Por João Borges, do Núcleo de Contratação Pública, Ambiental e Urbanístico da Menezes Niebuhr Sociedade de Advogados.
Tudo o que as empresas que vencem uma licitação esperam do Poder Público é receber em dia. As contratadas sabem que os contratos administrativos são todos estruturados para proteger a Administração Pública, não as empresas. Sabem que terão que enfrentar dezenas de obrigações e ter meia dúzia de direitos.
Em contrapartida, esperam apenas que, uma vez que os bens tenham sido fornecidos e os serviços prestados de forma adequada, o pagamento seja efetuado no prazo estabelecido. Muitas vezes, contudo, não é o que acontece. A Administração deixa de honrar uma de suas únicas obrigações previstas em contrato e não é responsabilizada por isso.
As empresas contratadas, por outro lado, precisam enfrentar intermináveis ações judiciais de cobrança para, com sorte, terem seus créditos inseridos em uma também interminável fila de precatórios. Não raro, empresas fecham as portas antes de chegar a esse ponto.
O desafio para quem atua na defesa dos interesses das empresas que têm valores a receber da Administração é encontrar uma alternativa mais prática, eficaz e rápida para garantir que elas recebam o que lhes é devido em menos tempo. Daí a solução sobre a ordem cronológica de pagamentos.
A já revogada Lei Federal n. 8.666/1993 possuía previsão tímida no sentido de obrigar que a Administração Pública efetuasse seus pagamentos seguindo uma ordem cronológica, salvo exceções justificadas.
Desde a entrada em vigor da nova lei de licitações, a obrigação de seguir a ordem cronológica foi bastante reforçada. A imposição veio mais bem delimitada e objetiva por meio do artigo 141 da Lei Federal n. 14.133/2021.
A lei também trouxe a obrigação de a Administração publicar em seu portal, mensalmente, a ordem cronológica de seus pagamentos para garantir maior transparência e conferir poder de fiscalização aos administrados. É o que dispõe o § 3º do artigo 141.
Ou seja, além de seguir a ordem cronológica, a Administração está legalmente obrigada a publicá-la na internet, com atualização mensal da lista dos seus pagamentos e a posição de cada um deles dentro dessa ordem.
Com as alterações, o intuito do legislador parece claro: impedir que o gestor público possa escolher de forma discricionária quem pagará quando vários forem os credores da Administração.
Assim, evita-se o favorecimento das empresas que possuem uma relação melhor com os gestores públicos e, por consequência, assegura-se que todas as credoras sejam tratadas com isonomia e impessoalidade. Marçal Justen Filho há tempos destaca que “A Administração não pode pagar antes obrigação que adquiriu exigibilidade posteriormente”.
Ora, se uma fatura foi apresentada para pagamento em janeiro e ainda não quitada, não faz sentido permitir que a Administração, sem qualquer justificativa ou critério, efetue antes o pagamento de outras faturas que tenham sido apresentadas em julho, por exemplo. Seria grave ofensa à isonomia e à impessoalidade.
Por isso, a previsão legal mais robusta da Lei Federal n. 14.133/2021 sobre a ordem cronológica pode ser uma luz no fim do túnel para que as empresas consigam receber os valores devidos pela Administração de forma mais rápida, sem precisar passar pelas ações de cobrança e depender dos precatórios.
Ao contrário da ação de cobrança, em que o Poder Judiciário referenda os valores que a empresa tem a receber da Administração para determinar a expedição de precatório, o pedido de uma ação judicial sobre a ordem cronológica não deve ser o pagamento dos valores devidos.
Nesse caso, a medida judicial precisa ser fundamentada no artigo 141 da Lei Federal n. 14.133/2021, e deve ser requerido que o Poder Judiciário apenas obrigue a Administração Pública a seguir a lei e efetuar todos os seus pagamentos pela ordem cronológica, ou que se abstenha de ignorá-la. A consequência será o pagamento dos valores que estão atrasados quando chegar a sua vez dentro da ordem, mas esse não é o pedido imediato.
Dessa forma, a Administração deve ser obrigada a realizar o pagamento em menos tempo, porque não demandaria produção de provas sobre a execução dos serviços, além de também ser possível perseguir liminar para que a Administração siga a ordem cronológica ainda antes do fim do processo.
Para instruir ação judicial como essa, bastaria a empresa comprovar que a Administração tem efetuado outros pagamentos fora da ordem cronológica. Poderia, por exemplo, juntar ao processo uma fatura da mesma fonte de recursos com data posterior às suas que estão em aberto, mas que já tenha sido quitada pela Administração.
Ainda ao tempo da vigência da Lei Federal n. 8.666/1993, o Superior Tribunal de Justiça já produziu precedente favorável às empresas para obrigar que a Administração fosse impedida de efetuar pagamentos fora da ordem cronológica.
Os Tribunais de Contas também possuem precedentes mais antigos sobre a necessidade de os pagamentos da Administração seguirem a ordem cronológica.
Ou seja, mesmo que o mais comum ainda seja ver empresas ajuizando ações de cobrança para reaver os valores diretamente, já existem precedentes que sustentam os questionamentos sobre a ordem cronológica de pagamentos.
É verdade que os precedentes citados se baseavam na lei revogada. Mas, com a vigência da Lei Federal n. 14.133/2021, percebe-se que as obrigações acerca da ordem cronológica foram reforçadas, não diminuídas.
Por isso, as perspectivas futuras parecem beneficiar as empresas contratadas pelo Poder Público. Como já existem decisões favoráveis utilizando a antiga lei de licitações, tudo indica que a nova previsão legal mais abrangente deve deixar o Poder Judiciário ainda mais confortável para dar razão às empresas quando se deparar com pedidos sobre a ordem cronológica.
Para finalizar, a lei ainda trouxe um bom incentivo para que os gestores públicos cumpram espontaneamente a ordem cronológica de pagamentos. O parágrafo 2º do artigo 141 da Lei Federal n. 14.133/2021 prevê que o agente poderá ser responsabilizado pelos órgãos de controle em casos de inobservância dessa ordem.
Ou seja, além de requerer o respeito à ordem cronológica, as empresas que se sentirem prejudicadas também poderão denunciar os agentes públicos aos respectivos Tribunais de Contas a fim de responsabilizá-los por efetuar pagamentos fora de ordem.
Nesse sentido, já existe posicionamento de alguns Tribunais de Contas aplicando multa a agentes públicos que descumpriram a ordem cronológica:
Conclui-se que a Lei Federal n. 14.133/2021 trouxe novos mecanismos para garantir que a Administração Pública respeite a ordem cronológica. As empresas contratadas precisam estar atentas para, em caso de descumprimento, acionar seus advogados e garantir que a lei seja seguida.
Caso as novas disposições da lei sejam colocadas em prática, as empresas com faturas não quitadas pela Administração poderão receber o que têm direito de forma mais rápida, sem estar à mercê de ações judiciais e da fila de precatórios.
O Poder Judiciário também será beneficiado no futuro, pois, quando o respeito à ordem cronológica se tornar regra, receberá cada vez menos ações de cobrança.
Além disso, o principal benefício consiste em garantir o respeito aos princípios administrativos, especialmente os da isonomia, da impessoalidade e da legalidade.
Para tudo isso, basta que a Administração Pública cumpra espontaneamente a lei e siga a ordem cronológica de pagamentos. Ou que o Poder Judiciário a obrigue a fazê-lo, caso necessário.
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