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A Conca de Barberà, na Catalunha, pode ser um local desconhecido por muitos, mas não no mundo dos vinhos. A região possui sua própria denominação de origem (DO) na Espanha, um sistema de classificação utilizado para certificar a procedência e a qualidade de vinhos, desde 1985. No entanto, uma parte significativa das uvas cultivadas ali tem sido destinada à produção do Cava, um espumante de alta qualidade, e apenas uma quantidade pequena de vinhos tem sido elaborada sob o selo da DO do local.
Isso parece estar prestes a mudar. Os produtores da Conca — como dizem localmente — querem voltar suas atenções para sua própria denominação e investir mais nos vinhos tranquilos. A região possui uma variedade de uva única, a trepat, cultivada exclusivamente no local, que resulta em um estilo de vinho muito procurado atualmente. Além disso, produzem vinhos tranquilos excelentes a partir das uvas típicas do Cava, especialmente parellada e macabeu.
Conca de Barberà está localizada no interior da Catalunha, ao norte da cidade costeira de Tarragona. A região é montanhosa e fica próxima ao mais famoso terroir do Penedès, um dos mais importantes da região. Por isso, as duas áreas compartilham o clima mediterrâneo, com verões quentes e secos e invernos amenos.
No entanto, os vinhedos da Conca estão situados a 400 a 500 metros acima do nível do mar, o que faz com que as temperaturas caiam significativamente à noite. Marta Pedra, que comanda a vinícola boutique Vins de Pedra, diz que as noites frescas de verão e a brisa constante ajudam na preservação da acidez e na prevenção de doenças fúngicas.
O solo contém calcário, com boa capacidade de retenção de água, o que permite aos viticultores se prepararem para períodos de seca. Neste momento, uma estiagem de três anos acabou de chegar ao fim na Catalunha.

A região possui catedrais vinícolas com como janelas longas e abertas
As cooperativas e as magníficas catedrais do vinho
Conca de Barberà teve uma produção expressiva de vinhos no século 19, com grandes áreas plantadas e exportações para o norte da Europa e para as Américas. No entanto, tudo isso terminou de forma abrupta com a chegada da filoxera, praga devastadora que atacou as videiras do continente, em 1893. No ano seguinte, foi fundada a Sociedad de Trabajadores Agrícolas del Pueblo de Barberá, a primeira cooperativa agrícola da Espanha. Por meio de entidades como essa, os viticultores conseguiram sobreviver ao período difícil.
Muitas cooperativas foram fundadas nas primeiras décadas do século 20. Hoje, elas continuam sendo essenciais para a produção de vinhos e para os muitos pequenos viticultores da região. Também são um espetáculo à parte nas pequenas cidades. Várias delas estão instaladas nas chamadas “catedrais do vinho”, construções de tijolos com tetos altos em estilo modernista catalão — movimento cujo maior expoente é Antoni Gaudí, arquiteto catalão mundialmente reconhecido por seu estilo único, altamente criativo e profundamente ligado à natureza, à religião e à cultura da região.
Cèsar Martinell, discípulo de Gaudí, é famoso por ter construído várias dessas catedrais vinícolas por volta de 1920. Martinell estudou viticultura e vinificação e se especializou na construção de adegas. Ele entendia as necessidades específicas dessas instalações, como janelas longas, estreitas e abertas (sem vidro), para garantir ventilação natural e frescor.
A Trepat
“Antes da filoxera, um terço das uvas da Conca era trepat”, conta Bernat Andreu, que administra a vinícola Celler Carles Andreu com seu pai, Carles. “A cooperativa manteve o cultivo da trepat, mas principalmente para fazer Cava Rosé, além de um pouco de vinho rosé tranquilo”, diz.
A trepat produz rosés excelentes e cheios de sabor, mas é nos tintos que ela mostra seu lado mais fascinante. No entanto, levou um tempo até que os vinhos tintos dessa variedade tivessem seu lugar ao sol.
A partir de 1985, produtores independentes começaram a surgir, e novas variedades de uvas foram plantadas. Tradicionalmente, a região cultivava principalmente trepat, parellada, macabeu e tempranillo. Mas passaram a plantar também as populares cabernet sauvignon e merlot. A trepat, ainda assim, era usada sobretudo para rosés.
O ano 2000 estabeleceu um novo marco. Carles Andreu começou a fazer Cava em 1991. Dez anos depois, ele quis produzir também vinhos tranquilos — especialmente o tinto de trepat. “Em 2000, ele fez o primeiro, e por vários anos esse foi o único vinho tinto de trepat”, conta Bernat.

