Quem foi João David Ferreira Lima, primeiro reitor da UFSC e alvo de debate em Florianópolis

João David Ferreira Lima foi reitor da UFSC entre 1961 e 1972 - Foto: Acervo/UFSC/ND

João David Ferreira Lima foi reitor da UFSC entre 1961 e 1972 – Foto: Acervo/UFSC/ND

Catarinense de Tubarão, João David Ferreira Lima formou-se em ciências jurídicas e sociais pela Universidade Federal do Rio de Janeiro. Atuou como Procurador Fiscal do Estado e secretário da Fazenda entre 1946 a 1950.

Disputou a suplência do Senado na chapa liderada por Nereu Ramos (PSD), eleição vencida por Carlos Gomes de Oliveira (PTB). E na mesma década fundou a TAC (Transportes Aéreos Catarinenses) com Sidney Nocetti e Joaquim Fiuza Ramos.

Foi apoiado por desembargadores, professores e lideranças, como diretor da faculdade de direito lutou por sua federalização, com sucessivas viagens ao Rio de Janeiro, incontáveis contatos com o Ministério da Educação, parlamentares federais e articulações com autoridades catarinenses e instituições.

O processo durou quatro longos e penosos anos. Assinada pelo presidente Juscelino Kubitschek, a lei 3.038, de 19 de dezembro de 1956, federalizou a faculdade, criada por José Boiteux em 1932.

Com a nova situação jurídica e financeira da faculdade de direito, seus professores começaram a dialogar com dirigentes e colegas de outras faculdades isoladas existentes na capital catarinense, visando a criação da UFSC (Universidade Federal de Santa Catarina).

Ao final de vários anos de reuniões, contatos federais, encontros no Rio e em Florianópolis, todos sob a liderança do professor João David Ferreira Lima, veio a lei 3.849, de 18 de dezembro de 1960, criando a Universidade Federal de Santa Catarina. Ato também do presidente Juscelino Kubitschek.

O professor Aluizio Blasi, fiel aliado de Ferreira Lima, como servidor da faculdade de direito e testemunha das duas federalizações, resumia: “Tudo fruto de uma mobilização inédita unindo as forças educacionais, governamentais, culturais e partidárias de Santa Catarina”.

Nomeado reitor por ato presidencial, Ferreira Lima presidiu a solenidade de instalação no Teatro Álvaro de Carvalho, dia 12 de março de 1962. Mesmo sendo a mais jovem universidade federal do país, a UFSC logo se projetou pela exemplar estrutura administrativa e projeção no Brasil e no exterior da faculdade de odontologia e da Escola de Engenharia Mecânica.

João Ferreira Lima durante a ditadura

O professor João David Ferreira Lima foi então eleito presidente do Conselho de Reitores das Universidades Brasileiras, cargo que ocupou entre 1966 e 1969. Viveu o duro período do AI-5.

E mesmo em condições críticas, desafiou o regime militar com pronunciamentos fortes na imprensa do Rio de Janeiro quando foram cortadas verbas das universidades federais pelo ministro Tarso Dutra. Em seguida, foi eleito vice-presidente da União das Universidades Latino-americanas.

João David Ferreira Lima também estava fichado pelos militares, aponta pesquisa histórica - Foto: Acervo/UFSC/ND

João David Ferreira Lima também estava fichado pelos militares, aponta pesquisa histórica – Foto: Acervo/UFSC/ND

João David Ferreira Lima também era fichado no SNI

Segundo advogada da família, Heloisa Ferro Blasi Rodrigues, na época da ditadura, ninguém estava livre das pressões, das fiscalizações e cobranças dos militares no poder.

“Dr. David sempre foi respeitado. E nessa condição preservou a UFSC de ocorrências graves, como aconteceu em outras universidades no Brasil. Por causa disso, também era fichado no SNI (Serviço Nacional de Informações)”, ressalta.

A advogada diz ainda que Florianópolis era uma cidade muito pequena e que as pessoas se conheciam e se protegiam mutuamente. “Há muitos exemplos disso. Tenho declarações de pessoas que a Comissão de Memória e Verdade da UFSC disse que foram perseguidas pelo primeiro reitor, as quais negam veementemente essa condição”, revela.

“É muito importante que a sociedade civil acompanhe os acontecimentos dentro da UFSC. Ela sobrevive com os nossos tributos. Apesar da autonomia didática, administrativa e financeira que detém, por força da Constituição Federal de 1988, ela não pode deixar de cumprir a lei e observar o ordenamento legal”, reitera Heloisa.

