Forbes, a mais conceituada revista de negócios e economia do mundo.
Durante seus três primeiros meses como parte do governo Trump, Robert F. Kennedy Jr. (também conhecido como RFK) fez três grandes declarações sobre o que os americanos deveriam comer. A primeira é importante, mas pelas razões erradas. A segunda se apoia nas falácias da primeira. E a terceira vai contra mais de 60 anos de evidências científicas.
1. Alimentos ultraprocessados
“Algo está envenenando o povo americano. E sabemos que o principal culpado é a transformação do nosso abastecimento alimentar em produtos altamente químicos e processados”, afirmou RFK Jr. em sua sabatina no Comitê de Finanças do Senado, em janeiro de 2025.
Nesta declaração, RFK não está errado se estiver se referindo aos alimentos ultraprocessados (ou AUPs). Um estudo recente publicado pela Neurology, uma das revistas mais prestigiadas em neurologia clínica e básica, apontou que pessoas que consumiam mais AUPs tinham maior probabilidade de apresentar sintomas precoces da doença de Parkinson.
Outro estudo independente, publicado pela British Medical Journal, instituição editorial de referência na área da saúde, mostrou que os AUPs estão associados a um risco maior de morte por doenças cardíacas, diabetes tipo 2, obesidade e problemas de saúde mental, incluindo ansiedade e dificuldades para dormir.
Os AUPs são produzidos com vários ingredientes, incluindo aditivos como corantes, realçadores de sabor e conservantes. Contêm grandes quantidades de açúcar, sal e gorduras, o que os torna hiperpalatáveis — ou, simplesmente, saborosos. São baratos, fáceis de encontrar e práticos de consumir.
Para o consumidor, uma revisão de estudos com população combinada de mais de 1 milhão de pessoas mostrou que, a cada aumento de 10% no consumo de AUPs, o risco de mortalidade também aumenta em 10%.
Por que os AUPs fazem mal à saúde?
Muitas pessoas evitam os rótulos com listas longas de “produtos químicos” em alimentos que vão dos cereais até os salgadinhos. Um tipo de ingrediente — os corantes alimentares — pode ter efeitos negativos na saúde e está associado à hiperatividade em crianças.
De fato, o Make America Healthy Again (MAHA), movimento de saúde pública criado por Robert F. Kennedy Jr, espera banir os corantes alimentares em AUPs como refrigerantes. No entanto, não há um alerta direcionado aos altos níveis de sal, açúcar e gordura saturada nos AUPs, elementos que repetidamente mostraram contribuir para doenças crônicas como hipertensão, diabetes e câncer.

Robert F. kenedy Jr. diz que os alimentos ultraprocessados estão envenenando os norte-americanos
Kevin Hall, que atuou como pesquisador em nutrição no Instituto Nacional de Saúde dos EUA por 21 anos, descobriu que pessoas em dietas ultraprocessadas consomem cerca de 500 calorias a mais por dia, o que pode explicar por que os AUPs estão ligados ao diabetes tipo 2 e à obesidade.
Mas por que quem consome AUPs ingere mais calorias? Hall acredita que a densidade energética é a culpada. Em termos simples, um cookie com gotas de chocolate tem muito mais calorias por mordida do que uma banana. Ou seja, comer um cookie ultraprocessado significa consumir mais calorias do que comer frutas ou alimentos menos processados. Sem contar o gosto do açúcar, sal e gordura.
Os resultados preliminares do estudo recente de Hall, publicados por ele na rede social X, indicam que a alta densidade energética e o sabor irresistível de sal, açúcar e gordura explicam por que pessoas em dietas ricas em AUPs consomem mais calorias.
Mas não espere ver os resultados finais deste estudo publicados em breve. Acontece que Hall se aposentou precocemente aos 54 anos de sua posição no NIH porque o governo MAHA o forçou a retirar seu nome de um artigo sobre AUPs que mencionava “equidade em saúde” ou as dificuldades que alguns grupos enfrentam para acessar alimentos saudáveis.
