Forbes CEO: Lívia Chanes e Seus 100 Milhões de Clientes no Brasil

Forbes, a mais conceituada revista de negócios e economia do mundo.

A partir desta semana, a Forbes vai publicar entrevistas semanais com os CEOs das maiores empresas do Brasil. A estreia é com Lívia Chanes, principal executiva do Nubank (ROXO34)

O banco digital foi fundado em 2013 e oferecia apenas um cartão de crédito. Quase 12 anos depois, a instituição financeira tem 100,77 milhões de clientes no Brasil no fim do quarto trimestre de 2024, segundo dados do Cadastro de Clientes do Sistema Financeiro Nacional (CCS) do Banco Central (BC).

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O Nubank está crescendo também no exterior. Além das operações no México e na Colômbia, no ano passado foram realizados investimentos no Tyme, banco digital com operações na África do Sul e nas Filipinas, além da fintech indiana Jupiter. Não por acaso, David Vélez, fundador do Nubank, avalia a possibilidade de transferir o domicílio fiscal para o Reino Unido.

No comando dessa operação está Lívia Chanes, engenheira formada pela Escola Politécnica da Universidade de São Paulo, a Poli, e com mestrado em desenvolvimento sustentável na Escola de Engenharia Francesa. Aos 42 anos, casada, dois filhos, Chanes está no comando da terceira maior instituição financeira do Brasil em número de clientes, apenas atrás da Caixa Econômica Federal e do Bradesco. E lidera uma empresa que pode ser classificada (de verdade) como inovadora e disruptiva em seu setor. Chanes falou com a Forbes:

Família e formação

Nasci em Santo André, na Grande São Paulo. Meus pais, já falecidos, eram funcionários públicos. Meu pai era diretor de uma escola estadual e minha mãe era professora de português. Eles se conheceram no trabalho. 

Se eu fosse seguir a tradição familiar eu teria sido professora. Mas eu sempre tive um lado um pouquinho rebelde. É por isso que eu gosto tanto de trabalhar no Nubank, aqui tem essa pegada. Sempre respeitei muito os meus pais, mas não me via seguindo a trajetória deles no serviço público.

Quando chegou a hora de eu escolher um curso, meu pai foi muito honesto comigo. Ele disse “filha, você terá de fazer uma universidade pública, porque não temos condições de pagar uma faculdade privada”. E ele também deixou outra coisa muito clara. “Depois que você se formar, é com você.”

Naquele momento havia três cursos “tradicionais”: medicina, direito e engenharia. Eu não sou uma pessoa de Humanas, eu sou de Exatas, então direito não era uma opção. Nunca vi medicina como uma vocação. E sempre gostei de matemática e de ciências, então a opção foi engenharia. Passei no vestibular e fui para a Poli.

E lá tive outra grande oportunidade. A Poli tinha um convênio com as escolas de engenharia francesas. E o consulado da França financiava cursos de francês para os alunos com boas notas. Fui aprender francês de graça, já pensando em estudar fora. Fiz minha aplicação para o mestrado e fui aceita. Foi quando tomei contato com a cultura europeia, que sempre me atraiu mais do que a americana. Tanto que quando surgiu a oportunidade de cursar um MBA, fui para o campus do Insead em Cingapura. Pensei: “já conheço a Europa, vou ver como é a Ásia”.

Carreira e liderança

Me graduei e fiz mestrado em engenharia, mas nunca fui engenheira de fato. Trabalhei com isso por um período curtíssimo. Eu gosto muito de números. Tive, e tenho, uma abordagem bastante quantitativa das questões. Mesmo assim, estudei muitas outras coisas de maneira menos ortodoxa, e isso complementa minha forma de ver o mundo e minha atuação como líder.

Comecei minha carreira no Itaú Unibanco, e depois trabalhei na consultoria McKinsey, que é uma empresa muito estruturada e focada em processos. Mas minha atuação no Itaú foi muito pouco linear. Eu trabalhei nas áreas de tecnologia, inovação e design e experiência do usuário. E na McKinsey eu trabalhei em todas as indústrias, todas as funções possíveis. 

O meu estilo de liderança é bastante objetivo. Sou muito honesta e muito estruturada nas coisas que eu faço. Mas eu também tenho um lado conceitual muito forte de cuidado com as pessoas, de humanização.

Razão e sensibilidade

Esses dois lados, o quantitativo e o menos ortodoxo, influenciam muito meu processo de tomada de decisão. Por exemplo, quando vamos lançar um produto ou serviço novo, é claro que nós fazemos toda a análise objetiva. Fazemos todas as perguntas. “Quantos clientes esse serviço pode atingir? Qual o tamanho desse mercado? Quanto desse mercado podemos acessar?”