Instituições saem em defesa do reitor e da reputação da UFSC

Pela verdade (por Topázio Neto, prefeito de Florianópolis)

“A discussão é tirar do campus o nome de um cidadão respeitado, que contribuiu para o desenvolvimento da cidade e que nunca fez mal a ninguém. Pelo contrário, fundou a principal universidade deste estado. Alguns alegam que ele era do regime militar, não é verdade. Chegou a ser fichado, inclusive pela SNI da época.

Mas o que mais impressiona é que não permitem a defesa justa do professor João David Ferreira Lima. O meu apoio a esse amigo que já não está mais aqui e que não merecia esse desrespeito. Que a verdade seja restabelecida.”

Topázio Neto sobre João David Ferreira Lima - Foto: Leo Munhoz/ND

Topázio Neto sobre João David Ferreira Lima – Foto: Leo Munhoz/ND

Reputação manchada (por Roberto Costa, coordenador geral do Floripa Sustentável)

“Desde que surgiu a possibilidade do cancelamento da homenagem ao professor João David Ferreira Lima, fundador e primeiro reitor da UFSC, há movimentações contra a proposta. Pessoas físicas se manifestam na internet e foi criado um abaixo-assinado. E instituições também saíram em defesa do reitor. Para elas, o processo mancha a reputação da UFSC.

Entre as instituições que se manifestaram, o Floripa Sustentável, que representa 45 entidades, e que classifica de equivocada e oportunista a manobra política que está há 11 anos em tramitação no Conselho Universitário por iniciativa da Comissão da Memória e Verdade.

Além de pedir ‘Justiça ao professor João David Ferreira Lima’, a contundente manifestação denuncia que a proposição está baseada em interpretações frágeis e desconexas dos fatos históricos registrados em Santa Catarina e na UFSC. São consideradas injuriosas. Alesc (Assembleia Legislativa do Estado de Santa Catarina), Câmara de Vereadores de Florianópolis, Fiesc (Federação das Indústrias do Estado de Santa Catarina), IHGSC (Instituto Histórico e Geográfico de Santa Catarina) e Prefeitura de Florianópolis também se posicionaram contra a retirada da homenagem.

A rejeição da impugnação do processo que revoga a homenagem ao professor João David Ferreira Lima pelo Conselho Universitário, na última sexta-feira (6), é mais um ato lamentável que mancha a reputação da UFSC, arduamente construída ao longo de 65 anos. Mais do que isso, são lamentáveis também as cenas da sessão do Conselho, que chegaram ao conhecimento da população pelas redes sociais e pelos veículos de comunicação.

De parte das 45 entidades que integram o Floripa Sustentável, a luta continua e continuará mesmo depois da decisão a ser tomada na próxima sexta-feira (13). Se houver a retirada do nome, faremos todos os esforços para revogar essa medida absurda; se for mantido o nome do professor David Ferreira Lima, seremos ativos para evitar que eventuais novas tentativas nesse sentido obtenham sucesso.”

Roberto Costa sobre João David Ferreira Lima - Foto: Germano Rorato/ND

Roberto Costa sobre João David Ferreira Lima – Foto: Germano Rorato/ND

Narrativa não se sustenta (por Júlio Garcia, deputado e presidente da Alesc)

“Essa iniciativa [de retirar a homenagem a João David Ferreira Lima] originou-se de uma comissão designada pelo Conselho para dar encaminhamento às recomendações da CMV (Comissão Memória e Verdade) da UFSC, que, em seu relatório, apresentou referida abordagem;

No relatório, vê-se um objetivo visível, desconstruir a figura do primeiro reitor da universidade, Dr. João David Ferreira Lima, nomeado em outubro de 1961, onde dentro dos milhares de documentos pesquisados, constam poucos indícios retirados de contexto, para encaixar o seu conteúdo no bojo de alegadas denunciações e perseguições durante o período do regime militar, não havendo qualquer prova das ditas denúncias, repetindo-se uma narrativa que não se sustenta.

No período em que João David Ferreira Lima foi reitor, não houve prisões a seu mando, muito menos tortura, desaparecimento de quem quer que seja; a CMV não aponta ninguém, porque realmente ninguém foi preso, torturado, demitido ou vítima de desaparecimento por influência ou determinação do reitor.

Os ofícios inclusos para fazer prova são imprestáveis, pois não há um documento sequer que comprove demissão de professores ou expulsão de aluno.

Ao contrário, o reitor João David Ferreira Lima foi fundamental na consolidação da instituição como um centro de excelência em ensino, pesquisa e extensão, contribuindo significativamente para o desenvolvimento econômico, social e cultural do Estado de Santa Catarina.