A administração também retirou os recursos que Hall precisava para continuar sua pesquisa sobre AUPs. A perda de cientistas no NIH e em outras instituições ameaça nossa capacidade de “deixar os americanos saudáveis novamente”.
2. Coma gordura bovina em vez de óleos de sementes
Enquanto comia batatas fritas e um cheeseburger duplo no Steak N Shake, rede americana de fast-food fundada, com Sean Hannity, da Fox News, Kennedy elogiou as batatas fritas feitas com gordura bovina.
“Você sabia que o McDonald’s usava gordura bovina para fazer suas batatas fritas de 1940 até abandoná-la em favor dos óleos de sementes em 1990? Essa mudança foi feita porque se achava que as gorduras animais saturadas eram prejudiciais à saúde, mas desde então descobrimos que os óleos de sementes são uma das principais causas da obesidade. Os americanos deveriam ter todo o direito de comer em restaurantes sem serem envenenados. É hora de ‘Fazer do Óleo de Fritura a Gordura Bovina Novamente’”, disse RFK.
De fato, o consumo excessivo de óleos de sementes levanta preocupações de saúde, já que muitos têm baixo teor de nutrientes, são altamente processados e alguns, como o óleo de soja, podem conter quantidades elevadas de ácidos graxos ômega-6. Os óleos de sementes, ao contrário das gorduras animais, são em sua maioria insaturados.
Segundo Christopher Gardner, diretor de estudos de nutrição do Stanford Prevention Research Center, que pesquisa o papel das gorduras na alimentação desde 1995, “todo estudo feito nas últimas décadas mostrou que, ao consumir gorduras insaturadas no lugar das saturadas, os níveis de colesterol LDL [colesterol ruim] no sangue diminuem”. Ele completa que existem poucas associações na nutrição com tanto respaldo científico quanto essa. “Achar que os óleos de sementes estão entre os maiores problemas nutricionais do país é insano”, diz.
E em um estudo de 2025, os participantes com maior consumo de manteiga — que, assim como a gordura bovina, é majoritariamente gordura animal saturada — apresentaram 15% mais risco de mortalidade total. Já aqueles com maior consumo de óleos vegetais (como azeite, soja e canola) tinham 16% menos risco de morrer. Cerca de 1/3 das mortes foi por câncer, 1/3 por doenças cardiovasculares e o restante por outras causas.
Os autores concluíram que “substituir a manteiga por óleos vegetais pode trazer benefícios substanciais na prevenção de mortes prematuras”. Esses resultados apoiam as recomendações atuais de substituir gorduras animais como a manteiga por óleos vegetais não hidrogenados ricos em gorduras insaturadas, especialmente azeite, soja e óleo de canola.
É importante evitar o consumo excessivo de qualquer tipo de gordura ou óleo. Isso nos leva à terceira declaração de RFK Jr.
3. Torne-se um Carni-Bro
Em um evento público de promoção da MAHA em Virgínia Ocidental, RFK Jr. fez declarações polêmicas sobre o peso do governador do estado, Patrick Morrisey. “Vou colocá-lo em um regime rigoroso e em uma dieta carnívora. Levante a mão quem quer que o governador Morrisey faça uma pesagem pública todo mês. E quando ele tiver perdido 13,6 kg, eu volto a este estado e vamos fazer uma celebração com pesagem pública”, afirmou.

Robert F. Kennedy Jr. já sugeriu que os americanos troquem óleos de sementes por gorduras animais
A MAHA parece estar na linha de frente de uma nova guerra cultural: abandonar os alimentos de origem vegetal e se tornar um “carni-bro”, termo coloquial usado para descrever homens que seguem e promovem a dieta carnívora.
