O “Programa de Saneamento Catarinense” (PL 231/25): instrumento de pressão ou atraso? Por Haneron Victor Marcos

Haneron Victor Marcos escreve artigo sobre a omissão do Governo de Santa Catarina na implementação da regionalização do saneamento, prevista na Lei Federal 14026/20.

Haneron critica o PL 231/25 por ser confuso, inócuo e desprovido de soluções técnicas e jurídicas consistentes. Foto: Arquivo Pessoal

instrumento Aqui vão dois “spoilers”: (1º) a única coisa que os três deputados subscritores do PL 231/25 acertaram, é que há omissão do Governo do Estado; (2º) não ganharam o Oscar de roteiro original.

Agora, vamos ao enredo.

A Lei Federal 14026/20, erroneamente chamada de “novo marco do saneamento” (na verdade, altera a lei nacional de saneamento básico – Lei Federal 11445/07), introduziu a regionalização, “com vistas à geração de ganho de escala”, como objetivo na política federal de saneamento básico.

A importância dessa regulamentação é enfatizada no art. 50, ao dispor que “a alocação de recursos públicos federais e os financiamentos com recursos da União ou com recursos geridos ou operados por órgãos ou entidades da União” depende de uma estrutura de prestação regionalizada. O Decreto Federal 11599/23 estabelece como teto, o mês de dezembro deste ano. Evidentemente, Santa Catarina segue atrasada, na lanterna dos estados, como o último estado sem nenhuma definição, sequer parcial.

A regionalização, necessária, além de permitir o acesso à recursos federais, é instrumento a garantir a segurança jurídica dos contratos, sejam eles com prestadores públicos ou privados.

Desde o advento da lei federal, Santa Catarina observou duas tentativas: uma primeira no Governo Moisés que propunha a regionalização por onze regiões metropolitanas por meio do Decreto Estadual 1372/21, que estabelecia necessária regulamentação por Lei Complementar Estadual, seguido pelo PLC 1.8/22 que naufragou com o final da legislatura; e uma segunda pelo Governo Jorginho, que – na esteira de outras experiências nacionais – propunha uma única microrregião, como estampado no PLC 040/23, recolhido posteriormente pelo próprio Governo.

O que agora se apresenta como novidade, é mais uma ferramenta de atraso. Vamos a alguns fatos:

(1º) o texto não é novo; há algum tempo – e não é segredo para ninguém, eis que já anunciado pela imprensa – circulava sem consenso na Casa Civil uma minuta de Projeto de Lei um pouco mais amplo. O apresentado, foi extraído dessa minuta não acolhida pelo Governador Jorginho até então, e por isso ironicamente se adiantou que os parlamentares não ganharam prêmio de roteiro original;

(2º) reproduz uma série de princípios já estabelecidos pelo arcabouço legislativo federal, de observância obrigatória aos prestadores estaduais e municipais. O famoso adágio “chover no molhado” ganha ainda mais evidência quando abre a possibilidade – como se novidade fosse – de formação de consórcios públicos e prescreve em seu art. 2º que “a alocação de recursos públicos e os financiamentos, oriundos do Estado de Santa Catarina ou geridos por órgãos ou entidades estaduais, deverão observar as diretrizes e objetivos estabelecidos no Marco Legal do Saneamento”;

(3º) o Programa não trata da fonte de recursos estaduais aos aderentes para a universalização do saneamento, mas tão somente motiva a saída do sistema CASAN para a formação de consórcios a serem licitados em modelagem ainda a ser definida por contratação de estudos pelo Poder Executivo;

(4º) preconiza a participação de municípios com mais de quarenta mil habitantes, auxiliando na materialização de um dos maiores temores quando falamos em regionalização: a concessão dos sistemas superavitários ao privado, e a manutenção dos deficitários com o estado;

(5º) todo o programa parte de um axial e esdrúxulo pressuposto: de que a CASAN aceitará a rescisão amigável de seus contratos, para receber como indenização uma fração diminuta – e confusa – dos valores de outorga.

Esse último ponto merece destaque. No art. 3º do PL, são apresentados os percentuais de indenização de acordo com o prazo de vencimento da concessão. A CASAN teria direito de 5% a 15%; contudo, por extenso, ao lado dos 10% consta “sessenta por cento”, e dos 15%, “setenta por cento”. No afã de darem alguma digital própria ao projeto, ainda reduzem, com erro material, o direito indenizatório da companhia estadual.

Nessa heterogênea tertúlia pré-apresentação do PL entre NOVO, PDT e PSD, é de se questionar se pensaram que algum administrador da CASAN, em plena sanidade mental que impede um suicídio patrimonial próprio, está disposto a firmar sua assinatura em uma rescisão amigável de concessão, com todas as projeções remuneratórias decorrentes, para receber essa diminuta fração de outorga.

O “Programa de Saneamento Catarinense” se apresenta, independente da boa-fé dos proponentes, como uma iniciativa inócua, confusa e insustentável (técnica e constitucionalmente). Mais uma vez, sem diálogo com os stakeholders disponíveis, vemos uma tramitação que atrasará a necessária discussão de fundo: a regionalização do saneamento, não resolvida pela proposta.

Mas, sejamos honestos, nesse filme os autores acertam em algo: há omissão governamental estadual, desde o advento da Lei Federal 14026/20, que impacta direta e negativamente nos rumos da universalização do saneamento.de pressão ou atraso?


Haneron Victor Marcos é doutor em Gestão Pública e Governabilidade.

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