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Pesquiso novos destinos com frequência. Estou sempre atenta a experiências inéditas – apesar de saber que mesmo se eu viajasse todos os dias, uma única vida não seria suficiente para conhecer o mundo inteiro. Por isso escolho colocar meu foco de atenção em viagens quase que personalizadas, procurando escapar dos roteiros clássicos oferecidos por agências de turismo tradicionais.
Considero que uma viagem de luxo não é necessariamente uma viagem custosa, daquelas que incluem hospedagens em hotéis glamourosos, restaurantes premiados, motoristas de luvas brancas aguardando na porta ou mesmo embarques em primeira classe. Na minha opinião, uma viagem de luxo é aquela que nos oferece oportunidades de transformação através de experiências fora do comum.
Às vezes minhas amigas me julgam dizendo que eu só viajo para o exterior, para lugares considerados caros, quase inacessíveis; mas elas estão erradas. Também viajo pelo Brasil, para caminhar a pé por quilômetros e, no caminho, muitas vezes durmo em redes e bebo água em copos que um dia já foram de requeijão. O que eu busco numa viagem é surpreender os meus olhos e o meu coração. Quando alcanço um instante de emoção verdadeira, faço registros fotográficos para poder compartilhar a experiência com pessoas que talvez nunca tenham vivido essa mesma oportunidade.
Uma das minhas experiências recentes foi em Bonito (MS). Anos atrás planejei mergulhar juntamente com as minhas três filhas no lago interior do Abismo Anhumas; porém, o mau tempo não permitiu nossa entrada através da pequena fenda onde desceríamos o vão livre em uma corda, usando o sistema de rapel. Essa é até hoje a única forma de se alcançar o interior da caverna e atravessar uma enorme catedral natural no seu interior. Devido à ventania daquele dia, nosso programa acabou sendo cancelado.
A ideia de viver essa experiência de descer uma grande cavidade natural, quase vertical, e mergulhar no seu lago interior, de fundo quase inexplorado, permaneceu viva na minha lembrança. Recentemente decidi priorizar a data (que parecia fadada ao insucesso por ser a época do ano de maior incidência de chuvas), mas quis fazer uma nova tentativa. Eu teria que contar com a sorte outra vez, por ser a única semana do ano em que a luz do sol passa por um buraco no topo da caverna e forma um lindo facho de luz zenital que ilumina não somente a linha d’água, mas amplia o campo de visibilidade chegando a 16m de profundidade.
Nessa nova tentativa o dia amanheceu com tempo bom. Na entrada do Abismo Anhumas, diante de um guincho com cabos de aço, vesti um cinto em forma de cadeirinha e engatei dois mosquetões. Dois rapazes fizeram a checagem do meu equipamento e me autorizaram a dar um passo à frente. Foi quando fiquei pendurada no ar. A partir de então, já suspensa no ar, olhei para baixo e percebi que não via o fim da descida. Não havia escolhas a fazer além de confiar e acreditar em que tudo seguiria bem. Esse é um daqueles instantes em que sentimos a deliciosa sensação de termos borboletas voando no nosso estômago. Como um pêndulo, desci lentamente presa a um cabo de aço os 72m que separam a boca da caverna até o nível da água do seu lago interior. Nesse trajeto nos sentimos totalmente livres, enquanto observamos a beleza da caverna formada por rocha calcária, que tem as dimensões do estádio do Maracanã. Impactante também a sensação de perceber o eco do silêncio, que intensificava na medida em que o guincho avançava para baixo.
Quando meus pés tocaram no deck flutuante instalado na superfície do lago interior da caverna, o cabo de aço parou de descer. O ambiente era muito escuro. Liguei a luz da lanterna que estava acoplada ao meu capacete e vesti o equipamento de mergulho. Minha certificação PADI permitiu que eu pudesse alugar roupas de borracha, cilindro de ar comprimido e acessórios para mergulho autônomo. Entrei devagar no lago interior, que chega a ter 90m de profundidade. A água estava fria, mesmo com a camada de roupa de borracha que eu vestia. Abstraí do desconforto da sensação térmica assim que me vi ali, mergulhando entre dezenas de cones de calcário submersos, que formam uma espécie de floresta como aquelas que poderíamos facilmente encontrar como cenário de filmes de ficção. Mergulhei entre cones que chegam a ter 19m de altura. Maravilhada com aquela experiência nova para mim. Entre bolhas de ar que soltei do meu respirador, olhei para cima e vi o facho de luz do sol que entrava pelo topo da caverna, iluminando a superfície da água e transformava todo o ambiente em verde tons de menta. Essa foi, sem dúvida, uma experiência inesquecível.
Embora o destino Bonito já seja bastante divulgado, sugiro anotar esse nome num cantinho do seu bloco de notas: Abismo Anhumas. Acho que vale a pena conhecer.
Um abraço e até a próxima coluna!
*Marina Bandeira Klink é uma fotógrafa de natureza brasileira, com nome reconhecido especialmente por seus registros fotográficos das regiões mais remotas do globo. Atualmente, Marina propõe novas experiências para viajantes e fotógrafos que, assim como ela, deseja fazer registros em destinos não convencionais. Ela publicou 3 livros de fotografia e 2 livros infanto-juvenis – ambos adotados por escolas particulares e pela rede pública de ensino de todo o país. Além disso, seu trabalho está presente em livros didáticos, jornais e revistas e em exposições fotográficas no Brasil e exterior. Em suas palestras Marina relata experiências vividas em viagens nada usuais abordando temas como coragem para uma mudança de Mindset, desafios e superação, liderança, empreendedorismo e meio ambiente.
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