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Morreu nesta terça-feira (13) aos 89 anos o ex-presidente uruguaio Pepe Mujica. Ele foi vítima de um câncer no estômago, que havia sido descoberto em abril de 2024. No domingo (11), o presidente uruguaio Yamandú Orsi, sucessor de Mujica, pediu que sua privacidade fosse respeitada. Na segunda-feira (12), Lúcia Topolansky, esposa de Mujica, afirmou que ele estava recebendo apenas cuidados paliativos. “Este já é um fim anunciado. Os médicos estão tentando fazer com que isso aconteça da melhor forma possível”, disse ela, que já foi senadora e ocupou a vice-presidência do Uruguai entre 2017 e 2020.
Mujica havia suspendido o tratamento em janeiro. Ele afirmou em uma entrevista ao jornal uruguaio Búsqueda que o câncer estava em metástase e havia chegado ao fígado. “Estou morrendo”, disse ele, anunciando que não concederia mais entrevistas. “O guerreiro tem direito ao seu descanso.”
Ex-guerrilheiro e ex-preso político, Mujica presidiu o Uruguai entre 2010 e 2015. Saiu da presidência com uma taxa de aprovação de 63% e teria sido facilmente reeleito, mas a legislação uruguaia não permite a reeleição. Em seu mandado ele tornou-se célebre pelo avanço de medidas como a liberação do aborto e a descriminalização da maconha, que não foram revertidas por seus sucessores conservadores. E antes e depois da Presidência, Mujica era reconhecido para além da esquerda do espectro político por seu estilo de vida frugal, sendo conhecido como “o presidente mais pobre do mundo”.
Trajetória política
José Alberto Mujica Cordano nasceu no dia 20 de maio de 1935 em Montevidéu, no bairro Paso de la Arena. O distrito, na zona oeste da capital uruguaia, é uma região de imigrantes, caso da família do ex-presidente. Seu pai, Demétrio Mujica Terra, era um pequeno agricultor de origem basca, cuja família chegou ao Uruguai na década de 1840, vinda da cidade de Múgica. Sua mãe, Lucy Cordano, era de uma família de imigrantes italianos de Gênova.
Demétrio faliu pouco antes de morrer, em 1940, quando Mujica tinha apenas seis anos. O ex-presidente estudou em uma escola pública. Recebeu educação primária e secundária na escola Nº 150 de Paso de la Arena, e tendo terminado o liceu, se matriculou no Instituto Alfredo Vásquez Acevedo (IAVA) para cursar Direito, curso que não concluiu.
A família sempre esteve envolvida com política. Seu avô materno era ligado ao herrerismo, movimento político conservador liderado pelo jornalista e diplomata Luis Alberto de Herrera y Quevedo (1873-1959). Seu tio materno, Ángel Cordano, era nacionalista e peronista e teve uma grande influência sobre a formação política de Mujica.
Em 1954, com 20 anos, o ex-presidente votou pela primeira vez no Partido Socialista. A partir daí começou a militar para o Partido Nacional, onde chegou a ser secretário geral da Juventude. Em meados da década de 1960, juntou-se ao recém-formado movimento MLN-Tupamaros, um grupo armado de extrema esquerda inspirado pela Revolução Cubana. Lá conheceu Lúcia Topolansky, filha de um engenheiro e incorporador de ascendência polonesa. Viveram juntos a partir de 1972 até se casarem em 2005.
Ditadura e prisão
A situação política do Uruguai era complexa nos anos 1960. No início do século passado havia dois partidos “tradicionais”, ambos ligados à elite. O Blanco, de centro-direita, apoiado pelos proprietários rurais e pecuaristas. E o Colorado, de centro-esquerda, apoiado pelas elites urbanas. Entre 1952 e 1967, o país experimentou uma presidência coletiva na tentativa de trazer os dois partidos para o poder. O Conselho Nacional de Governo tinha nove membros, seis do partido majoritário e três da oposição.
Não deu certo. A liderança política era fraca e a situação econômica piorava gradativamente. Em 1967 foi reestabelecida a presidência “tradicional” com a eleição do latifundiário Óscar Diego Gestido, do Partido Colorado. Ele não conseguiu melhorar as condições econômicas e morreu seis meses após assumir o cargo.
Seu sucessor, Jorge Pacheco Areco (1967-1972), proibiu o Partido Socialista, interveio nos sindicatos e em outras organizações de esquerda, expulsou professores das universidades e fechou jornais. Areco foi sucedido por Juan María Bordaberry, que governou entre 1973 e 1976 e transferiu boa parte do poder aos militares. Foi o início da ditadura que duraria até 1985.
