Papa pede “diplomacia da esperança” diante da realidade da guerra

Em importante discurso aos embaixadores acreditados junto à Santa Sé, Francisco indicou uma diplomacia inspirada nos princípios do Jubileu da Esperança

Da redação, com Vatican News

Papa Francisco durante discurso aos embaixadores acreditados junto à Santa Sé/ Foto: Reprodução Vatican Media

Na manhã desta quinta-feira, 9, o Papa Francisco recebeu os embaixadores acreditados junto à Santa Sé para uma das mais importantes e tradicionais audiências do ano, em que passa em resenha os principais desafios da comunidade internacional.

O Pontífice leu a saudação inicial, para recordar que o significado do Jubileu é “fazer uma pausa” no frenesim que marca cada vez mais a vida cotidiana, para revigorar e alimentar com o que é verdadeiramente essencial: redescobrir a filiação com Deus, a irmandade com o próximo, perdoar as ofensas, amparar os fracos e os pobres, deixar repousar a terra, praticar a justiça e redescobrir a esperança. “A isso são chamados todos aqueles que servem o bem comum e exercem aquela elevada forma de caridade que é a política”, assinalou.

Devido a um resfriado, o restante do discurso de Francisco foi lido por Monsenhor Filippo Ciampanelli, que deu voz ao agradecimento ao Decano do Corpo Diplomático, o Embaixador de Chipre, George Poulides, pela saudação em nome de todos os presentes.

Em 2024, foram mais de trinta os Chefes de Estado ou de Governo recebidos no Vaticano. Alguns acordos foram assinados, de modo especial a renovação do Acordo Provisório entre a Santa Sé e a República Popular da China sobre a nomeação dos Bispos. “Sinal da vontade de prosseguir um diálogo respeitoso e construtivo em vista do bem da Igreja Católica no país e de todo o povo chinês”, leu Monsenhor Filippo.

Foram mencionadas as viagens do Papa dentro e fora da Itália no ano que passou: Indonésia, Papua Nova Guiné, Timor-Leste e Singapura, Bélgica, Luxemburgo e Córsega; e as cidades italianas de Verona, Veneza e Trieste. No texto do discurso, o Santo Padre demonstrou sua gratidão às autoridades italianas, pelo trabalho realizado em Roma para o Jubileu.

Da lógica do confronto à lógica do encontro

Uma “amarga constatação” foi feita: o ano de 2025 começou com o mundo dilacerado por numerosos conflitos e com o recomeço de atos de terror “abomináveis”, como os que ocorreram em Magdeburgo, na Alemanha, e em Nova Orleans, nos Estados Unidos.

Francisco lamentou que as sociedades continuem cada vez mais polarizadas, situação agravada pela contínua produção e difusão de fake news, frisou ele, que não só distorcem a realidade dos fatos, mas acabam por distorcer as consciências. Exemplos “trágicos” disso, apontou o Santo Padre, são os atentados sofridos pelo primeiro-ministro da República Eslovaca, Robert Fico, e pelo presidente eleito dos Estados Unidos, Donald Trump.

O desejo do Papa para este novo ano é que o Jubileu possa representar para cristãos e não cristãos uma oportunidade para repensar as relações que unem a todos, superando a lógica do confronto e abraçando a lógica do encontro, “para que o tempo que nos espera não nos ache como errantes desesperados, mas peregrinos de esperança”.

Características da diplomacia da esperança

Perante a ameaça cada vez mais concreta de uma guerra mundial, a vocação da diplomacia é favorecer o diálogo entre todos, incluindo os interlocutores considerados mais “incômodos”: “Todos somos chamados a tornar-nos arautos de uma diplomacia da esperança, a fim de que as densas nuvens da guerra possam ser dissipadas por um renovado vento de paz.”

Deste modo, inspirado pelas palavras do profeta Isaías (61, 1-2a), Francisco traçou as características desta diplomacia da esperança, aliadas às responsabilidades de um líder político perante as misérias deste tempo. E são muitas, constatou: “Nunca como nesta época a humanidade experimentou tanto progresso, desenvolvimento e riqueza, e talvez nunca como hoje se encontrou tão sozinha e perdida, a ponto de preferir não poucas vezes os animais de estimação aos filhos. Há uma urgente necessidade de uma boa-nova”.

Esta “boa-nova” não pode estar à mercê dos modernos meios de comunicação e da inteligência artificial, que podem ser utilizados abusivamente como meios de manipulação da consciência, contribuindo para a polarização, a simplificação da realidade, e, paradoxalmente, o isolamento, em especial através das redes sociais e dos jogos online.

