mesmo tempo.”

Podemos escolher compaixão em meio ao caos. Gentileza e ética no trabalho, e fora dele. Cada pequena escolha importa.

E há muitos motivos para termos esperança.

Quatro das cinco marcas mais valiosas do mundo são de tecnologia. Algumas de suas lideranças já demonstraram compromisso em tornar o mundo um lugar melhor. Bill Gates, fundador da Microsoft, já doou mais de US$ 100 bilhões , para combater doenças como a malária, e também reduzir a pobreza. Tim Cook, CEO da Apple, tem se posicionado firmemente contra o fim de programas de diversidade e inclusão. A tecnologia por si só não resolve tudo, mas, quando bem utilizada, pode criar um mundo mais sustentável, saudável e acessível para todos.

Um incêndio brutal como o da Califórnia deveria nos lembrar que o mundo não muda de um dia para o outro, mas cada gesto conta.

Se a vida pudesse falar, talvez ela dissesse algo assim: “Cuidem da natureza, e eu cuidarei de vocês.”

P.S.: Eu celebro e honro os 14 mil bombeiros dos EUA, México e Canadá que, com sua coragem inabalável, arriscaram suas vidas para servir ao próximo.

Luciana Rodrigues é conselheira do board da Junior Achievement, membro do conselho da Iniciativa Empresarial pela Igualdade e do comitê estratégico de presidentes da Amcham. Também é aluna de pós-graduação em neurociências e comportamento.

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