Conheça a Pesquisadora da USP Vencedora de Prêmio Global de Ciência

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“É uma vitória para as jovens cientistas mulheres do Brasil”, diz a pesquisadora Fabiana Corsi Zuelli, da Universidade de São Paulo, a primeira brasileira a vencer o prêmio global da Universal Scientific Education and Research Network (USERN). A pesquisadora foi escolhida entre 90 mil candidatos por um júri de 600 cientistas, incluindo vencedores do Nobel. “Representar isso traz responsabilidade, mas também muita alegria.”

Doutora pela Faculdade de Medicina da USP de Ribeirão Preto, Fabiana Zuelli é responsável por uma pesquisa que relaciona fatores biológicos e ambientais com transtornos psicóticos. A paulista ganhou destaque na premiação em novembro do último ano por seus oito anos de estudo na área. “Precisamos que o trabalho do cientista seja reconhecido no nosso país. É um trabalho sério, exaustivo, demorado e, muitas vezes, frustrante, mas sempre com o objetivo de levar os benefícios para a sociedade.”

O prêmio reconhece a trajetória de cientistas com menos de 40 anos que proporcionaram algum impacto para a sociedade com seus estudos. O júri considera tanto o impacto científico, como publicações e citações, como a trajetória do pesquisador e suas colaborações. “Tive várias oportunidades de fazer estágios no exterior e acho que isso chamou a atenção no currículo e na avaliação na hora de ser selecionada”, conta Fabiana, que já participou de pesquisas em universidades da Inglaterra e do Canadá.

A pesquisadora se destaca em uma área historicamente dominada pelos homens. Segundo a ONU (Organização das Nações Unidas), as mulheres representam apenas 35% dos estudantes matriculados em cursos de graduação em STEM (sigla em inglês para Ciências, Tecnologia, Engenharia e Matemática). “Várias barreiras históricas nos impediram de ocupar esse espaço por muito tempo”, afirma. “Durante séculos, nosso conhecimento foi silenciado, nossas contribuições foram invisibilizadas e o acesso à pesquisa era um privilégio restrito.”

No Brasil, as mulheres representam 43,7% dos pesquisadores, de acordo com dados do CNPq (Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico). No entanto, ainda são poucas as que chegam a cargos de liderança. Segundo a Unesco, apenas entre 5% e 10% das pesquisadoras no mundo ascendem a posições mais altas no campo das ciências, aquelas que de fato têm reconhecimento. “Ao longo do tempo, fui percebendo que cada conquista não era só minha, mas também era mais um passo para abrir espaço para outras mulheres.”

“A diversidade traz novas perspectivas, perguntas e soluções mais criativas para os desafios que nós estamos enfrentando enquanto sociedade. A ciência precisa de vozes diferentes e as mulheres têm muito a contribuir. Espero que, cada vez mais, possamos furar essa bolha e ocupar esses espaços.”

Embora o prêmio global USERN reconheça cientistas em início de carreira, Fabiana já tem uma longa jornada no meio científico. Neste Dia Internacional das Mulheres e Meninas na Ciência, conheça a trajetória da pesquisadora.

Paixão, talento e ciência

Com mais de 15 anos de carreira, a cientista teve sua trajetória marcada por diversas premiações internacionais. Antes do prêmio global da USERN, conquistou reconhecimentos de organizações globais, como a Sociedade Internacional de Pesquisa sobre Esquizofrenia, a Sociedade de Psiquiatria Biológica e a Federação Mundial das Sociedades de Psiquiatria Biológica, que destacam cientistas em início de carreira de vários países. Também recebeu o Elsevier Award pela Sociedade de Pesquisa em Psiconeuroimunologia em maio de 2024, que premia cinco pesquisadores em início de carreira nessa área de estudo ao redor do mundo.

“Na pesquisa, grande parte dos resultados envolve frustração: criamos hipóteses e muitas vezes elas não se confirmam. Mas isso faz você desenvolver o pensamento crítico, aprender com seus erros e continuar tentando. É muito gratificante quando conseguimos trazer um avanço para o conhecimento, para ciência e para a sociedade.”

Incentivada pelo pai, que é biomédico, desde criança, Fabiana brincava com microscópios e estava inserida no universo científico. “Ele me levava junto quando ia para o laboratório e eu sempre ficava muito fascinada com os instrumentos.”

Ao ingressar na graduação, em 2009, não demorou muito para se envolver com a pesquisa acadêmica. Conseguiu uma bolsa para iniciação científica com um projeto sobre saúde mental na atenção primária à saúde. “Desde a minha graduação, o tema da saúde mental virou minha paixão.”