Nesta perspectiva, a educação deve ser voltada a uma “alfabetização mediática”, destinada a fornecer instrumentos essenciais para promover o pensamento crítico. O Pontífice ressaltou a importância de uma boa comunicação no âmbito diplomático, com o cuidado de não instrumentalizar documentos multilaterais, alterando o significado dos termos ou reinterpretando unilateralmente o conteúdo dos tratados sobre os direitos humanos.

Neste contexto, se insere a preocupação do Papa com a colonização ideológica ou com um suposto “direito ao aborto”, que contradiz o direito à vida. “Toda a vida deve ser protegida, em cada um dos seus momentos, desde a concepção até à morte natural, porque nenhuma criança é um erro nem tem culpa de existir, tal como nenhuma pessoa idosa ou doente pode ser descartada e privada de esperança”.

A propósito de Acordos, o Santo Padre manifestou sua apreensão com o enfraquecimento das instituições multilaterais, que já não parecem capazes de garantir a paz nem de responder de forma eficaz aos desafios do século XXI, como as questões ambientais e de saúde pública. “Muitas delas precisam ser reformadas”, defendeu.

Diplomacia do perdão como antídoto à guerra

Uma diplomacia da esperança é também uma diplomacia do perdão. “A guerra é sempre um fracasso! (…) Não podemos aceitar ver crianças morrendo de frio”, disse Francisco, pedindo que 2025 seja o ano do fim da guerra “na martirizada Ucrânia”, do cessar-fogo entre Israel e Palestina, da libertação dos reféns israelenses em Gaza. Paz também na Síria e no Líbano. Perdão na ilha de Chipre, nos vários conflitos no continente africano, em Mianmar e na península coreana.

No continente americano, o Pontífice citou o Haiti, a Venezuela, a Bolívia, a Colômbia e a Nicarágua, “onde a Santa Sé, que está sempre disponível para um diálogo respeitoso e construtivo, segue com preocupação as medidas tomadas contra pessoas e instituições da Igreja e espera que a liberdade religiosa e outros direitos fundamentais sejam devidamente garantidos a todos”.

Com efeito, não há verdadeira paz se não for também garantida a liberdade religiosa. O Papa demonstrou preocupação com as crescentes manifestações de antissemitismo e com as numerosas perseguições contra várias comunidades cristãs, especialmente na África e na Ásia.

Ele denunciou as múltiplas formas de escravidão, a começar no trabalho, algo pouco reconhecido, mas muito praticado. A escravidão da toxicodependência, que afeta sobretudo os jovens. A escravidão dos seres humanos traficados, sendo a maioria migrantes. “Uma diplomacia da esperança é uma diplomacia de liberdade, que exige o empenho conjunto da comunidade internacional para eliminar este miserável comércio”.

Jubileu, ano propício para a prática da justiça

Por fim, a diplomacia da esperança é uma diplomacia de justiça, sem a qual não pode haver paz. “O ano jubilar é um período propício à prática da justiça, ao perdão das dívidas e à comutação das penas dos prisioneiros”, declarou.

No entanto, o Pontífice afirmou não haver dívida que permita a ninguém, nem ao Estado, tirar a vida de outrem, reforçando seu apelo para que a pena de morte seja eliminada em todas as nações.

Justiça também para a “nossa amada Terra”, que parece insurgir-se contra a ação humana através de manifestações extremas do seu poder. Exemplos disso são as inundações devastadoras na Europa Central e na Espanha, bem como os ciclones que atingiram Madagascar, o departamento francês de Mayotte e Moçambique. O Pontífice manifestou seu pesar e oração pelas vítimas do terremoto que dois dias atrás atingiu o Tibete.

“Não podemos continuar indiferentes a tudo isto! Não temos esse direito! Pelo contrário, temos o dever de envidar o máximo esforço para cuidar da nossa casa comum e daqueles que a habitam e habitarão.”

Nesta linha, Francisco reforçou seu pedido às nações mais ricas para que perdoem as dívidas dos países pobres: “Na perspectiva cristã, o Jubileu é um tempo de graça. E como eu gostaria que este ano de 2025 fosse verdadeiramente um ano de graça, rico de verdade, perdão, liberdade, justiça e paz!”.

A todos os embaixadores e aos governos que representam, o Papa formulou seus votos: “Que a esperança floresça nos nossos corações e o nosso tempo encontre a paz que tanto anseia”.

Relações diplomáticas

A Santa Sé mantém relações diplomáticas com 184 Estados. A esses devem ser acrescentadas a União Europeia e a Ordem Militar Soberana de Malta. 

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