Vinhos da Bahia, quem diria?

Existe uma área do planeta terra onde a mágica da produção de vinhos acontece com maior facilidade. É a latitude 45, uma faixa que contorna o planeta – tanto no hemisfério norte quanto no sul – onde o sol incide de forma especial, proporcionando estações do ano bem definidas e variação significativa entre as temperaturas do dia e da noite. É o cenário ideal para os vinhedos. 

Prova disso é que todas as grandes regiões produtoras de vinho do mundo estão localizadas próximas à latitude 45, como Bordeaux, Borgonha e Piemonte, no hemisfério norte, ou Mendoza e Nova Zelândia, ao sul. Até mesmo no Brasil, as regiões mais tradicionais na produção de vinhos finos ficam ao sul do mapa, encostadinhas na “zona ideal”. 

Acontece que temos novidades surpreendentes no cenário da produção nacional. No interior da Bahia, exatamente na latitude 12 – muito, muito longe da faixa dos 45 – está a vinícola Uvva demonstrando que o nordeste brasileiro tem potencial para se tornar também uma referência na produção de vinhos finos.

Localizada na pequena Mucugê, na Chapada Diamantina, a vinícola pertence à família Borré que atua no agronegócio na Chapada Diamantina desde os anos 80. Após anos de tradição no cultivo de batatas e café, os produtores decidiram apostar também nas uvas, acreditando que a altitude de 1150 metros da região poderia compensar a latitude “errada” e proporcionar a produção de vinhos de qualidade. Há cerca de 12 anos plantaram os primeiros vinhedos e agora apresentam os resultados das primeiras safras. 

Dos brancos produzidos pela vinícola, tive a oportunidade de degustar três: o Sauvignon Blanc apresenta excelente acidez e notas vegetais, especialmente de folhas de tomate; o Chardonnay fermentado em inox e com estágio de seis meses “sur lie” que trouxe complexidade aromática e volume em boca; e o Chardonnay Microlote que passa seis meses em barrica de carvalho francês, com ótimo volume em boca e aromas de fruta preservados (e predominantes) além dos aromas característicos da madeira.

Entre os tintos, merecem muita atenção os blends Cordel e Diamã. O primeiro traz 65% Syrah, 22% Cabernet Sauvignon, 12% Merlot e 1% Malbec com oito meses de estágio em barricas. Aqui predominam os aromas das frutas escuras que caracterizam a uva syrah, como cassis, mirtilo e ameixa, com taninos elegantes e ótima acidez. Já o Diamã tem 36% Cabernet Sauvignon, 26% Cabernet Franc, 23% Malbec, 12% Merlot, 3% Petit Verdot e estágio de 12 meses em carvalho francês de primeiro uso. 

Os vinhos levam a assinatura e a expertise do enólogo responsável, Marcelo Petrolli, gaúcho que atua na vinícola desde o início do projeto.

Clima e manejo das videiras

A produção de uvas no nordeste brasileiro não é exatamente uma novidade. O calor que permanece na região durante todo o ano contribui para produção de uvas americanas (vitis lambrusca) com alto nível de açúcar – exatamente como devem ser as uvas para consumo ou para a produção de sucos e vinhos de mesa. 

A novidade, neste caso, fica por conta da produção de uvas da espécie vitis vinífera, usada na produção de vinhos finos. Justamente porque estas precisam de climas amenos e amplitude térmica para atingirem as condições ideais de maturação, retendo acidez durante as noites mais frescas e ao mesmo tempo desenvolvendo sabores intensos devido ao calor do dia.

Além da altitude, outro fator fundamental para o sucesso dos vinhos da Chapada Diamantina é o manejo técnico dos vinhedos absolutamente diferente daquele utilizado na região sul. Para evitar que as uvas cheguem ao ponto final de maturação no início do ano (como ocorre nos vinhedos do sul basileiro) utiliza-se a técnica de Dupla Poda que engana a planta, fazendo com que as uvas estejam prontas para colheita apenas em julho, época mais seca do ano no nordeste, quando as condições climáticas são mais favoráveis para a maturação das uvas.

A altitude, o clima, as técnicas de manejo, as formas de vinificação e cada escolha feita pelos produtores da vinícola Uvva nos ajudam a compreender esse terroir até então praticamente desconhecido no mapa dos vinhos brasileiros. E sem em pouco mais de uma década já foi possível apresentar tamanha qualidade nos vinhos, mal posso esperar pelo que ainda beberemos nas próximas safras da Chapada Diamantina.

Antes de terminar, uma informação extra para os colegas profissionais do vinho:
A Uvva estará pela primeira vez na ProWine 2024 – maior feira de vinhos da América Latina que ocorre na próxima semana em São Paulo. Uma ótima oportunidade para degustar e descobrir mais sobre as produções e o terroir.

Beatriz Cavenaghi é jornalista, doutora em Gestão do Conhecimento pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) e sommelière pela Associação Brasileira de Sommeliers (ABS-SC). @beacavenaghi no Instagram.

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