Durante sua gestão, a universidade esteve em ampla expansão criando cursos, estruturando unidades e promovendo diálogo entre ciência, cultura e desenvolvimento regional, seu trabalho foi essencial para que a universidade se tornasse uma referência para o estado.”

Júlio Garcia sobre João David Ferreira Lima - Foto: Rodolfo Espínola/Agência AL/ND

Júlio Garcia sobre João David Ferreira Lima – Foto: Rodolfo Espínola/Agência AL/ND

Câmara de Vereadores de Florianópolis

“Comprometidos com os valores da ordem, da responsabilidade institucional e da preservação da memória histórica legítima, manifestamos o mais veemente repúdio à proposta de revogação da homenagem ao professor João David Ferreira Lima, fundador e primeiro reitor da UFSC (Universidade Federal de Santa Catarina).

Sob a liderança firme e visionária de Ferreira Lima, a UFSC foi erguida como um farol de excelência acadêmica, guiando gerações de brasileiros por meio da educação, da técnica e do mérito. Seu legado ultrapassou gerações: está inscrito nas raízes da universidade, na seriedade de sua trajetória e no respeito que alcançou nacional e internacionalmente.

A tentativa de apagar sua memória —fruto de ativismo puramente ideológico e revanchista — constitui um ataque direto à estabilidade institucional da universidade e à sua identidade fundacional. Repudiamos, com indignação, a tentativa autoritária de se reescrever a história, pormeio de “comissões da verdade” que, ao invés de promover a justiça, solapam a autoridade dos pilares que sustentam nossa sociedade.

Não aceitaremos a lógica do cancelamento ideológico que vilipendia a memória e a honra de homens públicos que serviram à educação com dedicação, mérito e espírito republicano. A postura do atual reitor da UFSC, ao reabrir este processo da forma que ocorreu, sem garantias fundamentais como o direito de defesa e vistas ao contraditório, demonstra grave descuido com o princípio da imparcialidade que se espera de uma instituição de ensino superior.

Tal atitude fragiliza a autoridade universitária e escancara o avanço de pautas revanchistas que visam eliminar, de maneira sorrateira, os alicerces da própria universidade. Em nome da responsabilidade histórica, do bom senso institucional e da soberania da verdade concreta sobre narrativas ideológicas, exigimos o arquivamento imediato da proposta de alteração do nome do campus.

Que a UFSC continue a honrar seu fundador, um homem que liderou com firmeza, sem ceder a pressões partidárias, e que soube preservar a autonomia da universidade. A UFSC precisa voltar a ser uma instituição educacional forte, respeitada, guiada pela racionalidade, pelo mérito, pelo respeito ao contraditório, em homenagem aos que verdadeiramente construíram a universidade, hoje, infelizmente, tomada de assalto por militância de esquerda, que tem legado à esta gloriosa instituição, reportagens jornalísticas que retratam o caos, a depredação e a violência contra quem ousa manifestar oposição ao discurso dominante.

Pelo respeito à história, pela estabilidade das instituições e contra o revisionismo ideológico: repudiamos com firmeza esta proposta desmedida.”

Augusto César Zeferino, do Instituto Histórico e Geográfico de Santa Catarina

“Não podemos simplesmente apagar ou desconsiderar a história e o esforço de pessoas que se dedicaram profundamente e deram a vida pela criação da Universidade Federal de Santa Catarina. O nome do campus é Ferreira Lima, e retirá-lo para dar lugar a alguém que não tem mérito algum na história da universidade não faz sentido.

O Instituto Histórico e Geográfico de Santa Catarina apoia e defende a manutenção do nome João David Ferreira Lima. Alguns grupos chegam e, em três ou quatro anos, vêm tentando excluir toda essa história, mas o nome foi atribuído em um contexto diretamente ligado à criação e ao desenvolvimento da universidade.”

Fiesc (Federação das Indústrias do Estado de Santa Catarina)

“A Fiesc considera inoportuno e parcial o debate em curso no Conselho Universitário da UFSC sobre a possível mudança do nome do campus, que apropriadamente homenageia João David Ferreira Lima. Para a entidade, a discussão é uma injustiça com o principal responsável pela criação da UFSC, que enfrentou adversidades significativas para tornar viável a instituição.

Revisitar episódios históricos com os olhos do presente — especialmente quando influenciados por recortes ideológicos — impõe o risco de análises descontextualizadas e simplificadas, que desconsideram a complexidade dos fatos e o legado de figuras que contribuíram decisivamente para o progresso do estado.

Com tantos desafios a enfrentar para manter relevância, causa perplexidade que a instituição dedique sua energia a esse debate.”

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