“Pet levado à sério”: A castração representa um destino que muda. Por Júlia Opuski

Júlia Opuski escreve artigo sobre programa “Pet Levado a Sério”, lançado em Santa Catarina, que promete transformar a proteção animal com a realização de 80 mil castrações e ações educativas em todo o estado.

A castração muda destinos.

Pode até soar como um clichê, mas quem atua na proteção animal sabe o quanto essa realidade é verdadeira e carregada de significado. Ao longo de nove anos à frente do projeto voluntário “Ajude o Chico”, em Florianópolis, tive a oportunidade de transformar a história de centenas de cães e gatos que, um dia, se encontraram em situação de vulnerabilidade. Animais resgatados do abandono, da fome, do medo e que, com cuidado e amor, puderam reescrever seus caminhos. Cada vida salva é um lembrete de que, apesar do abandono e da indiferença ainda presentes, é possível construir novas histórias baseadas em respeito, dignidade e uma nova chance. E essa chance sempre começa da mesma forma: com a castração.

A castração é o passo decisivo para interromper o ciclo da dor. Mais do que um ato de cuidado individual, ela representa uma estratégia coletiva capaz de prevenir a crueldade, o abandono e o sofrimento, transformando realidades de forma concreta e duradoura. Para entender a dimensão desse impacto, basta considerar que uma única fêmea não castrada pode gerar, em média, de seis a dez filhotes por gestação. Se parte desses animais permanecer nas ruas, a cadeia de reprodução e abandono se repete, se multiplica, e rapidamente se torna impossível de conter. Assim, o que à primeira vista pode parecer “apenas uma ninhada” tem o potencial de resultar em milhares de animais sem lar ao longo dos anos, perpetuando um ciclo de sofrimento que só pode ser efetivamente interrompido com a castração.

Estudos amplamente documentados demonstram que programas de castração em massa são uma das estratégias mais eficazes e éticas para o controle populacional de animais em situação de rua. A esterilização impede a reprodução descontrolada, que é a principal responsável pelo crescimento exponencial da população de cães e gatos abandonados, problema este que gera impactos não apenas no bem-estar animal, mas também na saúde pública e na segurança das comunidades. Segundo dados da American Society for the Prevention of Cruelty to Animals (ASPCA, 2019), cidades que adotaram campanhas regulares, acessíveis e de grande alcance de castração registraram uma redução de até 87% no número de animais recolhidos em abrigos públicos ao longo de um período de dez anos, demonstrando um impacto profundo, consistente e sustentável.

No Brasil, Santa Catarina desponta como referência nacional em políticas públicas voltadas à proteção e controle populacional de animais, especialmente em sua capital, Florianópolis. Através da Diretoria de Bem-Estar Animal (DIBEA), o município desenvolve ações contínuas de castração gratuita, microchipagem, atendimento veterinário emergencial e incentivo à adoção. Desde a criação da DIBEA, já foram realizadas mais de 50 mil castrações gratuitas até o final de 2023, consolidando um dos programas mais consistentes do país. Em bairros atendidos de forma sistemática, os resultados são expressivos: foi registrada uma redução de até 60% na população de animais em situação de rua, evidenciando o impacto positivo de estratégias contínuas de castração associadas a ações de educação e guarda responsável.

Entretanto, apesar dos avanços alcançados na capital catarinense, a realidade ainda está longe do ideal. Florianópolis, mesmo com uma estrutura institucional ativa através da DIBEA, enfrenta grandes desafios: a demanda por castrações gratuitas ainda é maior do que a capacidade de atendimento; comunidades periféricas e regiões mais afastadas da área central continuam desassistidas; e ainda há carência de políticas públicas mais abrangentes de fiscalização, educação e punição efetiva contra maus-tratos. Muitos animais em situação de rua continuam invisíveis aos olhos do poder público, principalmente fora do eixo central da cidade. Isso evidencia que, embora Florianópolis esteja à frente de muitas capitais brasileiras, muito trabalho ainda precisa ser feito para consolidar um sistema verdadeiramente eficiente e universalizado de proteção animal ao redor do estado.

Nesse contexto, o programa “Pet Levado a Sério”, lançado hoje, dia 30 de abril de 2025, pelo Governo de Santa Catarina, nasce com a proposta de se tornar o maior programa estadual de castração em massa da história do estado, visando transformar de forma estruturada o cenário da proteção animal atual. O lançamento ocorre durante o 1º Fórum de Prevenção da Crueldade Animal de Santa Catarina, um espaço estratégico de escuta, formação e mobilização para políticas públicas, que reunirá autoridades, promotores, delegados e representantes da causa animal.

A iniciativa é promovida pela Secretaria do Meio Ambiente e da Economia Verde (SEMAE) em parceria com a Diretoria de Bem-Estar Animal (DIBEA estadual), e inclui não apenas castração, mas microchipagem e ações educativas voltadas ao bem-estar animal. Anunciado no encerramento do Abril Laranja (mês dedicado à prevenção da crueldade animal), o programa prevê a realização de 80 mil castrações em todo o estado, com um investimento superior a R$ 19 milhões, cobrindo cerca de 95% do território catarinense. Apesar da atenção inicial voltada para as cidades menores (de até 100 mil habitantes), a descentralização do controle populacional e o fortalecimento das políticas públicas regionais tendem a beneficiar todo o estado.

A importância do programa “Pet Levado a Sério”vai muito além dos números impressionantes que carrega. Seu verdadeiro valor está no significado estratégico que representa para a causa animal, ao dar visibilidade ao tema e levá-lo para o centro dos lares, das escolas e das prefeituras. Mais do que promover castrações, a iniciativa fomenta uma cultura de respeito e responsabilidade, reconhecendo que a proteção animal não pode mais ser tratada como uma pauta secundária.

Trata-se de uma questão de saúde pública, de segurança e, sobretudo, de humanidade. Por isso, é essencial que as políticas públicas incorporem definitivamente a causa animal como prioridade, lado a lado com tantas outras lutas sociais urgentes. E cabe a todos nós, cidadãos e parlamentares, desempenhar um papel decisivo nesse processo: cobrar, legislar, fiscalizar e apoiar iniciativas como essa: que não apenas mudam realidades, mas transformam destinos.


Júlia Opuski é protetora de animais e criadora do projeto “Ajude o Chico” (@ajude_o_chico)

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