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A organização sem fins lucrativos Climate Farmers, com sede em Berlin, na Alemanha, uma das pioneiras no sistema europeu de créditos de carbono do solo, surpreendeu o mundo da agricultura regenerativa ao se afastar dos mercados de carbono. A Climate Farmers foi fundada em 2020 e se dedica a escalar a agricultura regenerativa na Europa, construindo infraestrutura para apoiar fazendeiros na transição para práticas que restauram o solo, retêm água, promovem biodiversidade e capturam carbono
“Estamos nos afastando dos mercados de carbono”, diz Ivo Degn, cofundador da Climate Farmers. “Não porque a missão estivesse errada, mas porque o mercado não foi construído para apoiar a regeneração.”
Essa decisão surge em um momento de reavaliação do sistema alimentar global. Com a crescente volatilidade climática e o estresse financeiro sobre os agricultores, a agricultura regenerativa emergiu como um dos caminhos mais promissores — embora ainda mal compreendidos. Segundo um estudo recente da Aliança Europeia para a Agricultura Regenerativa (EARA, na sigla em inglês), a ciência está começando a alcançar essa promessa.
A pesquisa da EARA, que analisou 78 fazendas regenerativas em 14 países europeus, mostra que essas propriedades superam suas equivalentes convencionais em produtividade, resiliência e eficiência no uso de insumos. A antiga crença de que apenas a agricultura intensiva em insumos químicos é capaz de alimentar a Europa – e o mundo – está sendo seriamente questionada, não apenas na teoria, mas com dados.
Mas, se a agricultura regenerativa tem se mostrado mais produtiva e sustentável, por que não recebe mais apoio, especialmente dos mercados de carbono?
O Problema de Contabilizar Créditos de Carbono
Degn acredita que o problema não é pagar os agricultores por resultados ecológicos — é a forma como o carbono no solo é modelado, medido e monetizado.
“A melhor ciência disponível sobre carbono no solo ainda é fraca”, disse ele. A maioria dos modelos atuais considera apenas os 30 centímetros superiores do solo e ignora os exsudatos radiculares — compostos essenciais que alimentam a vida microbiana e impulsionam a regeneração do solo.
Essa lacuna não é apenas técnica — é estrutural. “Na verdade, não temos resultados,” observou Degn. “Temos resultados baseados em práticas.” Muitos protocolos simulam resultados em vez de medir mudanças reais. Mesmo a amostragem direta do solo é instável, já que os níveis de carbono variam com a chuva. “Um agricultor pode aplicar os melhores métodos regenerativos por cinco anos,” explicou Degn, “mas, se esses anos incluírem uma seca prolongada, parecerá que ele fracassou.”
Isso cria uma desconexão sistêmica entre as ações do agricultor e os pagamentos recebidos, em que se é penalizado não por más práticas, mas por mau tempo. Degn acrescentou: “Então tivemos que nos perguntar: estamos adaptando o sistema à realidade — ou distorcendo a realidade para caber no sistema?”
Outros atores, como a corporação Soil Capital, também buscaram trazer rigor e credibilidade ao financiamento do carbono do solo. Seu modelo paga anualmente a agricultores europeus dentro da cadeia de valor de alimentos e bebidas, com base em melhorias verificadas na saúde do solo e redução de emissões. Mas até executivos da Soil Capital reconhecem as limitações dos enfoques centrados no carbono, especialmente em paisagens e sistemas agrícolas diversos.
Embora os mercados de carbono tenham evoluído em infraestrutura — com registros, verificadores e protocolos de certificação — ainda dependem de modelos que não capturam a complexidade dos ecossistemas do solo. O problema não é a ciência em si, mas as suposições simplificadas demais e os conjuntos de dados limitados sobre os quais esses sistemas se baseiam. E, para muitos pioneiros da regeneração, a distância entre a promessa e a prova é grande demais para ser superada apenas com compensações.
Assim, a Climate Farmers ajudou a desenvolver a primeira metodologia europeia de carbono do solo aprovada internacionalmente e colaborou com o setor para elevar os padrões. Mas, segundo Degn, o mercado de carbono recompensa escala, e não regeneração. “Integridade tem um custo muito alto. Quanto maior o nível de credibilidade, menos projetos conseguem alcançá-lo,” acrescentou.
Em vez de construir um negócio que funciona no papel, mas falha na prática, a Climate Farmers está mudando seu foco.
“Isso não é uma saída. É uma mudança na forma como abordamos o financiamento da agricultura regenerativa,” disse Degn. “Mas até que o mercado evolua, preferimos concentrar nossa energia em outro lugar do que construir um negócio que funciona no papel, mas falha na prática.”
Além do Carbono: Solo como Infraestrutura Estratégica
O solo é mais do que um meio para as culturas — é a infraestrutura viva dos nossos sistemas alimentares, hídricos e climáticos. A maior parte da produção de alimentos depende de solo saudável, mas um relatório publicado pela ONU em 2022 estimou que mais da metade das terras agrícolas do mundo está degradada. Segundo uma pesquisa recente da Howden para a Comissão Europeia, isso pode gerar perdas anuais de 60 bilhões de euros (R$ 381,58 bilhões) até 2025, subindo para 90 bilhões de euros (R$ 572,37 bilhões) até 2050.
