Vinicius Lummertz aborda em entrevista temas estratégicos para o futuro de Florianópolis

Na última semana, o ex-ministro do Turismo e ex-presidente da Embratur, Vinicius Lummertz, concedeu entrevista ao jornal ND, abordando temas estratégicos para o futuro de Florianópolis. Com vasta experiência em políticas públicas e uma trajetória de liderança em diversas instituições, Lummertz se mostrou otimista com o cenário que se desenha para a capital catarinense.

Entrevista exclusiva de Vinicius Lummertz ao Jornal ND – Foto: Reprodução/ND

Ao falar sobre os desafios locais, Lummertz destacou o potencial de Florianópolis em se tornar uma “cidade global”. Segundo ele, a cidade precisa ampliar sua conectividade aérea e explorar melhor suas vocações, fortalecendo-se não apenas como uma capital política, mas também como centro cultural, turístico e tecnológico. Ele mencionou a falta de infraestrutura, como o Centro de Eventos e espaços para grandes eventos, e a ausência de marinas que potencializariam o turismo náutico, mesmo Santa Catarina sendo responsável por 80% da produção de barcos de lazer do país.

Sobre o desenvolvimento urbano, Lummertz defendeu a criação de uma visão integrada para a cidade, que inclua um redesenho dos aterros da Baía Sul e da Expressa Sul. Esses espaços, segundo ele, precisam ser revitalizados para refletirem uma cidade moderna, evitando que se tornem apenas estacionamentos improvisados. Ele também destacou a importância da Região Metropolitana para atender aos desafios do crescimento de Florianópolis, sugerindo que o governador Jorginho Mello poderia ser um “padrinho” para impulsionar projetos como o Via Mar.

Encerrando a entrevista, Lummertz frisou a importância de um desenvolvimento que respeite as qualidades naturais e culturais de Florianópolis. Ele afirmou que o caminho para um crescimento sustentável está na conciliação entre os aspectos econômico, social e ambiental, mencionando que a cidade, junto aos municípios vizinhos, deve atuar em sinergia para potencializar seu papel de “Grande Florianópolis” no cenário nacional e internacional.

Confira a entrevista:

Passadas as eleições, como você enxerga o futuro de Florianópolis?

Com muito otimismo e entusiasmo. O Prefeito Topázio agora tem uma folha em branco à sua frente. Pode escrever o futuro. Não é mais o vice; a cidade o avalizou. Ele agradou por trazer leveza e naturalidade. Agora vem a responsabilidade. Vejo claramente também que a cidade está se transformando e que está mais ativa em relação ao seu futuro — e os bons prefeitos anteriores tiveram grande parte nisso.

A cidade quer virar mais páginas. Sinto que o espírito coletivo está deixando de pensar como uma pequena cidade, que já não é mais, e começa a enxergar seus reais desafios ao se aceitar como metrópole, cidade desejada e capital de um Estado bem-sucedido. Essa é a nova realidade.

Quais seriam esses desafios da cidade?

O mais importante é expor uma visão da cidade do futuro para ser compartilhada. Apenas como exemplo: redesenhar a ocupação dos aterros, como o da Baía Sul, que foi projetado por Burle Marx — o maior paisagista brasileiro — e hoje é um espaço caótico, até porque o futuro indesejado, esse sim, vem a cavalo.

Como argumentar sobre sermos uma cidade inteligente com o aterro virando um enorme estacionamento de ônibus? Por isso, é muito melhor construir uma visão e levá-la à prática com coragem do que viver sob medos projetados e remendos. O Aterro da Expressa Sul não pode ir pelo mesmo caminho, até porque a soma de todos os aterros é um conjunto. Essa construção de uma visão de curto, médio e longo prazo já seria uma grande conquista. A aprovação do novo Plano Diretor foi o ponto de partida.

Quem projeta esse medo do desenvolvimento?

Isso começa no ambiente da esquerda mais bolivariana da UFSC e de uma pequeníssima parte do Judiciário federal ativista. Eles não se abrem ao diálogo sobre fatos e alternativas. Apenas são contra, por serem anti-capitalistas.

Uma esquerda moderna teria propostas concretas, e assim sairia da simples negação do que significa Santa Catarina, uma terra de empreendedores. Aí seriam uma alternativa para chegar ao poder, escutando a cidade. Quem fez a primeira concessão na cidade, que foi a do Centro de Convenções? Foi o prefeito de esquerda, Sérgio Grando.

A visão da qual você fala é uma forma de pensar grande, projetando como a cidade seria no futuro, em detalhes?

Sim. Não adianta se encolher sob um saudosismo que se baseia num passado idílico de uma pequena cidade que não existe mais e que era, de fato, bastante pobre — que só tinha algum dinheiro por uma semana após o dia 5 do mês, pelo pagamento dos salários do setor público. As saudades geram confusões, pois com frequência são saudades da juventude. As coisas não mudaram só aqui; mudaram em todo o mundo. Nossa cidade evoluiu, ganhou mais dinamismo e autonomia de forma surpreendente.

E o velho assunto das marinas: quando virão as marinas?

