As Habilidades Exigidas Pelo Mercado de Trabalho

Forbes, a mais conceituada revista de negócios e economia do mundo.

 

 

No começo dos anos 90, minha carreira estava longe do universo corporativo. Importava e revendia carrinhos de bebê. Sim, carrinhos de bebê. E isso só aconteceu porque meu pai, que tinha uma fábrica de guarda-chuvas, percebeu que precisava diversificar — afinal, só vendia quando chovia. Com as mesmas máquinas usadas para montar guarda-chuvas, descobrimos que era possível fabricar carrinhos e daí veio a ideia. Essa reviravolta, nascida de uma necessidade, foi minha primeira grande lição sobre adaptabilidade. A segunda veio quando a carga dos carrinhos não chegou ao Brasil e ficou perdida no mar, então precisei encontrar outro caminho, desta vez, muito mais perto da tecnologia.

Essas mudanças inesperadas moldaram a forma como eu enxergo o trabalho — e, principalmente, como nos preparamos para ele. A verdade é que o futuro exige uma renovação constante de competências, muitas vezes em direções que não prevíamos. Um dado recente reforça essa percepção: até 2030, 75% das habilidades exigidas em diversas funções no Brasil serão diferentes das de hoje. Atualmente, os desafios do meu dia a dia deixaram de ser cargas extraviadas no mar. Agora, alguns deles envolvem algoritmos, dados e ferramentas generativas. A essência, no entanto, continua a mesma: adaptar-se rápido, com criatividade e propósito.

A lista das habilidades em alta do LinkedIn para 2025 é um bom termômetro desse movimento. Ela é liderada por “conhecimento em inteligência artificial” — o que não surpreende. Mas o segundo lugar é ainda mais interessante: “boa comunicação”.

Esse contraste é fascinante. De um lado, uma habilidade que exige domínio técnico. Do outro, uma competência humana, relacional, empática. E o mais curioso: uma depende da outra. Afinal, até para interagir com a inteligência artificial — seja por meio de um prompt no ChatGPT ou de um comando no Copilot — é preciso saber se comunicar bem. Pedir algo mal formulado resulta em respostas ruins. Mais do que nunca, saber explicar, argumentar, analisar e interpretar é o que diferencia o uso raso do uso estratégico da tecnologia.

No Brasil, essa interdependência entre o técnico e o humano tem ainda mais camadas. Grande parte da população economicamente ativa ainda enfrenta barreiras de acesso a tecnologias básicas — como internet estável e dispositivos atualizados — o que dificulta o desenvolvimento de competências digitais. Ao mesmo tempo, temos um histórico de lacunas em habilidades como comunicação, escrita e pensamento crítico, que são justamente as mais exigidas para navegar bem no novo mundo do trabalho. Ou seja, a transformação digital no país não será apenas tecnológica, mas também profundamente humana.

E não se trata apenas de aprender a usar ferramentas, mas de aprender a fazer perguntas melhores. A IA responde ao que pedimos — e, muitas vezes, a qualidade da resposta depende inteiramente da clareza da pergunta. Nesse sentido, a boa comunicação se torna uma ponte entre o potencial técnico e a capacidade de gerar valor real com a tecnologia. Investir em comunicação, portanto, não é um luxo: é um requisito estratégico para o sucesso profissional.

Hoje, fiz um teste com o ChatGPT e contei sobre o desafio que meu pai enfrentou: “Tenho uma fábrica de guarda-chuvas, mas só vendo quando chove. Que outro produto eu poderia fabricar com o maquinário?”. A resposta foi: sombrinhas, capas de chuva e mochilas impermeáveis. As opções não resolveram o problema. Ou seja, por mais inteligente que seja, a IA ainda trabalha dentro de certos limites. A criatividade e a conexão entre contextos ainda são atributos humanos.

Talvez o futuro do trabalho não esteja apenas em dominar a próxima grande tecnologia, mas em manter a capacidade de adaptação, criatividade e, principalmente, conexão humana. Porque quando o mundo muda — e ele sempre muda — não é quem sabe tudo que se destaca, mas quem sabe aprender de novo. Assim como eu aprendi com meu pai, com os carrinhos de bebê e, agora, com os algoritmos.

Milton Beck é Diretor-Geral do LinkedIn para América Latina e África.

Os artigos assinados são de responsabilidade exclusiva dos autores e não refletem, necessariamente, a opinião de Forbes Brasil e de seus editores.

O post As Habilidades Exigidas Pelo Mercado de Trabalho apareceu primeiro em Forbes Brasil.

Adicionar aos favoritos o Link permanente.