Paralelo Floripa-Barcelona: tão perto e tão longe. Por Manu Vieira

Manu Vieira escreve artigo em que compara Florianópolis e Barcelona como cidades inteligentes, destacando urbanismo, turismo e transporte público, e mostra como Florianópolis pode aprender com as estratégias bem-sucedidas de Barcelona para oferecer melhores serviços e experiências aos cidadãos.

Florianópolis ganhou como cidade mais inteligente e conectada do Brasil, segundo o Ranking Connected Smart Cities de 2023.

Mas, quando falamos de cidades inteligentes, é impossível escapar à referência espanhola, Barcelona. Palco da Smart City Expo, um evento que reúne cidades e países do mundo para falar sobre melhores entregas de serviço público, Barcelona não acontece ao acaso; é fruto de um planejamento inicial e ininterrupto que tem ajudado muito isso a acontecer.

Em vez de falar em indicadores e números para parecer mais inteligente, quero falar do que realmente importa em uma cidade: como ela entrega serviços e experiências para as pessoas. Escolhi alguns pontos especiais para comentar (essa é a minha seleção, mas o leitor pode ter outra):

Urbanismo

Com 100 km² de extensão e 1,6 milhão de habitantes (2021), Barcelona se destaca pela densidade populacional. Em paralelo, Florianópolis tem 675 km² (sim, bem maior que Barcelona) e 1/3 da população.

Qual o segredo? Barcelona, em 1860, passou por uma proposta inovadora de urbanização, o Plano Cerdá, que criou grandes blocos com altura uniforme, porém muito juntos, sem recuos e com 50% do território de espaços públicos. Essa proposta pode parecer muito bem-sucedida hoje, mas foi executada na base do decreto real, pois possuía enorme resistência do Conselho Municipal da Cidade.

Barcelona também trabalhou muito bem os efeitos pós-grande evento. Tendo sido sede dos Jogos Olímpicos, em vez de arenas de jogos subaproveitadas, promoveu a revitalização de áreas da cidade, concentrando as melhorias em habitação (um grande salve para o retrofit), infraestrutura, espaços públicos e sistema viário.

Em Florianópolis, nas recentes discussões do Plano Diretor em 2023, quando teve sua revisão aprovada, buscou-se melhorar a questão da densidade. Apesar das duras críticas, tudo indica que a cidade está indo para um caminho inteligente. Além disso, a aprovação do retrofit pode acelerar a sonhada revitalização do centro-leste e copiar este outro bom movimento.

Turismo

Os números do turismo em Barcelona (variam entre 16 e 26 milhões de pessoas, quando incluem a região) impressionam. O grande volume de espaços públicos e equipamentos de turismo impulsionam esse número ano após ano.

Além disso, o uso misto (um térreo comercial em edificações residenciais) em quase todos os bairros ajuda muito a capturar e diluir o movimento turístico que deixa quase 13 bilhões de euros na cidade, sendo uma força econômica junto à indústria e também ao porto, que recebe 1,5 milhão de turistas por ano. Atualmente, Barcelona lida com o dilema do overtourism, onde a demanda turística tem insuflado os preços da cidade para os cidadãos residentes.

Florianópolis, com o recente incremento de voos internacionais, consolida-se como um dos grandes pontos de recepção de turismo internacional no Brasil, rumo aos 2 milhões de turistas projetados para 2024/2025.

Esse dado alimenta felicidades e preocupações, pois a cidade já vive os gargalos na estrutura hoteleira, infraestrutura e mobilidade. Uma cidade com muitas belezas naturais também vive o desafio de como capturar maior renda do turismo para a cidade, uma vez que muitos espaços públicos são atrações naturais e gratuitas.

A construção da Marina da Beira-Mar traz uma excelente perspectiva nesse sentido, mas é visível a necessidade de estimular mais equipamentos turísticos que podem ser feitos em parceria com a iniciativa privada, além do óbvio olhar para infraestrutura e mobilidade.

Transporte Público

Talvez o grande fator de virada para uma cidade seja o investimento em mobilidade. O planejamento de conexão cidade-cidadão em Barcelona foi feito lá atrás, naquele plano de 1860, que previa ruas largas para conexões de trem, além de um anel viário conectando todos os bairros ao centro.

Ainda em 2005, trouxe-se um sistema integrado de trem, metrô, ônibus e o veículo leve sobre trilhos (VLT). Isso prova que é, sim, possível trazer mudanças estruturantes numa cidade já “construída”.

O resultado é que quem anda em Barcelona como turista pode caminhar horas a fio e conhecer toda a cidade em um dia, com transporte público e um bom par de tênis.

O planejamento recente (2005) dos superblocks foi outra ousadia de uma cidade que escolheu o pedestre. Ao decidir fechar quarteirões para limitar os carros (que, quando podem passar pelas vias fechadas, é em velocidade superlenta), tiraram os estacionamentos (muitos tornaram-se subterrâneos) e deixaram os espaços públicos livres de fumaça e cheios de pessoas circulando, comendo, praticando esportes e fazendo feiras.

Essa mudança ainda está em fase de implantação e a discussão é por bairros, com muitas audiências, mas, em alguns pontos, já se nota que veio para ficar.

As cidades de hoje, no mundo todo, são feitas para carros, e toda discussão que fale em fechar vias pode ficar bem agressiva. Em Florianópolis, já se pensa assim, especialmente no centro da cidade.

Escolher o pedestre por aqui, contudo, precisa, primeiramente, passar por mais acesso a transporte público e coragem. Afinal, para um investimento robusto, como o VLT e vias exclusivas para ônibus, é necessário dinheiro e comprometimento — um projeto muito além de mandatos, um projeto de cidade.

Poderia falar muito ainda, mas, assim como os municípios, este artigo tem limites. Não me furto, contudo, de pontuar: Florianópolis é belíssima, com potencial de oferecer muito mais para as pessoas.

Para uma cidade, é possível envelhecer muito bem, ainda mais quando se pode aprender com a prima espanhola mais velha a ser a cidade inteligente que queremos.


Manu Vieira é vereadora reeleita em Florianópolis pelo PL.

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