Ainda na faculdade, investigou mecanismos de doenças em roedores e realizou dois intercâmbios. Ao retornar, teve a certeza de que queria seguir na carreira acadêmica. “Essa exposição foi muito boa para desenvolver minha escrita científica, me envolver em grupos internacionais e entender a direção que eu queria para a minha carreira.”

A pesquisa que levou a cientista ao prêmio global da USERN

Em 2016, Fabiana iniciou o mestrado em um programa de pós-graduação em neurologia e neurociências na Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto para pesquisar a relação entre psicoses e fatores biológicos e ambientais. “Psicoses são transtornos mentais graves que trazem muito sofrimento para a pessoa, para a família e para a sociedade”, explica a cientista. “Precisamos de uma identificação precoce, mas ainda não sabemos exatamente a causa desses transtornos.”

Hoje, a pesquisadora investiga o sistema imunológico. “Embora seja um sistema de defesa do corpo, em algumas situações ele pode ter uma função negativa”, diz. Fabiana busca entender como ele se relaciona com fatores ambientais como os maus-tratos na infância e o consumo de maconha. “Investigo essas relações para desenvolver estratégias que previnam a exposição a fatores de risco e identifiquem novos alvos para terapias inovadoras.”

Segundo a cientista, atualmente cerca de 30% dos pacientes diagnosticados com psicose não respondem à medicação em prática. “Se encontrarmos novos alvos, podemos desenvolver potenciais terapias para auxiliar, reduzir o dano e aumentar a qualidade de vida dos pacientes.”

O estudo é um recorte de um projeto de 16 centros de cinco países. Para Fabiana, um dos grandes marcos do projeto foi a criação do Ambulatório de Primeiro Episódio Psicótico no Hospital das Clínicas de Ribeirão Preto, que hoje é referência para os pacientes da região. “Ele foi concebido para promover essa inter-relação: oferecer um espaço para atender os pacientes e coletar dados para pesquisa e proporcionar serviços que contribuem para a melhoria da qualidade de vida das pessoas atendidas.”

Descobertas da cientista

Entre os principais resultados da pesquisa, Fabiana destaca que foi possível identificar subgrupos de pacientes com psicose que apresentam um quadro inflamatório detectável no sangue. “Dados mostram que essa inflamação no sangue tem uma associação com a piora de sintomas psicológicos e com alterações no cérebro”, explica. “Não é uma relação de causa e efeito, mas indica que as duas coisas estão caminhando juntas.”

Entre os pacientes avaliados, aqueles que sofreram maus-tratos na infância apresentaram alterações inflamatórias mais intensas. “Esse é um subgrupo que exige atenção porque tem maior risco de psicose.”

Além disso, pacientes com inflamações exacerbadas eram mais vulneráveis aos efeitos prejudiciais do uso diário de maconha. “Dados indicam que o consumo diário de maconha pode aumentar em até três vezes o risco de psicose.”

Impacto para a sociedade

As descobertas já são levadas em conta no trato com os pacientes, mas Fabiana explica que ainda pode levar anos para que os efeitos da pesquisa tenham um impacto na população. “É um grande avanço fazer a descoberta, mas a aplicabilidade clínica demora. É apenas a ponta do iceberg. Por ser um transtorno tão complexo, os resultados já são bem interessantes.”

Para a pesquisadora, o estudo também evidencia a importância de políticas públicas para prevenir a ocorrência de fatores de risco modificáveis. “Podemos prevenir traumas na infância e o consumo diário de maconha.”

Além disso, a cientista destaca a necessidade de ampliar os serviços de identificação precoce no Brasil, como o ambulatório de Ribeirão Preto. “Quanto mais rápido e mais precocemente você identificar e tratar esse indivíduo, melhor é o prognóstico e a restauração da funcionalidade e da autonomia dessa pessoa para o dia a dia.”

O que vem pela frente

Enquanto isso, Fabiana também participa do primeiro ensaio clínico do mundo na Inglaterra sobre tratamento direcionado de pacientes diagnosticados com psicose. “Hoje, na medicina, nós tratamos as pessoas diagnosticadas com psicose de maneira protocolar”, afirma. “Nesse ensaio clínico, tentamos um tratamento mais direcionado de acordo com as características do indivíduo, com diferentes fármacos.”

Para aprofundar a perspectiva de terapias mais direcionadas, a pesquisadora iniciou um pós-doutorado na universidade de Oxford neste ano. No Brasil, ela continua a pesquisa com pacientes no serviço de emergência ambulatorial. “Nesse momento, nosso foco é caracterizar melhor os diferentes tipos de células envolvidas nessas alterações biológicas.”

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