O risco ambiental agora é material. A PricewaterhouseCoopers estimou, em 2023, que mais de 50% da capitalização de mercado global está exposta a riscos materiais devido à dependência “moderada” ou “alta” da natureza. Da mesma forma, a S&P Global relata que 85% das maiores empresas do mundo têm vínculos operacionais diretos com ecossistemas. Essa questão transcende a agricultura: trata-se de um risco sistêmico.
Degn argumenta que os agricultores estão dispostos a liderar a transição, caso o sistema parar de penalizá-los pela complexidade. “Os agricultores estão prontos. Eles querem fazer o que é certo. Mas tudo ao seu redor dificulta, como subsídios, regulamentações, financiamento, cadeias de suprimento, cultura” disse ele. Em vez disso, ele defende uma reformulação sistêmica de políticas que recompensem a complexidade, não a punam; um financiamento que reduza os riscos da transição; e métricas que reflitam o que realmente importa — não apenas o que é fácil de contar.
Um Acerto de Contas com os Mercados de Carbono
Lisa Sachs, diretora do Centro de Investimentos Sustentáveis da Universidade Columbia, disse que concorda com a importância de financiar o uso regenerativo da terra, embora argumente que os mercados de carbono não são o meio adequado.
“No fundo, o modelo do mercado voluntário de carbono é conceitualmente falho. A maioria dos créditos é comprada como compensação, para neutralizar emissões que continuam ocorrendo em outro lugar,” disse ela. “E todo o sistema se apoia na ficção de que emissões de múltiplos gases/poluentes em um lugar podem ser ‘neutralizadas’ por remoções ou prevenções baseadas apenas em carbono em outro lugar.”
Sachs argumenta que o mercado voluntário consome capital financeiro e político escasso quando, na verdade, deveria apoiar estruturas estratégicas de financiamento público.
“Os projetos são moldados por e para um mosaico de desenvolvedores, corretores e plataformas que extraem valor, mas raramente entregam impacto sistêmico,” disse ela, apontando as falhas estruturais do sistema agrícola atual. “Muitos [créditos de carbono] são para projetos que não são adicionais nem permanentes e são frequentemente projetados estruturalmente para exagerar o impacto, premiar a superavaliação e obscurecer a responsabilização. O resultado é um sistema que permite o crescimento contínuo das emissões de GEE enquanto produz resultados ambientais e sociais mínimos, e muitas vezes perversos.”
Projetando para a Regeneração
Degn e sua equipe agora estão focados em métricas ecológicas que reflitam resultados reais. No âmbito de pagamentos públicos, Degn aponta para a proposta da EARA de basear os pagamentos por resultado em métricas simples, porém robustas, por satélite. Isso inclui combinar avaliações de proxies como a fotossíntese ao longo de um ano, cobertura do solo durante um ano inteiro e diversidade vegetal no mesmo período, como uma direção promissora. Essas métricas são simples, escaláveis e mais alinhadas com os objetivos ecológicos da agricultura regenerativa. Também reduzem a necessidade de métodos de quantificação de carbono invasivos, caros e, muitas vezes, imprecisos.
“O solo deve estar coberto, com raízes vivas tanto quanto possível,” disse Degn. “A fotossíntese é um bom indicativo de biodiversidade, sequestro de carbono e retenção de água. Também é mais fácil de monitorar e muito menos burocrática.”
A ideia está sendo testada em um estudo em parceria com a EIT Food, lançado em 3 de junho, e pode até formar a base da próxima geração da Política Agrícola Comum da União Europeia. Degn continua comprometido com os pagamentos por desempenho — mas, espera ele, com melhores ferramentas.
Um Novo Paradigma Financeiro para a Agricultura
O mercado voluntário de carbono, atualmente avaliado em apenas US$ 2 bilhões, não é apenas pequeno, ele é fundamentalmente desalinhado com a escala e a natureza da transformação necessária. Criado para intervenções isoladas, ele não consegue apoiar algo tão essencial e interconectado como o solo. O solo não diz respeito apenas ao carbono. Ele é a base da resiliência hídrica, climática e da biodiversidade. Tentar transformá-lo em mercadoria de forma fragmentada é perder o ponto.
Nessa linha, Sachs afirma que precisamos de estratégias de investimento público que financiem a regeneração de sistemas inteiros e não mais artifícios contábeis. A agricultura regenerativa não cabe na caixa dos créditos de carbono. Em vez disso, exige coordenação ousada em nível de paisagem.
Ao mesmo tempo, essa restauração em larga escala é impossível sem os agricultores. Eles gerenciam a terra, cuidam dos ecossistemas e assumem os riscos. Isso significa que devemos encontrar formas de financiar a regeneração no nível granular das fazendas, ao mesmo tempo em que nos alinhamos com metas ecológicas mais amplas.
A mudança da Climate Farmers não é um retrocesso, é um avanço. Se a sociedade quer soluções reais para o clima, é preciso financiar o que realmente importa, mesmo quando é difícil de medir. A mensagem é clara: regeneração acima de compensações, solo acima de simulações. É hora de construir sistemas financeiros tão interconectados — e ambiciosos — quanto os ecossistemas que estamos tentando restaurar.
O post Climate Farmers Abandona Créditos de Carbono e Propõe Nova Lógica para o Agro Sustentável apareceu primeiro em Forbes Brasil.