A uva Trepat possui baixo teor alcoólico
Mas isso já mudou. Alguns anos depois, começou a tendência do trepat tinto. “Nos anos 1980, as pessoas plantavam tempranillo”, diz Josep Almirall, gerente de exportações da Cellers Domenys, cooperativa vitivinícola histórica da Catalunha. “Agora, plantam trepat.”
Por que a trepat tem tudo para ser uma estrela?
“As pessoas hoje querem vinhos mais leves para acompanhar as refeições”, afirma Gonzalo Cle de Diago, diretor comercial nacional da Castell d’Or, cooperativa vitivinícola catalã formada em 2006. Ele usa como exemplo seu Red Trepat, que é vendido por 7 euros (R$ 45 na cotação atual) na vinícola. “É fácil de beber, mas ainda tem personalidade, muito frescor e a fruta num estilo suculento e agradável”, diz.
A descrição de Gonzalo é precisa, embora, claro, haja nuances dentro do conceito de “leve” e “suco de fruta”. Em vinhos como o Le Trempat, da Vins de Pedra, ou o Elixir, da Celler Vidbertus, há mais complexidade e intensidade. Mas a tipicidade da uva continua presente.
O enólogo Martí Magrinyà, da Celler Vidbertus, vinícola familiar situada em L’Espluga de Francolí na região, descreve o Trempat da seguinte forma: “É um vinho leve, com corpo leve, fresco, não ácido, mas com baixo teor alcoólico, o que faz com que você sinta a acidez. O aroma varia conforme a safra, mas costuma ter notas de morango, especiarias e um toque de pimenta-preta”, completa.
O baixo teor alcoólico desses vinhos é um ponto importante, já que, atualmente, muitos consumidores rejeitam rótulos com 14% de álcool ou mais. Mesmo quando colhida madura, a trepat geralmente não ultrapassa os 12% ou 12,5% de álcool. A colheita pode ocorrer até o fim de outubro.
Outro ponto positivo é sua adaptabilidade. “É uma planta resistente, bem adaptada ao nosso ambiente. Tolera a seca. Durante os três anos de estiagem que enfrentamos, a trepat e a garnacha praticamente não foram afetadas”, diz Martí Magrinyà.
Ricard Sebastià Foraster, da Mas Foraster, vinícola familiar da região, concorda: “A trepat tem boa resistência ao calor e à seca, assim como a garnacha. A garnacha sumiu um pouco da Conca porque não é usada no Cava, mas agora voltamos a plantá-la para fazer cortes com trepat”.
Alguns produtores maturam seus vinhos de trepat em barris de carvalho. Isso pode funcionar bem, embora Martí Magrinyà recomende cautela nesse uso. “Já provei vários trepats levemente amadeirados que são excelentes, como o Domenio Trepat, da Cellers Domenys, e o Le Trempat, da Vins de Pedra. Como sempre, o carvalho deve ser usado com moderação — e os trepats mais leves costumam se sair melhor sem ele”, diz.

O vinho Le Trempat, da Vins de Pedra, é considerado leve
Nas encostas voltadas para o norte, com vinhas de 84 anos, a Mas Foraster elabora seu Julieta Trepat. Eles retiram os cachos, mas reintroduzem 40% deles no tanque de fermentação, o que, segundo Foraster, “dá textura”. O resultado é um vinho elegante, com complexidade aromática.
A trepat não é a única uva da Conca de Barberà, e é comum fazer cortes com outras variedades. O Domenio Anima Nua Cor Viu, da Cellers Domenys, combina tempranillo com trepat, resultando em um estilo frutado, refrescante e agradável após uma breve passagem por barris antigos.
A Celler Rendé Masdéu produz um vinho branco com trepat, combinando-a com garnacha blanca. O vinho, chamado Genuïna, fermenta e amadurece em barris com bâtonnage (mexidas nas borras), resultando em uma bebida estruturada e encantadora.
Outras uvas
Das três uvas clássicas do Cava, parellada e macabeu predominam — o xarel-lo não se adapta tão bem ali. Os vinhos tranquilos feitos com parellada e macabeu na Conca de Barberà impressionam e revelam o potencial dessas variedades de uma forma completamente diferente daquela percebida no Cava.
Isso fica evidente no vibrante Entre2 Parellada, da Celler Vidbertus, e no fresco e cítrico Folls Blanc Macabeu, da Vins de Pedra. Com seis meses de maturação sobre as borras, o Parellada da Cellers Carles Andreu ganha uma textura encantadora.
Outra uva encontrada na Conca de Barberà é a garutt, nome local para a monastrell. O Vi de Fang, da Celler Rendé Masdéu, revela um lado intenso e saboroso da variedade. O 996, da Celler Vidbertus, elaborado com vinhas centenárias, exibe frescor e concentração impressionantes.
Para muitos produtores da Conca de Barberà, o Cava continua sendo o principal produto. No entanto, os vinhos tranquilos de qualidade vêm conquistando cada vez mais espaço.
* Per and Britt Karlsson são colaboradores da Forbes EUA, onde escrevem sobre negócios e viagens envolvendo vinhos.
O post Uva Trepat Impulsiona o Renascimento dos Vinhos Tranquilos na Catalunha apareceu primeiro em Forbes Brasil.