Virão, com certeza, porque é o normal em qualquer regime político, mesmo na China Comunista. (risos) Atrasar o desenvolvimento responsável da cidade é um equívoco moral. O desenvolvimento é o que gera esperança e afluência social. No final, estaremos todos lá, juntos, se não velejando ou passeando de frente ao mar, com família e amigos ou atendendo turistas. O atraso é assim, um dia passa. Acredito que, com mais afeto e mais diálogo, poderemos desenhar melhor o futuro e não sermos reféns do acaso.

Por que o Ministério Público Federal interfere tanto na autonomia da cidade?

A Constituição de 1988, com a redemocratização liderada pelo MDB, quis criar uma defensoria pública forte e estava certa. Na maioria dos casos, funciona muito bem. Mas, como de costume, muitas adaptações no Brasil dão errado, e conferiram-se poderes individuais aos procuradores, que alguns poucos transformaram em bunkers pessoais e ideológicos de poder. Em alguns casos, não há accountability, ou seja, “satisfação ao público”. E isso é ruim.

Nos Estados Unidos, onde nos espelhamos, muitos procuradores são eleitos ou, no mínimo, dão satisfação pelos meios de comunicação sobre as defesas do interesse público que intentam. Não é o juiz que deve falar, creio, mas sim o promotor. É justo. Ora, se há interesse público em não ter pontes, marinas ou empreendimentos que estão dentro da lei municipal, de onde vem o interesse em não ter? Aonde estão os reclamantes de fato? A deformação está nesta sombra. O resultado disso tem sido um desastre de “lawfare” — guerra jurídica na cidade, paga com recursos públicos, como em nenhuma outra capital do Brasil ou do mundo. Mas isso também está mudando, até porque, do lado dos desenvolvimentistas, cresceu a conscientização. Tudo evolui.

O que mais é imprescindível além de ter uma visão de futuro?

A segunda parte, imprescindível, é liderança, mas não uma liderança solitária, heroica, e sim rodeada de outros líderes e experts. Promover a Câmara dos Vereadores a ser um palco de debates construtivos será vital neste momento. Papel para o Presidente João Cobalchini. As pessoas iriam gostar de ver isso.

Vale dizer aqui que o ND tem sido um grande palco de discussões, e a imprensa regional em Santa Catarina é muito positiva, diferente da mídia nacional, que, por vezes, descontextualiza o país. Hoje, um dos principais suportes da cidade também é o movimento Floripa Sustentável, formado por mais de 40 entidades que representam a produção da cidade. Não só de empresários, mas também de profissionais liberais, engenheiros e arquitetos. Se multiplicar por dez, são uns 400 líderes que estão representados e dezenas de milhares de associados.

Como surgiu o FS?

Existe uma palavra em alemão, “zeitgeist”, que quer dizer espírito do tempo. Como neste caso, as instituições surgem para responder aos desafios. Na época, foram conversas que tivemos com os líderes Roberto Costa, Zena Becker e Marcondes de Matos. Logo depois, Anita Pires, José Eduardo Fiates, Glauco Corte, e foi crescendo. Todos são líderes históricos e dedicados à nossa cidade.

Houve apoio da FIESC, Fecomércio, ACIF, ACATE, CDL, Sinduscon, CREA, AsBEA, Sebrae, e pronto, montou-se uma grande caixa de ressonância da cidade. Começou o fim de uma iniquidade, ao meu ver, pois até então havia uma interpretação de que a cidade era dividida igualmente entre as instituições de produtores e da esquerda mais aguerrida. O que se viu foi uma diferença brutal de tamanho e representação formal. A tal cidade rachada ao meio nunca foi real.

Visão e liderança são suficientes?

O terceiro pilar é gestão. Hoje, isso é um problema nas cidades em geral. Veja o caso do novo Plano Diretor: ele não é perfeito, mas é um enorme avanço em técnica ao projetar as multi-centralidades e corrigir a insegurança jurídica que fez de Florianópolis uma cidade que castigou a legalidade e premiou a ilegalidade.

O novo Plano Diretor foi um ponto decisivo no ambiente de mudanças?

Foi, sim, inclusive na eleição do atual prefeito. Agora a prefeitura precisa de mais técnicos e mais tecnologia para fazer fluir a regulamentação e as aprovações que trazem taxas, emolumentos, contrapartidas sociais e ambientais, empregos e desenvolvimento. Então é isso: visão, liderança, gestão e um item a mais: competências. Uma gestão pública moderna não depende apenas das competências internas de uma prefeitura. Pode-se buscar a competência onde ela estiver. Uma cidade inteligente deve sim contratar inteligência, excelência e técnica. O retorno é rápido. Isso empodera a equipe e os servidores.

Dê um exemplo na prática!?

Recentemente saiu a notícia da contratação de um dos maiores arquitetos do país, Arthur Casas, para projetar a renovação da orla de Fortaleza. A nossa Jurerê também está fazendo isso. Balneário Camboriú está fazendo, e todo o litoral do Paraná também. O alargamento das nossas praias foi nessa linha.

