No mundo, as mulheres representaram apenas 17,7% de todos os inventores listados nos pedidos de Patentes (PCT) em 2023. Já no Brasil, a média das patentes protegidas que contam com a participação de mulheres como inventoras é de 18,4%.
Na contramão destes baixos índices de participação de mulheres em pesquisa e desenvolvimento de novas tecnologias com foco em mercado, alguns times tem se destacado, como é o caso do time de Pesquisa e Desenvolvimento da TNS Nano, que conta com a Alexsandra Valério como gestora.
A Alexsandra Valério é doutora em Engenharia Química e, após uma exitosa carreira acadêmica que inclui 4 pós-doutorados nas áreas de engenharia, polímeros e biotecnologia e mais de 80 artigos publicados em revistas nacionais e internacionais, em 2020 ela aceitou o desafio de levar todo esse conhecimento para o mundo corporativo onde hoje atua como Gerente Técnica na TNS Nano.
Os baixos índices de participação de mulheres como inventoras de patentes no mundo todo pode ser uma questão mais profunda, relacionada a falta de estímulo para que meninas e mulheres se interessem pelas áreas de ciência, tecnologia, engenharia e matemática (STEM)? Na sua vivência na academia e no mundo corporativo, você percebe uma melhoria deste cenário?
Com certeza vejo a melhoria deste cenário. Na minha trajetória, tanto na academia quanto no mundo corporativo, percebo uma mudança gradual e positiva acontecendo. Hoje temos mais iniciativas voltadas ao incentivo de meninas e mulheres na ciência, programas de mentoria, projetos educacionais e uma maior visibilidade das mulheres que atuam na pesquisa e no desenvolvimento tecnológico. Isso tem ajudado a quebrar barreiras.
De acordo com relatório da Elsevier-Bori publicado pela Agência Brasil, o percentual de pesquisadoras que assinam artigos científicos passou de 38% para 49%, colocando o Brasil no terceiro lugar de países com maior participação de mulheres na ciência.
Mas é importante entender que essa mudança precisa ser contínua e sustentada. No mundo corporativo, embora esteja melhorando, ainda enfrentamos desafios importantes, como a desigualdade de oportunidades, conciliação entre carreira e maternidade, e o menor reconhecimento da liderança feminina em áreas técnicas. Precisamos não só incentivar as meninas desde cedo, mas também garantir que mulheres tenham espaço, apoio e voz para inovar e liderar.
O que tem mudado muito esse cenário é ver cada vez mais mulheres fortes e resilientes que conseguiram conquistar um espaço que não havia sido dado no começo. Essas mulheres são exemplos de como é possível trilhar carreiras executivas e chegar ‘’lá’’.
O seu currículo é impressionante, como tudo começou? O que despertou em você o desejo de se tornar uma cientista? E como foi essa transição de carreira do mundo acadêmico para o mundo corporativo? Quais os principais desafios que uma mulher ainda tem nesses ambientes de pesquisa de ponta?
Muito obrigada! Minha trajetória na ciência começou ainda na infância, impulsionada por uma curiosidade e encantamento de como as coisas funcionavam. Sempre fui fascinada por entender os processos e a natureza, desde como uma lagarta se transforma em borboleta e eu as colocava em potes de vidro para observar, até desmontar um carrinho para entender como o motor a fricção funcionava. Foi isso que me levou a escolher a área da Engenharia, sou graduada e mestre em engenharia de alimentos e depois, me aprofundei na engenharia química no doutorado e, posteriormente, os pós-doutorados nas áreas de engenharia de materiais, nanotecnologia e biotecnologia. E cada etapa foi uma descoberta e um passo a mais na direção de como aplicar o conhecimento.
O desejo de me tornar cientista veio dessa vontade de contribuir com soluções que impactam positivamente o mundo. Mas com o tempo, percebi que havia uma ponte importante a ser construída entre a produção acadêmica e o mercado, eu vi que havia uma possibilidade de levar conhecimento para além do laboratório até o mundo corporativo. E foi justamente nessa inquietação por um novo desafio que migrei para o mundo corporativo, onde hoje atuo como Gerente Técnica na TNS Nano e Revella Agritech.
Essa mudança exigiu adaptação e muito aprendizado. A lógica, os prazos e a dinâmica das empresas são diferentes da academia. Na indústria, precisamos transformar conhecimento em soluções práticas, com viabilidade técnica, econômica e impacto imediato. Aprendi a comunicar ciência de forma mais acessível, a trabalhar com equipes multidisciplinares e a alinhar inovação com estratégia de negócio.
