A Revolta do PIX: por que é tão difícil a comunicação do governo nas redes sociais?

É notório que o governo federal enfrenta dificuldades desde o início para construir uma comunicação eficaz nas redes sociais. E, como ficará claro nas próximas linhas, isso vai além de quem ocupa a cadeira de ministro. Um dos episódios mais emblemáticos desse cabo de guerra digital está em curso neste exato momento, um caso que podemos chamar de “Revolta do PIX”. Trata-se de uma crise gerada por uma medida da Receita Federal, na qual o governo parece estar perdendo por goleada.

De ontem para hoje, um dos principais comunicadores da oposição viralizou um vídeo que, às 13h38 enquanto escrevo esta coluna, já ultrapassa 4,7 milhões de reações e alcançou mais de 160 milhões de pessoas. E aqui estamos falando de um vídeo longo para os padrões atuais – quase quatro minutos. Ainda assim, ele explodiu em menos de 48 horas.

O impacto não se limita à publicação original. Segundo meu levantamento, mais de 4 mil posts abertos já replicaram o vídeo em páginas públicas – fora as réplicas em perfis fechados, o burburinho no WhatsApp e a inevitável propagação boca a boca. Para ilustrar, eu mesmo recebi esse vídeo pelo WhatsApp, enviado por um amigo, e não diretamente pelas redes sociais.

Aqui não cabe discutir taxação, fake news ou sigilo fiscal. O ponto central é outro: como Nikolas Ferreira consegue alcançar esse nível de mobilização enquanto o governo federal não consegue sustentar uma narrativa minimamente eficaz?

Centralização versus redes distribuídas

A resposta inicial parece óbvia: está relacionada à agenda do governo. Mas a questão é estrutural e vai além disso. Nikolas e outros políticos digitais operam em redes distribuídas, enquanto o governo e o próprio presidente Lula ainda dependem de uma estrutura que oscila entre centralizada e descentralizada.

Explico: uma rede distribuída é aquela que possui múltiplos líderes e pontos de repercussão. Isso cria resiliência e capilaridade. Se um líder perde acesso a uma plataforma, como ocorreu com Pablo Marçal, sua rede consegue reconstruir uma nova estrutura rapidamente. Já redes centralizadas ou descentralizadas dependem diretamente de figuras específicas e suas pautas.

É importante entender que a rede de Nikolas não é apenas “dele”. Ele faz parte de uma teia mais ampla, composta por diversas vozes alinhadas, que difundem suas mensagens adaptando-as a diferentes públicos. Um exemplo recente é um vídeo de um motorista de aplicativo explicando o impacto das mudanças no PIX para quem complementa a renda dirigindo. Essa contextualização local e pessoal amplia o alcance e a relevância da mensagem.

Método e consistência

Construir uma rede distribuída exige método. Entre as práticas comuns, destacam-se:

  • Fortalecimento de vozes alinhadas, que reproduzem e ampliam mensagens.
  • Conteúdo modular, projetado para ser recortado e redistribuído.
  • Comunidades de base, como grupos de WhatsApp familiares.
  • Produção descentralizada, como memes criados por apoiadores.
  • Engajamento constante com seguidores, mantendo a rede ativa.

Prefeitos como Topázio Neto (Florianópolis), JHC (Maceió) e João Campos (Recife) também operam com redes distribuídas, mas bem organizadas, conectando-se diretamente com suas comunidades locais. Veja, Topázio faz parte da rede distribuída da cidade de Florianópolis, não é dono da rede, é um elo influente dela, mesmo que ele fique semanas sem publicar nada, sua influência e pautas continuaram agindo na cidade ainda que ele pessoalmente nada faça.

O desafio do governo

Por outro lado, o governo tem hoje uma estrutura de comunicação rígida, onde a pauta central é muitas vezes dependente de Lula ou de figuras satélites, como André Janones e Erika Hilton. Embora essas lideranças sejam fortes, não existe uma teia de suporte ampla e distribuída para amplificar as mensagens do governo.

Isso explica por que uma narrativa como a isenção do IR para quem ganha até cinco salários mínimos, que deveria ser uma “pauta boa”, tem dificuldade de ganhar tração. Pergunte a alguém em qualquer mesa sobre o status dessa proposta e provavelmente não encontrará respostas claras.

E agora?

A solução para o governo passa por alinhar sua agenda, construir narrativas claras e estabelecer um modelo de comunicação baseado em redes distribuídas. Isso exige tempo, método e comprometimento. Antes de qualquer coisa, o governo precisa ser compreendido – e essa tarefa é mais complexa do que parece.

A “Revolta do PIX” é mais um lembrete: não basta ter boas pautas. É preciso traduzi-las de forma que as pessoas queiram ouvir, compartilhar e debater. Sem isso, o cabo de guerra nas redes continuará desequilibrado. E, como temos visto, não será nada fácil mudar esse cenário.

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