Internação involuntária em Florianópolis começará com 20 pessoas em situação de rua

Depois da aprovação da lei e da assinatura do decreto que viabilizam a internação involuntária de dependentes químicos ou pessoas com transtornos mentais e em situação de rua, equipes da Prefeitura de Florianópolis que farão as primeiras abordagens estão em treinamento. Na terça-feira (5), por exemplo, houve uma reunião do grupo de instrutores e a expectativa é que, até a semana que vem o município tenha agentes treinados para atuar em todos os turnos necessários.

Internação involuntária de pessoas em situação de rua começa com a abordagem com equipe multidisciplinar em Florianópolis – Foto: LEO MUNHOZ/ND

Inicialmente, pelo menos 20 pessoas serão as primeiras atendidas com as internações. O trabalho começa com a abordagem nas ruas, com equipe multidisciplinar, seguido de encaminhamento para um Caps (Centro de Atenção Psicossocial), onde um psiquiatra vai recomendar ou não a internação. Se recomendar, o paciente pode ir para o IPQ (Instituto de Psiquiatria), em São José, e, se aceito pelo médico do instituto, fará a desintoxicação. O tratamento, porém, não acaba aí.

“Se o psiquiatra do IPQ validar nosso encaminhamento, o paciente será internado e ficará sob custódia do instituto. A saída vai depender da alta dada pelo psiquiatra do IPQ”, explica o prefeito Topázio Neto (PSD).

Se o paciente receber alta em até dois anos, seguirá o tratamento ambulatorial. Se tiver família, fará o tratamento em casa. Se não tiver nenhum vínculo, será acolhido pelo município para seguir o tratamento.

“Existe outra hipótese. O médico dar alta e oferecer a possibilidade da comunidade terapêutica, porém, nesse caso, o paciente só pode ir por vontade própria. Daí, nossa Assistência Social vai procurar uma disponível”, ressalta o prefeito. Outra possibilidade é o encaminhamento para residencial terapêutico, entretanto, somente se o paciente ficar no IPQ por mais de dois anos, sem alta. O tratamento em comunidade terapêutica custa R$ 2.500 a R$ 3.000 por mês por paciente. No residencial terapêutico, R$ 8.000 a R$ 10.000.

O que é a desintoxicação

Assessor técnico da Gerência de Saúde Mental da Secretaria de Saúde de Florianópolis, o médico psiquiatra Marcelo Brandt Fialho explica que a desintoxicação é acompanhar quem interrompe o uso crônico de uma droga. “Quando alguém usa o álcool, cocaína, ou crack por muito tempo, o corpo se ajusta à substância e, deixando de usar, passa muito mal”, diz Fialho. A pessoa pode ter tremores, vômito, diarreia, dor de cabeça, entrando numa condição que perpetua o uso.

“O cara pode até querer parar, mas quando para, se sente tão mal fisicamente, que não consegue manter. É muito difícil sem ajuda nos casos mais graves de dependência”, salienta o médico. Ele deu, ainda, o exemplo de que uma pessoa com dependência grave de álcool, se interromper o uso, pode morrer de convulsão, ou parada cardíaca, sem suporte clínico.

Pessoa em situação de rua em Florianópolis – Foto: Créditos: Leo Munhoz/ND

“A desintoxicação é um acompanhamento. É manter o paciente hidratado e controlado até que desintoxique e consiga largar a substância sem passar mal. Em média, leva três a quatro dias para uma droga excitatória, como crack e cocaína, e de uma semana a dez dias para drogas como álcool e tranquilizantes”, declara.

Encerrada a desintoxicação, o paciente precisa de acompanhamento a longo prazo, considerando que a dependência ainda existe, nos equipamentos de assistência da prefeitura, nas comunidades ou residenciais terapêuticos.

Por fim, passarão por processos de reinserção social, recebendo benefício financeiro, oportunidade de formação e estudo, em especial na estrutura em reformulação no Complexo Nego Quirido, onde a prefeitura já acolhe a população de rua com alojamento e alimentação.

A importância da desintoxicação na internação involuntária

O psiquiatra Fialho explica, também, a importância da desintoxicação. Como o uso de substância pode ser simultâneo a uma alteração do pensamento, o paciente pode estar psicótico, isto é, num quadro de juízo falho da realidade, seja pelo uso da droga, ou porque tem um transtorno mental e usa droga. Conforme Fialho, as duas coisas podem acontecer.

“Alguém com transtorno mental prévio começa a usar droga e isso piora o transtorno, ou a pessoa pode desenvolver o transtorno pela quantidade e frequência do uso de droga e ter dificuldades para se organizar na vida. O pensamento e o juízo da realidade ficam alterados. Essa pessoa vai ter o benefício de ser tratada, medicada e não ter mais esses sintomas”, afirma. Outra vantagem é que pacientes agressivos, pelo uso de substâncias, serão medicados e retornarão ao senso crítico.

Barraca está na frente do Ministério Público Federal com pessoa em situação de rua – Foto: Diogo de Souza/ND

“Quem vai para uma internação involuntária por abstinência grave e está fora da realidade, também vai ser tratado. As vantagens são ter um cuidado integrado de saúde, num momento em que a pessoa está muito vulnerável e não consegue controlar isso”, declara Fialho.

Ele disse ainda que normalmente esta população tem outros problemas clínicos associados, como desidratação, desnutrição, feridas e infecções, e poderão organizar a saúde para enfrentar o mundo e a vida, com uma condição física e psíquica melhorada.

No caso dos transtornos mentais, Fialho sustenta que o tratamento pode até não curar, mas deixar as pessoas funcionais. Ele citou o exemplo do transtorno bipolar. “Uma pessoa com esse transtorno pode fazer um episódio maníaco, ficar psicótica, perder o juízo de realidade, se atrapalhar toda, mas em tratamento, pode voltar para uma vida absolutamente normal, inclusive trabalhando e cuidando dos filhos”, ressalta.

A prefeitura ressaltou que nenhum paciente poderá interromper o tratamento no IPQ por vontade própria, somente com alta médica e que não fará abordagens violentas, mas coercitivas, quando necessário.

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