Em 1969 Mujica participou da tomada de Pando, uma cidade próxima a Montevidéu, liderando um dos seis esquadrões que atacaram pontos estratégicos. A equipe de Mujica foi encarregada de tomar a central telefônica e foi a única a concluir a operação com sucesso. Em março de 1970, Mujica foi baleado ao resistir à prisão em um bar de Montevidéu. Ele recebeu seis tiros e feriu dois policiais. O cirurgião no hospital militar salvou sua vida.
Mujica foi capturado quatro vezes. Ele estava entre os mais de 100 tupamaros que escaparam da Prisão de Punta Carretas em setembro de 1971, cavando um túnel. Mujica foi recapturado um mês depois, mas fugiu de novo em abril de 1972. Sua última prisão foi em 1973, já na ditadura militar. Ele e outros oito tupamaros foram mantidos em prisão militar em condições precárias. Mujica chegou a ficar preso em uma cocheira abandonada por mais de dois anos. Ao todo, ele passou 13 anos em cativeiro. Durante sua na prisão, ele teve vários problemas de saúde. O próprio Mujica relatou alucinações auditivas e episódios de paranoia.
Redemocratização e presidência
Após o retorno do Uruguai à democracia, Mujica foi libertado. Ele foi beneficiado pela Lei n.º 15.737 de 8 de março de 1985, que anistiou os delitos políticos cometidos a partir de 1º de janeiro de 1962. No início dos anos 1990, ele e outros ex-tupamaros fundaram o Movimiento de Participación Popular (MPP). Mujica foi eleito deputado por Montevidéu em 1994 e eleito senador em 1999.
No dia 1º de março de 2005, o presidente da República, o ex-tupamaro Tabaré Vázquez, indicou Mujica para o Ministério da Agricultura. Ele ficou no cargo até março de 2008, quando se tornou-pré-candidato à presidência da República. Foi escolhido candidato pela Frente Ampla em 2009 e venceu as eleições de outubro com 54,6% dos votos válidos no segundo turno do pleito, quando derrotou Luis Alberto Lacalle, do Partido Nacional.
Seu governo definiu como prioridade a erradicação da miséria e a redução da pobreza em 50%. Logo após sua chegada à Presidência, a primeira lei que chamou a atenção foi a descriminalização do aborto. A Frente Ampla já havia proposto um projeto sobre o tema em 2007, que foi vetado pelo então presidente Tabaré Vázquez. A lei foi aprovada em 2012. Mujica também aprovou, em 2013, a lei do matrimônio igualitário, que permite a adoção de crianças por casais do mesmo gênero, que teve oposição da Igreja.
Em seu governo o Uruguai tornou-se o primeiro país a descriminalizar e liberar o consumo, venda e cultivo da maconha, em dezembro de 2013, exemplo seguido por outras nações como Portugal.
Na economia, a participação da despesa social nas despesas públicas aumentou de 60,9% para 75,5% entre 2004 e 2013. Nesse período, a taxa de desemprego caiu de 13% para 7%, a taxa de pobreza nacional recuou de 40% para 11% e o salário-mínimo foi aumentado em 250%. Mesmo assim, a inflação permaneceu sob controle.
Após deixar a Presidência, Mujica foi reeleito senador nos mandatos 2015-2020 e 2020-2025. Ele renunciou ao cargo em 2020 citando a epidemia da Covid-19 e sua idade avançada – tinha 85 anos. Porém, mesmo fora do poder, ele permaneceu uma das principais vozes progressistas da América Latina.
Vida pessoal
Mujica e Lúcia não tiveram filhos e ficaram conhecidos pelo estilo de vida frugal. Após a redemocratização, o casal foi morar em uma chácara em Rincón del Cerro, na região metropolitana de Montevidéu, onde viviam de plantar flores. Ao assumir a Presidência, Mujica e a esposa seguiram morando na mesma casa, que recebeu apenas algumas melhorias na segurança e nas telecomunicações.
Ele passou a receber um salário equivalente a US$ 12 mil. Sempre criticou o aspecto do capitalismo de acumular riqueza e doava cerca de 90% desse valor para causas sociais e entidades que apoiavam os pequenos empresários. Até pouco tempo atrás, Mujica dirigia seu único carro, um Volkswagen Fusca 1987 estava avaliado em US$ 1.800 (R$ 10 mil). Após a presidência, reza a lenda que um político lhe ofereceu US$ 1 milhão pelo veículo, e Mujica não aceitou. “Não sou pobre”, disse ele na ocasião. “Pobre é quem precisa de muito para viver.”
O post Morre José Alberto Mujica (1935-2025), Ex-presidente do Uruguai apareceu primeiro em Forbes Brasil.