Porém eu também faço outras perguntas. “Como vamos criar algo que, além de ser justificável do ponto de vista dos números, também traga encantamento? Como faremos algo que o cliente olhe e diga ‘cara, isso é muito legal’ e que nos deixe orgulhosos de contar para nossos parentes e amigos? Como criar algo que faça os olhos das pessoas brilharem?” O portfólio que estamos construindo mostra isso.

Um bom exemplo é o nosso cartão Ultravioleta. Ele tem as funcionalidades dos demais cartões. Porém, no desenvolvimento, nós perguntamos: “O que vamos fazer diferente?” Decidimos olhar o lado humano dos clientes. Eles são casados, têm família. Como ser diferente aqui? Criamos o espaço família, onde os clientes conseguem estender os benefícios do Ultravioleta para membros da família. 

Alguém poderia perguntar: “Lívia, o que que o espaço família vai adicionar no resultado financeiro do Ultravioleta? E a resposta honesta é “eu não sei”. Não dá para saber. Mas é algo importante para chamar o lado emocional das pessoas e é a forma como entregamos as coisas para os nossos clientes. Não é só mais um cartão que dá acesso à sala VIP no aeroporto. Que também é importante, mas não faz a diferença.

Resolvendo problemas

Atualmente somos um aplicativo que os clientes usam para resolver diversos problemas das vidas deles. Pode ser que no futuro o próprio conceito de aplicativo mude, mas a ideia será essa. 

O problema inicial dos clientes que nós escolhemos para resolver foram os serviços financeiros. Eles são importantes por vários motivos. Primeiro porque são produtos e jornadas de altíssimo engajamento, altíssima frequência. O dinheiro é o dia a dia das pessoas. Tudo passa por dinheiro hoje. Então é excelente para a construção de audiência e de engajamento com os clientes. 

Porém nós não nos limitamos a isso. Onde houver um problema do cliente que seja uma oportunidade para nós, estaremos lá. Já desenvolvemos uma vertical de shopping, outra de viagens, e estamos sempre estudando outras verticais em que pode haver sinergia com que já fazemos.

Por isso partimos desses produtos financeiros e dessa mecânica de engajamento e vamos agregando serviços em volta. Quais serão os próximos? Eu não sei, acho que ninguém saberia te responder, nem o David [Velez, fundador do Nubank].

Tecnologia no centro

O fato de o Nubank se definir como empresa de tecnologia e não como banco fez e faz toda a diferença na forma como desenvolvemos nossa plataforma. As decisões da tecnologia são estratégicas para o negócio.

Em empresas mais tradicionais a TI não está no centro do processo de decisão. E o resultado é que os líderes das áreas de negócio traçam a estratégia e ficam atormentando a área de TI para entregar na data. Eu ouvi uma frase que nunca esqueci: “não quero saber se o pato é macho, eu quero os ovos”. É uma maneira de ver a questão. Mas no Nubank nós olhamos isso de uma maneira muito mais estratégica.

Sempre avaliamos várias alternativas para uma decisão. Surge uma oportunidade no mercado que pode ser endereçada com um produto. Claro que será bom se eu puder lançar esse produto amanhã. Mas sempre nos perguntamos: será que não faz mais sentido lançar daqui a três meses, com uma tecnologia mais flexível e que permita escalar de maneira mais fácil? 

Eu posso optar por uma solução que ganha tempo. Mas e se crescer mais do que o esperado? Plataformas são pequenos monstros. As decisões que você toma para acelerar, vão aumentar exponencialmente os custos e o trabalho para resolver os problemas à medida que você ganha escala.

Gestão de pessoas

Fizemos um trabalho de avaliação e eu fui definida como uma líder honesta e “caring”. Acho que a melhor tradução para essa palavra é “cuidadosa”, no sentido de tomar cuidado com as pessoas. 

É uma síntese muito boa. Eu sou honesta, factual, objetiva, mas faço disso tentando, da melhor forma, fazer com que as pessoas se sintam ouvidas, tenham espaço e se desenvolvam. Eu uso uma frase em inglês: “I have their back”. Eu estou lá por eles se houver um problema. Mas eu também vou puxar a orelha se alguém fizer algo errado.

No Nubank temos um jeito de trabalhar muito colaborativo. Discutimos muito as coisas entre nós. Eu não gosto muito da palavra colegiado. Colegiado me remete a consenso, que não é algo que buscamos aqui. Gostamos de tomar risco, de tomar decisões não consensuais e ter pessoas que possam tomar essas decisões por si próprias, em vez de tentar trazer todo mundo para o mesmo ponto. Trocamos muito, porque as pessoas têm trajetórias muito distintas. 

