A segunda lei complementar da reforma tributária: o que está em jogo para os contribuintes? Por Rafael Pandolfo

Rafael Rodolfo escreve artigo sobre o PLP 108/2024, aprovado pela Câmara, que trata da administração do IBS e da CBS, incluindo mudanças no contencioso administrativo e no ITCMD, mas levanta preocupações sobre uniformização e segurança jurídica. O projeto ainda passará por votação no Senado.

Depois da aprovação do Projeto de Lei Complementar nº 68, de 2024 (PLP 68/2024), na Câmara dos Deputados, o PLP 108/2024 teve o seu texto-base aprovado pela Casa iniciadora. Ambos os projetos tramitam em regime de urgência e deverão ser votados no Senado Federal neste segundo semestre. Enquanto o PLP 68/2024 visa a instituir o imposto sobre bens e serviços (IBS), a contribuição sobre bens e serviços (CBS) e o imposto seletivo (IS), o PLP 108/2024 dispõe sobre a administração e sobre o processo administrativo tributário do IBS, além de alterar regras específicas de alguns tributos preexistentes, dentre eles, o Imposto sobre Transmissão Causa Mortis e Doação (ITCMD). O objetivo deste breve artigo é, de modo objetivo, destacar cinco pontos centrais que estão sendo discutidos na tramitação do PLP 108/2024, os quais podem impactar a vida dos contribuintes.

IBS x CBS: Segundo o PLP 108/2024, o IBS será administrado pelo Comitê Gestor do IBS (CG-IBS), e a CBS será administrada pela União. Assim, apesar de a CBS e de o IBS serem tributos em tese idênticos (art. 149-B da CF) e apesar de a Emenda Constitucional nº 132/2023 prever a possibilidade de integração das suas instâncias administrativas (art. 156-B, §§ 7º e 8º, da CF), o modelo trazido pelo PLP não prestigiou um caminho facilitado de uniformização administrativa entre os tributos tal qual se esperava. Pelas disposições do projeto, sequer os contribuintes poderão requerer um incidente de uniformização dos tributos. Ainda há tempo para ajustes na dinâmica entre IBS e CBS, e isso parece imprescindível para assegurar a simplicidade e a segurança tributária que eram visadas pela reforma.

As 54 Câmaras de Julgamento: O PLP 108/2024 prevê 54 Câmaras de Julgamento do contencioso administrativo. Seriam 27 de primeira instância, apenas com representantes do fisco, e 27 de segunda instância, compostas por representantes do fisco e dos contribuintes. Seriam, em síntese, duas Câmaras por estado. Essa estrutura faz com que seja possível haver dezenas de interpretações diversas sobre uma mesma situação, razão pela qual está prevista a possibilidade de se recorrer à Câmara Superior do IBS (uma espécie de terceira instância), cuja função seria assegurar a uniformização da jurisprudência do IBS. Todavia, isso não anula o fato de que se trata de uma estrutura administrativa complexa e que a isonomia pode ser prejudicada ao longo do caminho, pois um tributo que deveria ser o mesmo nacionalmente pode ter decisões conflitantes até o eventual julgamento de recurso de uniformização.

Representantes dos contribuintes no processo administrativo: Diferentemente da versão inicial do PLP 108/2024, durante a tramitação na Câmara dos Deputados passou a ser prevista a presença de representantes dos contribuintes tanto no julgamento de segunda instância (recursos voluntário e de ofício) quanto na instância de uniformização da jurisprudência do IBS. A estrutura paritária do contencioso administrativo pressupõe essa divisão, sob pena de se infringir o aspecto formal do princípio da justiça tributária (art. 145, § 3º, da CF). Portanto, essa previsão precisa ser mantida no Senado no que diz respeito à uniformização do IBS, mas também precisa ser ampliada para a dinâmica entre IBS e CBS, pois ao Comitê de Harmonização das Administrações Tributárias, que promoverá a uniformização do IBS e da CBS, apenas está sendo previsto representantes da Fazenda Pública.

Julgamentos 100% virtuais: O PLP 108/2024 prevê que todas as sessões de julgamento do contencioso administrativo relativas ao IBS serão realizadas de modo virtual. Por mais que isso traga, em tese, menos custos ao Estado e mais celeridade nos julgamentos, o mundo virtual não é o mesmo do que a presença física. Os “plenários virtuais” estão virando a regra em nosso país, mas isso não pode comprometer o diálogo entre as partes, nem pode macular a prestação jurisdicional ou administrativa como um todo. É necessária atenção crítica de toda a sociedade em relação a esse fenômeno.

Alterações no ITCMD: O PLP 108/2024 estabelece novas hipóteses de incidência do ITCMD. A distribuição desproporcional de dividendos, o perdão de dívidas por liberalidade e os benefícios em favor de terceiros oriundos de planos de previdência privada (PGBL e VGBL) estão entre elas. Essas iniciativas serão certamente questionadas pelos contribuintes, pois não só contrariam práticas consolidadas no mercado, como violam a Constituição Federal. Se o texto da reforma não for aprimorado, o novo sistema será palco de muitos questionamentos e insegurança jurídica.


Rafael Pandolfo é advogado, doutor em Direito Tributário e Coordenador técnico do programa Resgate-RS.

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