Opinião | Projeto Brasil

Há exemplos, na história de outros povos, de avanços rápidos no plano político após o despertar de uma longa noite de imobilismo, como se a sociedade fosse dotada de um inconsciente onde laboram forças criativas que ampliam o horizonte de possibilidades futuras.

Celso Furtado (1920-2004)

É possível superar a polarização e divisão entre direita e esquerda no Brasil? Desde quando ela existe? Melhor, esse antagonismo, às vezes irracional e fanático, se baseia em quais argumentos, ideias e projetos? O que ganhamos do ponto de vista político, econômico, estratégico, social e cultural com a ausência de um grande debate e consenso nacional? Este Projeto Brasil seria baseado em quais premissas e objetivos?

Quais são os caminhos e exemplos mais bem sucedidos do mundo em termos de desenvolvimento tecnológico, inovação, sustentabilidade, democracia, participação social, inclusão e melhoria concreta e efetiva da qualidade de vida de todo o povo? Como superar nosso complexo de vira-lata e subdesenvolvimento e criar um sentimento de ousadia, esperança, força e otimismo? Baseado não apenas no nosso potencial, mas em um projeto capaz de nos transformar na grande nação que temos condições de ser? 

Vivemos em paz; temos as maiores reservas de água potável e biodiversidade do planeta; sol, ventos, rios, biomassa, ondas e energia o ano todo em todos os lugares; uma das terras mais férteis, agricultáveis e extensas do mundo; somos um dos povos mais resilientes e criativos; estamos entre os 10 maiores do mundo em economia, população e extensão territorial; vivemos uma democracia plena, com seus avanços e defeitos; finalmente, temos um governo eleito pela maioria do povo, que escolheu um dos projetos apresentados; eleições regulares com um dos mais avançados e confiáveis sistemas eleitorais de votação eletrônica entre as democracias.

A China, segunda economia mundial, que até a década de 1980 era menor que a brasileira, apresenta uma experiência com a qual podemos aprender, adaptando-a à nossa realidade. Baseada no planejamento central inteligente, em um projeto claro de nação, reavaliado a cada 5 anos, com metas, objetivos e indicadores, e um pacto nacional, a China foi a nação que melhor criou condições para a melhoria da qualidade de vida de todos os cidadãos, num período de apenas 50 anos.

Outro bom exemplo é a Coreia do Sul, que no mesmo período criou um consenso político e social em torno de um projeto de país que aposta na educação de qualidade, inovação e principalmente no fortalecimento e competitividade de sua indústria nacional, com fortes investimentos estatais em pesquisa, inovação, desenvolvimento tecnológico e infraestrutura, gerando empregos de qualidade e alto valor agregado aos produtos vendidos no mercado interno e externo. Samsung, Hyundai, Kia, LG etc, são algumas das empresas campeãs nacionais que tiveram apoio e investimento estatal, além da parceria com universidades e centros de pesquisa e inovação.

O ponto de partida de qualquer novo projeto alternativo de nação terá que ser, inevitavelmente, o aumento da participação e do poder do povo nos centros de decisão do país..

Celso Furtado (1920-2004)

Não há solução sem união e unidade nacional em torno de um projeto de Brasil, baseado em ideias avançadas, inteligência ampla, processo participativo e nas nossas necessidades e expectativas; superando a ideologia, a polarização e o fanatismo que não propõe nada, não apresentam ideias, não se baseia em argumentos e não pensam o Brasil e o futuro. Os partidos políticos são essenciais para essa transformação, assim como os movimentos sociais, as universidades, os empresários, os sindicatos, cada um cumprindo seu papel social, constitucional, estratégico e político; respeitando os interesses distintos, as discordâncias e visões diferentes.

Quais são os grandes temas, objetivos e projetos capazes de nos unir e projetar como uma grande nação democrática, sustentável, popular e justa?

 A transição energética e economia verde, com incentivos fiscais e investimentos públicos e privados é uma questão de sobrevivência diante da emergência e catástrofes climáticas. Outro ponto fundamental é a indústria. Além de atender nosso enorme mercado interno, precisamos ampliar o valor agregado de nossos produtos industrializados, gerando empregos de qualidade e criando inovação com menos impacto ambiental. O programa do Governo Federal para a Neo Industrialização, aponta uma direção e apresenta quatro pilares: mais produtividade; mais inovação e digitalização; mais verde; e mais exportação. Não há futuro sem uma indústria forte e inovadora.

O combate à desigualdade e concentração de renda também deve estar entre as prioridades. Sendo o Brasil um dos piores do mundo neste critério, é impossível construir um consenso nacional sem que as políticas públicas e investimentos incorporem soluções efetivas para este problema. Por isso, a importância dos orçamentos federal, estadual e municipal, da Constituição e projetos estratégicos que priorizem uma solução efetiva e mensurável, um cronograma definido e transparente. Um compromisso de todos, inclusive do Mercado.

Seremos capazes, digo, os cidadãos, a sociedade, cada um de nós, de perceber a urgência deste pacto nacional? Nos dispormos a construí-lo; realizar um processo amplo e participativo, mas rápido e objetivo para desenvolvê-lo e apresentá-lo; e por último, criar as forças políticas estratégicas e apoios necessários para implantá-lo ao longo desta década e principalmente a partir de 2030, independente de nossas ideologias, partidos políticos e visão de mundo?

O mundo é formado não apenas pelo que já existe, mas pelo que pode efetivamente existir.

Milton Santos

Christian Krambeck, Arquiteto e Urbanista, empresário e professor de Arquitetura e Urbanismo FURB

Adicionar aos favoritos o Link permanente.