Recentemente, eu li um livro chamado ‘Uma Sobe e Puxa a Outra: Histórias Reais Para Impulsionar Mais Mulheres’ que me trouxe de volta a consciência de que a jornada exige persistência, resiliência e apoio, especialmente quando se trata de estar em ambientes e áreas tão exigentes que também estão se moldando a presença de mulheres. Estar hoje em uma posição de liderança e ver o impacto do trabalho de muitas mulheres se concretizando é inspirador. Tenho certeza que não só eu, mas muitas de nós estamos fazendo a diferença para as próximas gerações de mulheres fortes.
Você vê como positiva ações como o Mulheres+TEC da FAPESC e o BRICS Women’s Startups Contest para estimular mais mulheres a atuarem em posições de liderança em empresas de tecnologia? Na sua visão, que outras ações poderiam ser implementadas para atrair mais talentos femininos?
Sim, programas como esses, para estimular e encorajar mulheres são os motores para a mudança de cenário. Eles não apenas ampliam o acesso de mulheres às áreas de tecnologia e inovação, como também ajudam a visibilizar o talento e o potencial de liderança feminina no setor. Esses programas promovem capacitação, criam redes de apoio e conectam mulheres a oportunidades reais.
Na minha visão, para atrair e manter mais talentos femininos, é a união de várias frentes. Primeiro, na base: investir em projetos que despertem o interesse de meninas por ciência e tecnologia desde a infância. Na formação acadêmica e no início da carreira, ter programas de mentoria para preparar essas mulheres para o ambiente corporativo e apresentar ferramentas de desenvolvimento de lideranças, postura, comunicação, podem ser estratégias poderosas para incluir mais mulheres. Assim teremos cada vez mais espaços onde as mulheres possam inovar, aprender e crescer com liberdade e respeito.
Você é inventora de algumas patentes, e atua em outros projetos que podem gerar mais patentes ainda. É muito difícil conseguir uma patente? Quais são os principais desafios? Você tem alguma dica de ouro para outras mulheres e pesquisadoras que sonham em conquistar uma patente?
Sim, sou inventora de algumas patentes e atualmente lidero projetos com forte potencial de gerar novas inovações patenteáveis. Conseguir uma patente é, sem dúvida, um processo desafiador, no qual você precisa se ‘desapaixonar’ pela sua invenção, contornar objeções do que já está publicado, para melhorar ainda mais a sua invenção, mas no final, o processo é extremamente gratificante.
Um dos principais desafios é transformar uma ideia inovadora em algo realmente aplicável, com potencial de mercado e suficientemente original para atender aos critérios do sistema patentário. É preciso ter clareza técnica, fazer uma busca de anterioridade cuidadosa, além disso também irá ajudar, ter um bom escritório ou profissional para dar suporte tanto na redação quanto na forma correta de apresentar sua invenção para o examinador.
Minha dica de ouro para mulheres e pesquisadoras que sonham em conquistar uma patente é: façam. Muitas vezes, por insegurança ou falta de incentivo, deixamos de reconhecer o valor real do que estamos criando. Cerquem-se de pessoas que te encorajem, busquem por programas de incentivo, mentorias para ajudar ou troquem experiência com outras mulheres que já passaram pelo processo, mas principalmente não tenham medo de tirar suas ideias do papel. Inovar é, acima de tudo, um ato de coragem.
Você acredita que times de pesquisa e desenvolvimento que contam com a participação de times diversos, com participação feminina, têm vantagem competitiva quando comparados a times sem diversidade? Na sua visão, contratar mais mulheres para atuar com inovação pode ser uma decisão estratégica importante?
Acredito fortemente que equipes de pesquisa e desenvolvimento diversas, especialmente com a presença de mulheres, têm uma vantagem competitiva real. A diversidade traz diferentes formas de pensar, resolver problemas e enxergar oportunidades. Quando combinamos experiências, vivências e olhares distintos, aumentamos o potencial de inovação e criatividade. E isso é chave em qualquer área, mas especialmente em ciência e tecnologia, onde o pensar fora da caixa e ver além do óbvio é o que gera as oportunidades.
Contratar mais mulheres para atuar com inovação não é apenas uma questão de equidade, é uma decisão estratégica inteligente. Times diversos tendem a ser mais colaborativos, resilientes e orientados a resultados. Além disso, produtos e soluções desenvolvidos por equipes plurais têm maior chance de atender a uma sociedade igualmente diversa, o que gera mais valor de mercado.
Na minha experiência, liderar um time diverso e forte presença feminina tem mostrado que inovação com propósito, empatia e visão ampla é possível e essencial. Na minha visão, empresas que investem na pluralidade saem na frente tanto em impacto quanto em performance.
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