Quando a paixão pelo projeto atrapalha a visão do que o mercado realmente precisa

Nem todo início de jornada empreendedora começa com uma crise existencial. No caso de Camila Duarte, começou com um incômodo prático, e com a frustração diária de tentar fazer o certo dentro de um sistema que parecia ter parado no tempo.

Aos 26 anos, recém-formada em Arquitetura e Urbanismo, começou a atuar como autônoma. Sonhava em abrir um pequeno escritório com foco em projetos sustentáveis para habitação urbana. Mas, antes mesmo de concluir seu segundo projeto, percebeu o que realmente consumia seu tempo: as idas e vindas à prefeitura, as exigências divergentes entre departamentos, os retornos com pedidos de correção por detalhes mínimos. E o pior: tudo ainda em papel.

A gota d’água veio quando, depois de semanas de espera, um processo inteiro foi devolvido porque a planta havia sido impressa com escala errada — por culpa da gráfica. “Por que ainda é tudo tão manual? Por que não existe uma plataforma única de aprovação digital, integrada com os órgãos da cidade?”, desabafou com um colega.

Essa frustração virou obsessão. Camila mergulhou em vídeos, cases de inovação urbana, benchmarkings com cidades inteligentes, protótipos no Figma. Montou uma ideia ousada: uma plataforma digital que conectaria profissionais da construção civil com os departamentos públicos, automatizando aprovações, padronizando documentos e eliminando papelada. Tinha um nome para o projeto, wireframes prontos e até uma landing page em construção. Estava convencida de que resolveria um dos maiores entraves do urbanismo brasileiro.

Empolgada, contratou um desenvolvedor para criar um MVP navegável. Inscreveu-se em um programa de startups do setor de cidades inteligentes e apresentou seu pitch em um evento local. A banca elogiou sua coragem, o design da solução, a clareza da dor — mas ninguém quis investir. Nem mesmo testar.

Confusa com a falta de adesão, Camila decidiu voltar para a base: conversou com mais arquitetos, despachantes, engenheiros. Aos poucos, a realidade começou a bater. A maioria dos profissionais nem considerava mudar o modelo atual. “Despachante resolve”, diziam uns. “O cliente espera, é assim mesmo”, diziam outros. O problema era reconhecido… mas não mobilizador.

E o que era ainda mais frustrante: as prefeituras, as principais usuárias da outra ponta, sequer tinham infraestrutura para operar digitalmente. Algumas ainda exigiam carimbo físico. Era como tentar vender carro elétrico em cidade sem energia.

Foi aí que Camila entendeu: um problema real não é o mesmo que um mercado pronto.

Essa é uma das lições mais duras, e mais comuns, entre fundadores iniciantes. A paixão pelo projeto, o brilho nos olhos ao imaginar a solução, tudo isso pode virar uma névoa. E nessa névoa, é fácil ignorar os sinais de que talvez a dor não seja tão latente assim. Ou que o timing está errado. Ou que a dor é de quem não pode, ou não quer, pagar.

Camila não desistiu. Respirou fundo, voltou à prancheta e redefiniu o foco. Em vez de mirar prefeituras e integrar sistemas públicos, passou a desenvolver uma solução de acompanhamento interno de projetos para pequenos escritórios de arquitetura. Um painel simples, com prazos, checklists, gestão de documentos e comunicação com o cliente final. Algo que não dependesse do poder público — mas que facilitasse a vida do profissional.

Em poucos meses, vieram os primeiros testes pagos.

Aprendizados do episódio:

  • A paixão por uma ideia pode cegar você para o que o mercado realmente valoriza.
  • Problema validado não é quem reconhece a dor, é quem paga para resolver.
  • O timing de mercado importa tanto quanto a solução. Sem estrutura ou disposição para mudar, até a melhor ideia pode falhar.

No próximo episódio: Sócios, Cafés e Contratos, a história de dois amigos que se juntaram para empreender… e quase colocaram a amizade a perder antes mesmo da primeira venda.

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