

Sergey Cherkasov é um dos acusados de ser formado em ‘fábrica de espiões’ russa instalada no Brasil – Foto: Reprodução/R7/Fala Brasil/ND
Os serviços de inteligência russos transformaram o Brasil em uma espécie de ‘fábrica de espiões’ para agentes infiltrados, de acordo com uma investigação publicada pelo jornal The New York Times nesta quarta-feira (21).
Durante anos, espiões russos usaram o país como plataforma para construir identidades falsas, com o objetivo de se infiltrar em nações como Estados Unidos, Europa e Oriente Médio.
A operação, no entanto, foi desmantelada por agentes de contrainteligência da Polícia Federal brasileira, em uma ação chamada Operação Leste. A investigação do periódico foi baseada em entrevistas com agentes.
Como funcionava a fábrica de espiões russos no Brasil?
De acordo com o jornal norte-americano, policiais e agentes de inteligência em três continentes afirmaram que os espiões russos abandonavam seus passados na Rússia para criar novas personas no Brasil.

Agentes do país comandado por Vladimir Putin usaram o Brasil para se infiltrar em outras nações – Foto: Ramil Sitdikov/Sputinik/AFP/ND
Eles abriam negócios, faziam amigos e até iniciavam relacionamentos amorosos, construindo, ao longo de anos, identidades brasileiras autênticas. Um dos agentes formados na ‘fábrica de espiões’ abriu uma joalheria, outro se passou por modelo e houve até um caso de um agente admitido em uma universidade norte-americana.
O objetivo não era espionar o Brasil, mas usar o passaporte brasileiro – que permite entrada sem visto em diversos países – como porta de acesso para operações em outras nações.
Caçada aos agentes infiltrados
Nos últimos três anos, a Polícia Federal conduziu uma operação sigilosa e meticulosa para identificar esses agentes. Pelo menos nove espiões russos operando com identidades brasileiras foram descobertos, sendo que seis nunca haviam sido identificados publicamente até então.
A Operação Leste ganhou força após a invasão da Ucrânia pela Rússia, em fevereiro de 2022, que intensificou a resposta global contra a fábrica de espiões implementada, de forma sigilosa, no Brasil.

Operação sigilosa da Polícia Federal identificou fábrica espiões russos no Brasil – Foto: Rafa Neddermeyer/Agência Brasil/ND
Um caso emblemático da “fábrica de espiões” foi o de Sergey Cherkasov, que usava o nome falso de Victor Muller Ferreira. Ele tentou ingressar como estagiário no Tribunal Penal Internacional, na Holanda, usando um passaporte brasileiro autêntico, mas foi identificado pela CIA e teve sua entrada negada. Ao retornar a São Paulo, Cherkasov foi preso pela Polícia Federal, acusado de uso de documentos falsos.
A investigação revelou que os espiões obtinham certidões de nascimento legítimas, muitas vezes explorando vulnerabilidades no sistema brasileiro, como a possibilidade de registrar nascimentos em áreas rurais com apenas duas testemunhas. Com esses documentos, eles conseguiam carteiras de identidade, registros de eleitor e passaportes genuínos.
Golpe no programa russo
A operação brasileira desferiu um duro golpe no programa de espionagem russo, dificultando a substituição de agentes altamente treinados, segundo a investigação. Pelo menos dois foram presos, enquanto outros fugiram para a Rússia após terem suas identidades expostas.
Um exemplo de agentes dessa “fábrica de espiões” é Gerhard Daniel Campos Wittich, que se passava por dono de uma gráfica no Rio de Janeiro. Ele fugiu para a Malásia antes de ser capturado, deixando para trás uma vida cuidadosamente construída.
Outro caso envolveu Eric Lopes, na verdade Aleksandr Utekhin, um joalheiro que promovia seu negócio em programas de TV, mas que, segundo investigadores, usava a empresa como fachada. Após deixar o Brasil, ele teria passado pelo Oriente Médio antes de retornar à Rússia.

Russos não espionavam o Brasil, mas usavam passaporte brasileiro para ingressar em países em que é possível ingressar sem visto – Foto: Reprodução/ND
A descoberta da “fábrica de espiões” no Brasil é parte de um contexto maior de combate à espionagem russa, intensificado após práticas como interferência em eleições, envenenamento de opositores e o abate de um avião de passageiros na Ucrânia, em 2014.
“Nós simplesmente juntamos as cabeças e pensamos: ‘O que é pior do que ser preso como espião?’”, disse um investigador ao The New York Times. “É ser exposto como espião.”
*Com informações do R7.