No entanto, uma revisão abrangente de estudos sobre alimentos e obesidade revelou que altos consumos de grãos integrais, leguminosas, nozes e frutas estão associados a menor risco de sobrepeso e obesidade, enquanto carnes vermelhas e bebidas adoçadas estão associados a um risco maior.
E como os AUPs se comparam à carne vermelha? O único estudo encontrado que compara os dois indicou que pessoas que consumiam AUPs tinham 14% mais chance de morrer, enquanto aquelas que comiam carne vermelha tinham uma chance 8% maior de morte no mesmo período. Aqueles que consumiam outros tipos de carne, como frango, porco e peixe, não apresentaram maior risco de mortalidade.
Mas esse estudo foi realizado com adventistas do sétimo dia, que consomem muito menos carne do que a média americana. Já na Virgínia Ocidental, os habitantes são, de longe, os maiores consumidores de cachorro-quente dos EUA: 481 por pessoa por ano.
Um estudo recente no Reino Unido, com uma população mais representativa, mostrou que cada 70g adicionais de carne vermelha e processada (como presunto, cachorro-quente, bacon e embutidos) por dia está associado a um risco 15% maior de doença cardíaca coronariana e 30% maior de diabetes.
Como o consumo de carnes vermelha e processada também está relacionado a maiores taxas de câncer, o World Cancer Research Fund, rede internacional dedicada à prevenção do câncer, recomenda limitar o consumo de carne vermelha a no máximo três porções por semana e evitar completamente carnes processadas.
Doenças cardíacas: ainda o principal assassino
De acordo com o Centro de Controle e Prevenção de Doenças dos Estados Unidos (CDC), as doenças cardíacas são a principal causa de morte no país, sendo responsáveis por 1 em cada 5 mortes — uma morte a cada 33 segundos. As doenças cardíacas custaram aos EUA US$ 252,2 bilhões (R$1,4 bilhões na cotação atual) entre 2019 e 2020. O mapa das regiões com maior incidência de doenças cardíacas se parece com o mapa dos apoiadores da MAHA, incluindo na Virgínia Ocidental.
Os primeiros itens nas recomendações do CDC para prevenir doenças cardíacas dizem respeito à alimentação: escolher refeições e lanches saudáveis, ricos em fibras, e limitar gorduras saturadas e trans, sal e açúcar.
Isso parece uma receita para evitar AUPs. Mas também pode ser uma receita para substituir carnes vermelhas e processadas por grãos integrais, frutas e vegetais — o que representa um golpe duplo: evitar carne e evitar AUPs ao mesmo tempo.
RFK Jr. está tornando a América saudável novamente?
Devemos celebrar a iniciativa de Kennedy de se afastar dos AUPs. É um passo importante para melhorar a saúde dos americanos. Mas por que o principal responsável pela saúde pública promove publicamente gordura bovina, batata frita e cheeseburgers duplos, quando há evidências científicas de que o consumo de gordura saturada e carne contribui para obesidade, diabetes, câncer e doenças cardíacas?
RFK afirma querer combater a corrupção nas indústrias alimentícia e farmacêutica, mas usa seu cargo para vender bonés e camisetas com a frase “Make America Tallow Again”, que significa fazer a América “gordurosa” de novo.
Ele diz acreditar que as mudanças climáticas são uma ameaça existencial, mas, já no segundo dia no cargo, eliminou verbas para pesquisas sobre ondas de calor, mofo em ambientes internos após enchentes, além de outros programas dos Institutos Nacionais de Saúde ligados a clima e saúde.
Resta saber se os esforços do governo Trump realmente farão algo para melhorar a saúde pública nos EUA.
* Marianne Krasny é colaboradora da Forbes EUA, onde escreve sobre agricultura regenerativa, dietas veganas e soluções contra o desperdício de alimentos.
O post O Que Robert F. Kennedy Jr. Está Fazendo para Tornar a América Saudável Novamente? apareceu primeiro em Forbes Brasil.