Escalando os times

Montar times que sejam fortes e saudáveis é a principal parte da minha descrição de cargo. A maior parte do meu trabalho hoje não sou eu que faço, né? Quem faz são os meus times. Quando eu me pego pensando “ai, nossa, estou com muita coisa pra fazer” é um alerta. É sinal de que não estou dedicando tempo suficiente para desenvolver o meu time, por isso eu estou atolada.

A capacidade de escolher as pessoas certas para as posições certas, organizar e garantir que essas pessoas estejam animadas e motivadas pra fazer o trabalho pra mim é hiper importante. Eu gosto de ter times com perfis muito diferentes, inclusive do meu próprio. Gosto de pessoas que saibam fazer coisas que eu não sei fazer tão bem. Quero alguém que entenda de crédito mais do que eu entendo. Ou de marketing. Ou de programação.

Gosto de times equilibrados com pessoas diferentes entre si. Alguém que é mais analítico, alguém que é mais intuitivo, alguém que é mais experiente, alguém que é mais júnior. Um mais agressivo na tomada de risco e outro mais conservador. É mais difícil gerir um time assim, porque as pessoas discordam mais, mas isso gera soluções melhores e mais ricas.

Ouvir “não”

Eu gosto de recrutar pessoas que saibam dizer não para mim. Essa é uma característica muito escassa e que se torna cada vez mais escassa. Quando meus times param de falar que eu estou errada eu começo a me preocupar muito.

Esse é um feedback que eu dou sistematicamente. Eu digo “vocês precisam falar não para mim”. Porque eu sou uma pessoa de opiniões fortes. Sou muito apaixonada e gosto de fazer muitas coisas ao mesmo tempo. É maravilhoso, mas pode tornar a vida de todo mundo um inferno. Por isso eu tento criar um ambiente em que as pessoas se sintam confortáveis para dizer “linda, você está fazendo merda, isso está errado, não concordo”. 

O algoritmo da intuição

Se você tomar uma decisão 100% baseada em dados, certamente você está convergindo para a média ou para a mediocridade. Nunca direi que dados não importam. Mas é preciso ter um certo componente de intuição. Que você vai construindo com experiência, com as pessoas que te circundam, com o que você ouve. Sem isso você não consegue inovar nem ter um crescimento desproporcional. Você converge para a média. 

O termo intuição remete a uma coisa mais mística. Mas eu defino intuição como um raciocínio estruturado de maneira não convencional. Vejo a intuição como um algoritmo. Uma parte do nosso cérebro que não entendemos como funciona. Uma boa comparação é com a inteligência artificial (IA). É você conseguir ouvir alguma coisa que o seu cérebro não consegue articular, mas que a experiência vai te trazendo. E que melhora com o tempo. Como um modelo de machine learning. Quanto mais dados e mais treinamento, aquilo vai ganhando acurácia.

Mentores

Eu tive a sorte de ter vários mentores muito bons ao longo da minha jornada. Tanto ex-chefes que se tornaram mentores e amigos quanto pares, que hoje são líderes em outras indústrias. São pessoas em cujo julgamento eu confio para pensar em problemas complexos.

Uso esses networks quando preciso ouvir uma opinião diferente. Eu gosto muito da opinião contrária, porque ela aumenta o meu campo de visão e me ajuda a ganhar convicção sobre qualquer assunto. A opinião contrária me permite diferenciar o que realmente acredita do que eu ainda estou em dúvida.

Mesmo que as pessoas não tenham essa profundidade de indústria e do contexto do Nubank, só ouvir essas opiniões externas me mostra onde eu estou no meu ponto de decisão. Às vezes eu descubro que eu estou mais decidida e às vezes descubro que eu ainda estou bem indecisa.

Viagens, música e dança

Desde criança eu tinha o sonho de morar fora da cidade, de viajar. Viajar é a minha paixão, é o que eu mais gosto de fazer na vida. Não é uma coisa de família. Quando eu tive idade para fazer intercâmbio eu não tinha o dinheiro. E a primeira viagem internacional dos meus pais foi para me visitar na França, enquanto eu fazia meu mestrado.

Sou engenheira, mas tenho um lado criativo. Leio muita ficção, gosto de escrever e toco violão. Cheguei a estudar um pouco de piano, mas o violão é meu instrumento principal. E eu sempre dancei. Já fiz um pouco de tudo: balé quando era menina e saía muito para dançar quando fiquei mais velha. Na época da faculdade havia nossos grupinhos de dança. E já fiz dança de salão. Felizmente, o meu marido gosta muito de dançar. 

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