Se é verdade que cada garrafa de vinho traz em si um enorme potencial para grandes histórias, imagine quantas circularam pela Wine South America (WSA), em Bento Gonçalves (RS), na última semana. A feira é um dos maiores encontros de negócios do setor e reuniu, em três dias, sete mil compradores para conhecer mais de 430 marcas de vinhos — 200 delas nacionais. Um verdadeiro vinhedo de narrativas, por onde caminhei com taça na mão e o ouvido atento para as histórias por trás de cada vinho.
Em eventos como a WSA, fica evidente que transformar um vinho em sucesso de vendas é uma tarefa que vai muito além de qualidade técnica ou terroir privilegiado. Para encantar, convencer e conquistar mercado, é preciso construir boas narrativas. E isso vale tanto para quem produz quanto para quem vende.
Não estou falando de inventar histórias mirabolantes — mas de identificar o que cada vinho tem de único e contar isso com clareza, criatividade e intenção. Uma origem, um detalhe do processo, uma escolha fora do padrão, uma provocação sensorial: qualquer elemento pode ser o início de um storytelling eficiente. E quando a narrativa vem antes do gole, a experiência se transforma.
Um bom exemplo disso vem da vinícola boutique Orbello, de Monte Belo do Sul (RS). Estive no stand deles na WSA e conheci o trabalho da enóloga Letícia Fensterseifer. Ela e o marido, também enólogo, produzem vinhos em tiragens limitadíssimas — entre 500 e 700 garrafas por rótulo — com o objetivo de desafiar paradigmas clássicos e criar rótulos com identidade.
Ao apresentar sua linha, Letícia me contou: “Nos perguntamos por que um rosé não pode ser feito para envelhecer muitos anos. E assim fomos criando vinhos que buscam identidade e personalidade”. Provei duas safras desse rosé: a 2023, ainda jovem e frutado; e a 2022, já com complexidade e sinais promissores de longevidade. O vinho impressiona, mas a história que o antecede prepara o paladar com ainda mais atenção. Ali, ficou claro: a narrativa bem construída amplia o impacto da degustação.

E essa construção não acontece apenas no discurso. Os rótulos da Orbello são, por si só, uma aula de storytelling visual. Com uma estética minimalista e sofisticada, cada rótulo traz em relevo o desenho do vinhedo de origem, destacando a parcela exata de onde vieram as uvas daquela garrafa. É como um mapa do tesouro impresso no papel — só que, nesse caso, o tesouro está dentro da garrafa. O consumidor entende, já no primeiro olhar, que aquele vinho carrega um lugar específico, delimitado com intenção e cuidado. É a geografia virando narrativa.
Esse tipo de estratégia não serve apenas para produtores. Distribuidores, vendedores, sommeliers e demais profissionais do vinho podem — e devem — incorporar o repertório narrativo ao apresentar um rótulo. Mesmo quando a vinícola não constrói uma narrativa própria, é possível criar um bom enredo a partir das informações técnicas disponíveis: variedade, método, tempo de guarda, origem, vinificação, safra, estilo. Com conhecimento e sensibilidade, dá para transformar uma ficha técnica em uma boa conversa.
No fim das contas, a Wine South America me reforçou uma certeza profissional: o vinho é um produto que se vende com todos os sentidos. E, entre eles, a escuta vem antes do paladar. Quem domina a arte de contar histórias vende mais — e marca presença.
Tim tim!
Beatriz Cavenaghi é jornalista, doutora em Gestão do Conhecimento pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) e sommelière pela Associação Brasileira de Sommeliers (ABS-SC). @beacavenaghi no Instagram