O Rio já fez isso 20 anos atrás, quando refez o urbanismo das orlas da Zona Sul com o arquiteto Índio da Costa. O nosso aeroporto, poucos sabem, é fruto de uma concorrência de projetos motivada pelo Governador Luís Henrique – sou testemunha – que deu ao escritório de São Paulo, Mário Biselli Associados, a vitória. A título de comparação, a nossa Beira-Mar espera uma Marina, combatida equivocadamente, e hoje é um espaço comparativamente modesto, que tem no seu centro uma elevatória de tratamento de esgotos – e isso é o fim da picada; não tem quiosques planejados, nem sequer banheiros públicos. E nós temos excelentes arquitetos e urbanistas viajados em nosso estado.

Banheiros públicos são uma ausência que a Casan poderia suprir ali e em todas as praias pelo que arrecada da cidade. Também chuveiros e vestiários para se trocar de roupa, como no hemisfério norte inteiro. Pode ser gratuito ou não, mas é prova de civilidade. As barraquinhas de artesanato são importantes, mas ao se proliferarem e impedir a vista do mar, indicam que algo está errado.

Como você enxerga Florianópolis no mundo, já que você representa várias instituições internacionais?

Florianópolis vai ser uma cidade global, a partir de sua conectividade aérea internacional. É também o nosso destino de colonos, nos mostrarmos ao mundo. No entanto, nossa cidade já tem vocações de uma multi-capital, cujo papel principal é constitucional, ou seja, é capital de um estado modelo da federação. Como capital, tem que liderar. Foi o que Florianópolis fez no passado. Para entender o sucesso de Santa Catarina, é preciso entender como os grandes governos dos anos 50, 60, 70 e 80 do século passado lançaram as bases institucionais para o desenvolvimento do estado. Os colonos que desenvolveram as empresas no interior tiveram na visão da capital o seu esteio de infraestruturas.

Multi-capital, como seria isso?

Capital política já é uma grande missão, pois requer que a cidade lidere o pensamento do estado. Que seja também uma capital cultural. Aí surge uma pergunta: estamos equipados para isso, quando nosso maior equipamento cultural ainda é o CIC, da década de 80? Apoiamos nossos movimentos culturais? Recentemente tivemos o surpreendente lançamento da Orquestra Sinfônica de Florianópolis, sob a liderança de Marcelo Petreli. Aí surge a questão: quais seriam os Planos Culturais de Santa Catarina e de Florianópolis? Uma novidade que vi foi o projeto do MADI, Museu Digital de SC, liderado pela Patrícia Costa.

E como capital turística?

Evoluímos muito, sobretudo em gastronomia, mas em termos de infraestrutura e equipamentos ainda temos muito o que fazer se comparados com destinos mundiais mais qualificados. E falta adensar o calendário, que já tem alguns ótimos eventos como o Iron Man. Porém, perdemos um pouco da nossa cultura de capital do surfe e temos ainda muito potencial como capital do tênis, que vai bem, pois temos o Guga e a família Kuerten.

Nosso Centro de Eventos está datado, e não temos casas de show, afora as de baladas, que são muito boas. Por exemplo, trouxemos o Presidente Temer à Florianópolis para uma homenagem, mas não encontramos um salão de almoço para 300 lugares. Acabamos no Lira, que atendeu bem, mas o normal seria que ocorresse em um hotel.

O mesmo se aplica para casamentos. Como capital tecnológica estamos indo muito bem, e com mais conexões internacionais estamos mudando de patamar, mas ainda há falta de mais e melhores equipamentos receptivos, além de alguns muito bons que já temos, para receber a inteligência do mundo.

Como Capital Marítima?

Fazemos pouco, ainda sem marinas, considerando que SC produz 80% dos barcos de lazer do país. Como capital de meio ambiente, temos o maior conjunto de reservas ambientais em uma cidade capital em todo o planeta, mas isso ainda não é nosso produto de marketing ambiental para sermos a maior capital verde do planeta. Poderíamos ter uma conexão de trilhas naturais de norte a sul, que seria admirada mundialmente. Além disso, a questão do saneamento é crucial: Casan e Concap estão à altura? Se a resposta for sim, ótimo; se não, isso confronta diretamente o desejo de transformação e defesa da cidade.

Sua conclusão é de que Florianópolis pode se desenvolver sem sacrificar suas qualidades?

Sim, este é o desafio dos adultos. Não há como fazer o desenvolvimento sustentável sem o fator econômico como central na equação do social e ambiental – essa era a visão do Professor Ignacy Sachs, um dos autores do conceito. Ele conheceu bem Santa Catarina e acreditava no nosso diferencial frente à homogeneização do Brasil.

Mas, como todo o desenvolvimento é primeiramente territorial, cabe a Florianópolis apontar a direção em conjunto com os municípios da região, mas para isso, a visão e gestão da qual falamos terão obrigatoriamente que abranger toda a Região Metropolitana, no entorno das nossas duas baias até as nossas serras.

Implementar a Região Metropolitana e criar Consórcios Municipais. O Governador Jorginho poderia ser o grande padrinho, ligando ao projeto Via Mar.  Com isso, Florianópolis será de fato a Grande Florianópolis.

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